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 | Daniel Castellano/ Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo

O século 21 não vai ter mais espaço para grandes códigos, a nova era não comporta mais um corpo ordenado de normas para determinada área jurídica. Essa é a opinião de Silvio Venosa, estudioso do direito civil, autor de diversos livros sobre o tema, que reconhece a necessidade de mudanças no Código Civil, mas afirma que microssistemas de leis podem trazer as soluções para as modernizações necessárias. Após atuar como juiz no estado de São Paulo por 25 anos, hoje presta consultoria e é um ferrenho defensor da arbitragem. Durante sua entrevista à Gazeta do Povo, quando esteve em Curitiba, ele falou sobre a importância dessa alternativa ao Judiciário, sua evolução no Brasil e o que é preciso aprimorar na área. O jurista veio à cidade em novembro para participar de uma atualização para alunos da pós-graduação em direito do UniCuritiba. Venosa também fez curso de direito do consumidor na Comunidade Europeia, Universidade de Louvain-la-Neuve, Bélgica, e durante a conversa falou sobre a evolução do Código de Defesa do Consumidor do Brasil.

Qual é a sua opinião sobre a arbitragem aqui no Brasil? Já evoluiu bastante?

Nesses últimos dez anos, a arbitragem tem sido um meio muito importante de solução de contendas, principalmente para empresas de médio e grande porte. Hoje a arbitragem é uma realidade muito importante e que caminha paralelamente às questões do Poder Judiciário.

Podemos dizer que as bancas nacionais têm o mesmo nível das bancas do exterior?

Não tenha dúvida nenhuma. Nós temos vários juizados arbitrais que são importantes. E filiais de juizados do exterior.

A arbitragem está deixando de ser um recurso utilizado só por grandes empresas, de âmbito internacional, e também é utilizado pelas empresas médias. Essa alternativa é por conta da morosidade da nossa Justiça? Quais seriam os motivos?

É por conta da morosidade, mas não só isso. A arbitragem tem algumas vantagens que o Judiciário não pode oferecer, entre as quais o sigilo. Os julgamentos são sigilosos, só se divulga se for autorizado. Há questões que são essencialmente técnicas, e a arbitragem pode contar com árbitros que sejam da [respectiva] área técnica, o que facilita o julgamento. Se temos uma questão essencialmente técnica, de engenharia e – hoje, com tantas especialidades tecnológicas, é difícil para o juiz togado se valer do perito, – fica muito mais caro, muito mais demorado. Existem vicissitudes na perícia que na arbitragem não existem. E nessas questões técnicas o árbitro pode ser do meio técnico, e fica mais fácil para ele entender o problema e resolver.

E o que seria necessário modificar na arbitragem hoje aplicada no Brasil?

Hoje, ela já tem um projeto de reforma e existem sugestões boas e ruins, mas temos que preservar o que é importante na arbitragem, qual seja, esse julgamento com a mínima interferência possível do Poder Judiciário. Com isso ela tem atingido seus objetivos. Existem projetos que pretendem desviar a lei desse caminho, é importante que esses projetos não sejam aprovados.

Que tipo de desvio?

Permitir, por exemplo, recurso no Judiciário da sentença. Isso seria a morte da arbitragem no Brasil. Perde totalmente o sentido, e nós voltamos ao Código [Civil] de 1916, quando toda arbitragem que se fizesse no Brasil teria que ser revista pelo Poder Judiciário.

O senhor estudou direito do consumidor na comunidade europeia. Qual é a sua opinião sobre a nossa lei dos direitos do consumidor aqui no Brasil?

Ela é uma das mais avançadas. Poucos códigos do consumidor têm a nossa evolução. Nem sempre nós conseguimos uma adequação perfeita na sua utilização. Mas o nosso Código do Consumidor é muito bem feito. Vamos ter algumas alterações agora, já temos projetos para melhorá-lo ainda mais. Mas eu posso dizer que mesmo as normas dos estados norte-americanos não têm a dimensão que tem o nosso código. Basta dizer que o código de Israel foi baseado no código brasileiro, e [o brasileiro] é um modelo para várias legislações estrangeiras. Levou algum tempo para que ele fosse absorvido pela sociedade, como toda lei importante. Os seus princípios, no entanto, têm sido aplicados mesmo fora do âmbito do consumidor, porque são princípios de proteção ao hipossuficiente, àquele que, economicamente, é mais frágil. E, como eu já previa, nos primórdios da vigência desse código, essa proteção ao hipossuficiente ocorre sempre que for constatada uma debilidade econômica e jurídica perante a grande empresa, perante o grande empresário. Então, é um código que trouxe muitas vantagens, é claro que não existe lei perfeita, ela tem que ir sempre sendo burilada, mas é uma legislação muito importante.

O senhor publicou diversas obras sobre o Código Civil e sobre o direito civil como um todo. Qual é a sua opinião sobre o Código Civil de 2002. Ele já precisa de revisão?

Todo código precisa de revisão. E o código no século 21 foi uma surpresa, porque nós não estamos mais em uma era de códigos. Nenhuma nação mais irá promulgar códigos. O nosso código talvez tenha sido o último do mundo ocidental. Não contamos o mundo oriental, porque eles não têm códigos. Mas a verdade é que hoje nós vivemos em torno de microssistemas. Já existem projetos para retirar sucessões e família desse código, que já foi alterado em várias situações. A tendência é que se torne cada vez mais difícil nós termos, num corpo ordenado de normas, toda a legislação de uma área jurídica. Isso daí hoje é utópico, é difícil. Isso não era difícil no século 18, no século 19, quando nós tivemos os primeiros códigos. Mas a situação histórica, hoje, é absolutamente diferente. Então, a tendência é que nós tenhamos uma lei geral para princípios gerais, e que os chamados microssistemas ou estatutos fiquem gravitando em torno do código e assim também é no direito penal. A tendência no direito penal é que nós tenhamos uma parte geral, que é o fundamento básico do direito penal, e uma série enorme de estatutos dos vários seguimentos da criminalidade.

Colaborou Gisele Barão

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