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Discussões acaloradas, críticas e pressões de diferentes grupos sociais fizeram parte da rotina do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp durante o período em que ele presidiu a comissão de juristas que elaborou um anteprojeto de reformulação do Código Penal. O envio da proposta para apreciação do Congresso Nacional, no último mês, porém, não deve significar menos pressão para Dipp, que desde maio deste ano é também o coordenador da Comissão da Verdade.

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Ao mesmo tempo que sustenta a necessidade de discutir todos os assuntos referentes ao Código Penal, mesmo os tabus, Dipp costuma ser mais resistente ao falar a respeito da Comissão da Verdade. Mas, em entrevista concedida à reportagem da Gazeta do Povo, ele não fugiu dos questionamentos. O ministro disse que os conflitos com relação à comissão fazem parte do processo democrático. O ministro esteve em Curitiba, no início deste mês, durante o II Seminário Nacional de Segurança Pública e Execução Penal, realizado pela Ordem dos Advogados do Brasil.

Propostas para o novo Código Penal, como a flexibilização da prática do aborto e a descriminalização do uso de drogas, têm sofrido várias críticas. Qual foi a intenção da comissão ao fazer propostas polêmicas como estas?

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Quando a comissão foi criada para a reforma de um código de 72 anos – que já devia estar aposentado compulsoriamente, mas vem sendo revigorado por leis especiais, com mudanças tópicas –, combinamos que nenhum tabu deixaria de ser enfrentado em termos de tipo penal. Enfrentaríamos todos os problemas, nem que fosse para dizer: "neste momento, tipificar tal conduta não é adequado ou descriminalizar tal conduta também não seria possível."

Como foi o clima de trabalho? As ideias entre os membros da comissão eram muito antagônicas?

Muitas delas não tiveram unanimidade nem dentro da comissão. E, quando não se chegava à conclusão, íamos para o voto e chegávamos à decisão. Evidentemente, que o foro adequado apropriado para a discussão dessas questões, que são altamente polêmicas, será o Congresso Nacional.

Um dos tópicos incluídos pela comissão no projeto é a permissão do aborto até a décima segunda semana de gravidez nos casos em que a mãe não tenha a menor condição de criar o filho. Há críticas no sentido da subjetividade deste dispositivo...

Não ter condições mínimas de criar um filho é aquela em que a mãe está em um estado psicológico mórbido. Por exemplo, usuárias de crack que estão na cracolândia, grávidas que circulam como se fossem zumbis. Nestes casos, com autorização médica e/ou psicológica o aborto seria permitido.

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O texto é claro? Não abre possibilidade de aborto para várias situações?

O texto fala em condições excepcionais, quando não tiver mais nenhuma condição de criar o filho. Evidentemente que o caso concreto é que vai nortear a possibilidade de o aborto ser realizado. Não podemos dar um rol taxativo de condições. Ampliamos o aborto legal não só para preservar a vida, mas também a saúde da gestante. A própria ONU diz claramente que o aborto é uma questão de saúde pública e não de tipo penal. Nós, dentro da realidade brasileira, não chegamos a esse entendimento, mas ampliamos a hipótese de aborto. Vai dar discussão? Claro.

Como fica a proposta com relação à eutanásia?

A eutanásia levanta o aspecto da morte piedosa, daquele que mata por compaixão o paciente terminal lúcido. Isto entra no anteprojeto como uma atenuante ao homicídio simples, mas nós deixamos bem claro a eutanásia como um tipo penal. A ortotanásia, que é manter a pessoa viva por métodos totalmente artificiais quando ela não tem a menor condição de sobreviver por mais tempo, entraria como excludente de criminalidade. Sempre, claro, com autorização do paciente e dos seus familiares. Não podemos ser hipócritas. De certa forma, isto já acontece em algumas UTIs e hospitais, principalmente da rede pública, face à falta de leitos. O próprio Conselho Federal de Medicina chegou a regular e teve que recuar. E a descriminalização do uso de drogas tem chance de ser aceita no Congresso, na sua opinião?

A proposta é de descriminalização do uso de drogas para consumo próprio em uma quantidade que, segundo as autoridades sanitárias, seria suficiente para cinco dias. Por outro lado, usar drogas na frente de escolas, na presença de crianças ou de adolescentes será crime. Eu pergunto: onde não há adolescentes hoje em dia? Rua, bar, cinema, teatro, futebol. Então não é uma descriminalização tão ampla.

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O senhor acredita que a descriminalização das drogas deve reduzir a superlotação das prisões?

Não é só a sobrecarga das prisões. Vai evitar que o usuário faça um contato com o traficante na prisão, ali se torne uma vítima e comece a traficar para manter o vício.

Além da sessões abertas, como foram as negociações nos bastidores da comissão?

A comissão era muito variada, formada boa parte por gente jovem. Não foi feita como outras comissões do Ministério da Justiça, que só pegaram figurões, medalhões do Direito Penal. Nós tínhamos juízes, promotores de primeiro grau, advogados jovens. Não fizemos um código teórico, para a academia. Fizemos um código para a realidade do Brasil em desenvolvimento. Um Código para hoje, voltado para o amanhã. Muita coisa a gente negociou, em termos de pena, redução, tamanho da pena. O usuário não poder fumar perto de criança é um exemplo de que nós tivemos que chegar a um bom senso e a um denominador comum. Alguns abrindo mão de suas posições mais drásticas para chegar a um consenso.

Qual a expectativa do senhor em relação à votação do novo código. Será que teremos um novo texto antes do fim do mandato da presidente Dilma?

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Eu acho que no Senado, mesmo em ano eleitoral, eles têm essa intenção. Na Câmara, já é mais difícil. Mas tenho a impressão que no decorrer do ano que vem e com as modificações possíveis no Congresso Nacional, nós tenhamos um novo Código Penal.

Não vai ser um "novo-novo" código depois de passar pelo Congresso, com um texto muito diferente do apresentado pela comissão?

Nós temos um anteprojeto. Evidentemente, que algumas modificações vão ser feitas. Mas eu creio que a quase totalidade do Código, em torno de 90% vai ser aprovado.

Mudando um pouco de assunto, qual a opinião do senhor sobre os atos de "esculacho" contra agentes da ditadura militar, como os que ocorreram em maio, pouco depois de serem nomeados os nomes dos integrantes da Comissão da Verdade?

Quando foi aprovada a Comissão da Verdade começaram a se movimentar todas aquelas entidades, principalmente de familiares de vítimas e desaparecidos, os jornais começaram a pesquisar, principalmente com a Lei de Acesso à Informação, que entrou em vigor no mesmo dia em que foi criada a Comissão da Verdade. É natural que este resgate, esta reconstrução da memória histórica, tenha um revigoramento. Para pessoas que presenciaram ou ouviram falar da repressão, esta questão do esculacho faz parte. Não é aquilo que a Comissão da Verdade quer e até de certa forma prejudica, porque ela não tem função punitiva e muito menos persecutória. Isto pode até atemorizar algumas pessoas que venham a ser chamadas para prestar depoimento. Mas, enfim, faz parte do Estado Democrático de Direito.

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