Para o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Fernando Araújo vir ao Brasil é como visitar a própria família. "Minha avó paterna era carioca, e meu pai passou uma parte da juventude no Rio de Janeiro", conta Araújo que diz ter sido criado "à sombra da cultura brasileira". Em uma dessas visitas, o professor de Análise Econômica do Direito concedeu esta entrevista ao Justiça & Direito, na qual afirma que a disciplina nasceu para despertar os juristas para a necessidade de tornar a gramática do direito mais próxima da realidade dos cidadãos. Essa realidade, de acordo com ele, é cada vez mais dominada pela linguagem econômica. "Ou seja, a análise econômica do direito veio refundamentar, dar uma nova legitimidade e novas perspectivas e, uma vez ou outra, veio criticar o direito", diz.
Como nasceu a disciplina da Análise Econômica do Direito e por que ela é importante para o estudo jurídico?
A Análise Econômica do Direito nasceu há 50 anos nos Estados Unidos como uma reação à tradição do ensino do direito, que se baseia na consciência de que o direito lida com uma realidade social que não se esgota nas categorias dogmáticas. Com o nascimento das ciências sociais, no século 18, houve a consciência de que existiam outros modos para designar e analisar a realidade com a qual o direito lida. E uma das disciplinas que teve maior sucesso nesses últimos séculos foi a economia, porque não apenas simplificou a forma como analisamos a realidade social, como teve um projeto emancipador de explicar que as pessoas eram capazes de levar vidas autônomas. Assim, elaborou-se um conceito que era relevante para o direito: o conceito de interesse. Depois, veio a economia e disse que as pessoas faziam isso por um interesse. Respeitar, por exemplo, é algo estrategicamente importante para qualquer pessoa que queira atingir seus interesses. As pessoas, então, começaram a acrescentar a esse aspecto do direito uma razão econômica. A análise econômica do direito veio, então, despertar os juristas para a necessidade de tornar sua gramática mais próxima do que é o entendimento do cidadão comum, que é dominado, cada vez mais, pela linguagem econômica.
Como ela pode ajudar, por exemplo, na saída da crise econômica europeia?
A crise europeia é um problema que ultrapassa o próprio direito. As funções políticas têm um revestimento jurídico, mas têm na base opções que também podem ser analisadas do ponto de vista econômico. O projeto da união monetária na Europa era interessante, mas tinha vários perigos. Um dos principais era o de que as economias tinham que estar totalmente sintonizadas ou, então, uma política econômica cômoda para alguns não seria cômoda para outros. Na época, não houve convergência real, e os países ainda estavam muito assimetricamente expostos a choques exógenos. Em 2006, com a subida do preço do petróleo, os países começaram a entrar em dificuldades e precisaram que o euro fosse desvalorizado para evitar efeitos cambiais. Isso não aconteceu, e os países começaram a ter problemas de endividamento externo. Logo a seguir, ocorreu outra tempestade: a crise financeira internacional. Tudo isso combinado determinou que o euro não poderia socorrer os países mais aflitos. Resultado: a única alternativa que restou foi a chamada deflação interna nos países atingidos, mas isso veio acompanhado de uma taxa de sacrifício, como o aumento do desemprego. E é exatamente ao que estamos assistindo agora. Então, podemos dizer que a crise europeia é uma crise de manual de economia, não tem surpresa nenhuma. Para um economista atento, não há qualquer surpresa no que está acontecendo, tudo foi previsto e agora estamos pagando um preço.
E agora é difícil voltar atrás?
Nunca é difícil voltar atrás. Os interesses dos cidadãos sobrevivem a tudo. Muitos juristas mais conservadores acham horrível que as pessoas vivam de uma economia clandestina, como o mercado negro na África, por exemplo. Mas um jus-economista dirá que o mercado paralelo é uma coisa extraordinária porque significa que as pessoas sobrevivem a tudo. As funções políticas são todas reversíveis e, no fim, o que verdadeiramente conta são os interesses particulares. A União Europeia foi feita para que as pessoas vivessem com maior dignidade, prosperidade e paz. Alguns desses valores ainda são preservados, mas há outros que estão em cheque. Ou seja, antes que a União Europeia desapareça, ela deve se reformular. O euro não deve sobreviver. De certa maneira o projeto inicial até já morreu. E por que ainda não assumiram isso? Por uma série de razões políticas. Algumas têm a ver com a vantagem de se ter uma moeda única, mas os inconvenientes e o preço a pagar são muito grandes.
Mas essa saída pode se dar em curto prazo? As soluções que estão sendo incorporadas estão sendo as melhores?
As soluções não estão sendo as melhores, e há grande rigidez e viscosidade política em torno dos ideais do euro. A Europa está inteiramente dominada por uma retórica do politicamente correto. Isso faz com que as pessoas tenham interesses corporativos inconfessáveis que fazem com que elas apoiem os ideais e os ídolos do momento. Portanto, a Europa está dominada por uma classe política míope que não tem qualquer interesse em resolver a questão do euro. Porém, mais cedo ou mais tarde, vamos ter que sair do euro. Ele pode até estar vivo daqui a 10 ou 15 anos, mas será apenas uma fachada.
Diante do cenário que o senhor abordou, o que indicaria ao Brasil no processo de integração com a América Latina?
Sou bastante otimista nesse processo. O Brasil já está vacinado contra uma série de problemas econômicos, pois passou por dramas recentes em termos históricos. Além disso, o Brasil ocupa posição majoritária e predominante no Mercosul, e a dimensão do mercado interno brasileiro faz com que o país dependa muito menos de uma união econômica do que outros países. O exemplo mais popular disso é a Música Popular Brasileira, que é autossustentável. Mas o Brasil ainda não está levando muito a sério os avisos que vêm dos dramas europeus.
Qual o papel do Instituto de Direito Brasileiro da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa?
O Instituto de Direito Brasileiro nasceu há aproximadamente dez anos e é uma intenção da Universidade de Lisboa de institucionalizar nossas relações com as faculdades e institutos brasileiros. A Faculdade de Direito de Lisboa também tem sido um destino natural para formações pós-graduadas de brasileiros, e o instituto acompanha as atividades dessa comunidade acadêmica.
Quando o senhor visita o Brasil, sente muitas diferenças culturais?
É muito difícil responder isso porque fui criado à sombra da cultura brasileira. Minha avó paterna era carioca, e meu pai passou uma parte da juventude no Rio de Janeiro. Então, há coisas do Brasil que compreendo instintivamente. O que há de mais fascinante no Brasil é ver a "frutificação" da expansão do português nos trópicos. A cultura brasileira é o lado "solar", ou seja, o lado bonito da cultura portuguesa, que é uma cultura muito reprimida. Vejo aqui as mesmas culturas e valores básicos dos portugueses, para o bem e para o mal. O chamado "jeitinho carioca" é tipicamente português, por exemplo. Por outro lado, Portugal tem sido "colonizado" pelo Brasil nos últimos 30 anos e entende as nuances da língua brasileira e alguns dialetos urbanos brasileiros por causa das telenovelas e da música popular brasileira.
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