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 | Bruno Covello/ Gazeta do Povo
| Foto: Bruno Covello/ Gazeta do Povo

O conhecimento do direito aduaneiro é fundamental para consolidar o direito de integração em todas as suas esferas. É o que afirma o jurista argentino Ricardo Xavier Basaldúa, diretor executivo da Academia Internacional de Direito Aduaneiro e árbitro integrante da Solução de Controvérsias no Mercosul, nesta entrevista exclusiva à Gazeta do Povo. Para Basaldúa, o Mercosul contribuiu para a consolidação das democracias dos países envolvidos, mas passa por uma fase de desafios jurídicos principalmente no que envolve as metas de institucionalização e de política macroeconômica. "Deve haver um Mercosul sério, que tenha institucionalidade e que possa, de alguma maneira, ser mais independente de seus presidentes", aponta o jurista que confessa ser um apaixonado pela música e pelas paisagens brasileiras.

Qual a importância de se trabalhar o direito aduaneiro com os operadores do direito?

O direito aduaneiro sempre constituiu recursos importantes para os países. Conhecer o direito aduaneiro é indispensável para entender, por exemplo, os processos de integração, seja o Mercosul, seja a União Europeia ou o Tratado de Livre Comércio Americano. Esse conhecimento é necessário para que haja um direito de integração em todas as suas etapas, desde o mercado comum, que integra os serviços, os capitais e a livre circulação das pessoas. É preciso entender a globalização jurídica através da Organização Mundial de Comércio [OMC] e dos acordos que implicam uma regulação do comércio exterior.

Como o direito aduaneiro pode contribuir não só para o desenvolvimento econômico, mas também social?

O direito aduaneiro estabelece uma organização de comércio exterior e implica restrições à importação, tanto através de proibições econômicas quanto não econômicas. A aduana, ao dificultar ou impedir a importação, está evitando a entrada de objetos ou mercadorias nocivas à saúde, que possam causar problemas de contaminação ou expandir pragas, além de proteger a indústria. O direito aduaneiro está inserido na vida das pessoas e, nesse sentido, a sociedade toda está protegida, pois aplica proibições tanto para a droga quanto para outros elementos nocivos.

Quais os desafios jurídicos e de integração da região do Mercosul?

O Mercosul significou algo muito importante para a paz e a consolidação das democracias na região, mas falta muito a se fazer na questão do direito comercial. O Mercosul foi resultado de um acordo entre dois bons presidentes: [Raúl] Alfonsín e [José] Sarney. Eles fizeram com que Argentina e Brasil passassem do conflito militar para uma hipótese de integração. Isso significou uma mudança extraordinária na relação entre os países. Depois, esse projeto cresceu e abriu suas comportas comerciais. Porém, mais do que o aspecto comercial, há uma série de metas que não se cumpriram dentro da institucionalização e da política macroeconômica. É necessário um diálogo eficaz entre os países para, pelo menos, assegurar a zona de livre comércio, a livre circulação das mercadorias e o avanço de um código aduaneiro do Mercosul. Deve-se seguir apostando, mas deve haver um Mercosul sério, com institucionalidade e mais independente de seus presidentes porque há questões elementares que poderiam ser resolvidas por conselhos de mercado comum.

Brasil e Argentina passaram por ditaduras. Como era atuar, juridicamente falando, na época da ditadura argentina?

Entrei na administração pública em 1966, na direção nacional de impostos, do Ministério da Economia, e trabalhei para os mais diversos governos, mas não gostei de nenhum [risos], nem dos militares, nem dos não militares. Todos me decepcionaram. Mas a direção é técnica e, por isso, não tínhamos tanta pressão e pudemos elaborar o código aduaneiro. Na administração pública, temos que defender os interesses gerais do país e não se pode deixar tomar por partidos ou bandeiras de grupos políticos. Creio que o código aduaneiro, nesse sentido, é um instrumento útil para a Argentina.

Qual sua avaliação sobre o cumprimento do direito aduaneiro na Argentina?

O ordenamento jurídico argentino na matéria aduaneira não se cumpre. Há funcionários que estão aplicando mal ou não aplicam o que têm que aplicar. Existem motivações políticas, mas poderiam atuar mais ortodoxamente e ajustar-se ao que prevê a OMC e o Mercosul. Sou crítico de um ponto de vista técnico e estou a favor do Mercosul e da regulação da OMC e creio que devemos melhorá-la. A OMC constitui uma ordem jurídica a favor dos países em desenvolvimento. É um instrumento útil e, se não sabemos aproveitá-lo e melhorá-lo, se o derrubarmos como instituição, os únicos que vão sofrer são os países em desenvolvimento. A lei é a defesa dos mais débeis, os fortes não necessitam de lei, sou a favor de atuar dentro do direito e melhorar as instituições.

O senhor já esteve no Brasil mais vezes?

Muitas vezes, principalmente na Bahia, veraneando. Em Curitiba estive mais uma vez e gostei muito porque aqui se respeita a questão ecológica. Gosto muito da música brasileira, de Vinicius de Moraes e Gal Costa. Estive no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte, Ouro Preto... Também fui ao Butantã ver as serpentes, um animal muito interessante.

Sente mudanças no comportamento do brasileiro da primeira visita para cá?

Há um crescimento da classe média e somente isso é algo fantástico e que me alegra muito. Isso significa justiça social e possibilidade da sociedade se integrar. O Brasil é um país grande, difícil de governar e há, obviamente, um crescimento desordenado. O crescimento da classe média diante dessas dificuldades revela que os governantes não estão equivocados. Em nosso país parece que a classe média não está crescendo ultimamente.

E quais as diferenças culturais que mais sente entre os países?

Os brasileiros são mais alegres que os argentinos. A alegria e a presença da música. Penso que a música é uma atitude diante da vida. Na Argentina existe o tango, que é algo mais nostálgico. O que gosto no Brasil é a alegria, a abertura, a informalidade. Aqui me chamam de professor Ricardo, por exemplo. Vejo, sobretudo, que os brasileiros estão otimistas com seu futuro, e isso é muito importante. E é uma coisa que, na Argentina, temos perdido frente aos maus governos.

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