"O problema do processo civil brasileiro é o excesso de casos." Essa é a opinião da advogada e professora de Direito da PUC-SP Teresa Arruda Alvim Wambier, relatora da comissão de juristas que elaborou o anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Nesta entrevista para a Gazeta do Povo, concedida durante o Congresso Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (Conpendi), promovido pelo UniCuritiba, Teresa fala dos principais desafios enfrentados pelos juristas na elaboração do anteprojeto e do problema da morosidade na Justiça brasileira. "O problema do processo no Brasil é como o da marginal em São Paulo, que é uma rua larga, sem cruzamento e farol, mas por que não anda? Porque têm carros demais", aponta. Vinda de uma família de juristas, a advogada conta que os filhos seguem o mesmo caminho. "O papo fica meio monótono em casa [risos]", diz.
Quais foram os desafios do anteprojeto de um novo Código de Processo Civil?
O principal desafio foi encontrar uma maneira eficiente de mudar a lei para responder a uma queixa que até um leigo já ouviu: a morosidade do processo. Claro que, se tudo se resolvesse com a lei, seria fácil. A gente criaria uma lei para eliminar a pobreza, outra dizendo que todos têm direito a casa própria, mas as coisas não são assim. Infelizmente. O Brasil é um país de altíssima litigiosidade, o número de processos pendentes é assustador, e é isso que torna o processo moroso. Não adianta fazer o procedimento ficar bem fluido se o juiz mexe no processo hoje e só vai mexer nesse mesmo processo daqui a três anos. O problema do processo civil brasileiro é o excesso de casos.
E o que o anteprojeto traz para melhorar isso?
O alcance dos resultados de uma lei é pequeno. Mas o que se pode fazer? Você pode, por exemplo, criar expedientes que façam com que ações que versam sobre o mesmo problema sejam julgadas juntas. Colocamos no código um instituto chamado incidente de julgamento de demandas repetitivas, que é o regime de julgamento de recursos que versam sobre a mesma matéria no primeiro grau de jurisdição. É uma maneira de gerar coerência no sistema e de racionalizar o trabalho do Judiciário.
Esse anteprojeto criado pela comissão de juristas sofreu alterações em outras comissões posteriormente?
Sim, mas nada muito substancial, a estrutura do projeto foi respeitada. Depois dessa comissão, houve várias reuniões das quais continuei participando. Fiquei honrada de poder acompanhar o desenvolvimento do meu bebê [risos].
Uma das críticas ao projeto é que não há uma referência à informatização da justiça. Não seria o momento de se colocar isso?
O momento sim, mas não as pessoas. Eu, por exemplo, mal sei ligar o computador [risos] e acredito que os componentes das comissões não são experts em informática. Para isso ficar bem feito, teria que haver uma comissão multidisciplinar. Se a gente fosse fazer, provavelmente iria fazer bobagem.
E como ficou a questão do efeito suspensivo da apelação? Quando o projeto foi para a Câmara, isso mudou?
Sim.
A senhora aprovou as mudanças? Como ficou no final?
As decisões liminares estão sujeitas a recursos sem efeito suspensivo. Mas as liminares são proferidas com cognição superficial, ou seja, significa que o juiz não está absolutamente certo, ele só está atendendo à necessidade de proferir rapidamente a decisão. Na sentença, não. O juiz profere a sentença quando tem cognição exauriente, ou seja, tem plena certeza dos direitos das partes e, paradoxalmente, hoje, no nosso sistema, a sentença está sujeita a recursos com efeito suspensivo. O juiz dá a decisão, mas ela não vai poder produzir efeitos até que a apelação seja julgada. Então mudamos isso [o efeito suspensivo na apelação] no anteprojeto por causa das críticas que a doutrina faz e para corrigir essa incongruência.
Essa mudança aceleraria o trâmite dos processos?
Não tem efeito com relação à celeridade. O que acelera os processos é diminuir a carga de trabalho do Judiciário. Sempre falo para os meus alunos que o problema do processo no Brasil é como o da marginal em São Paulo, que é uma rua larga, sem cruzamento e farol, mas por que não anda? Porque têm carros demais. Tirar ou colocar o efeito suspensivo não influi em nada, porque recurso vai ter do mesmo jeito. Mas, então, no que se pensou: a sentença dá uma providência que pode levantar não sei quantos milhões. O autor que recebeu a decisão a seu favor vai correr para levantar o dinheiro se a apelação não tiver o condão que obsta a eficácia da decisão. Então, em um primeiro momento, achou-se que o Brasil ainda não está eticamente maduro para que se crie como regra a apelação sem efeito suspensivo.
E a senhora concorda com isso?
Não sei. Precisaria de um estudo sociológico muito detalhado para responder a essa questão.
A senhora espera que o mesmo Código de Processo Civil que ajudou a construir se mantenha?
As linhas mestras foram mantidas, não se traiu a intenção inicial da comissão. Até porque a comissão nada mais fez do que tentar responder às críticas notórias, a gente não inventou nada. Flagramos o futuro que está embutido no presente.
A senhora já citou que não é necessário só um novo Código de Processo Civil. O que deve ser feito, então, para melhorarmos a nossa Justiça, principalmente na área cível?
O que atrapalha a duração do processo é a quantidade de processos. O que resolveria isso? Que os tribunais inferiores seguissem a jurisprudência dos tribunais superiores. Isso acontece em todos os países com sistema parecido com o nosso. Mas, no Brasil, os tribunais superiores, principalmente o Superior Tribunal de Justiça, não mantêm jurisprudência estável. Então os tribunais inferiores, que deveriam respeitar as decisões dos superiores, não sabem nem o quê obedecer.
Isso tem um pouco a ver com a nossa prática de legislar sobre tudo e deixar a jurisprudência como segunda ou terceira fonte para consulta?
Sinceramente, não consigo entender qual é a causa, porque, se a jurisprudência estiver consolidada, é melhor para os próprios juízes. A jurisprudência tem que mudar quando adapta a regra jurídica às mudanças na sociedade. Mas a adaptação do direito à sociedade é algo que tem que se fazer ao longo do tempo, não toda semana ou todo ano. O código não vai mudar isso.
O Código de Processo Civil vai demorar tanto tempo para ser aprovado quanto foi o Código Civil?
Não sei, mas espero que não demore.
Mas ele ainda é novo?
Ah, claro. Tem quatro anos, está bom ainda. E está sendo mexido.
A senhora é curitibana?
Não, sou paulista. Mas moro aqui. Um terço em Curitiba, um terço no aeroporto, um terço em São Paulo [risos]. No ano passado, a única semana em que não viajei foi entre o Natal e o Ano Novo. Viajo para dar aula, para os escritórios, para congressos...
E qual a cidade de sua preferência?
Para morar não tenho dúvida: Curitiba é um paraíso.
A senhora entrou no Direito como? Influência de alguém?
Meus pais também são professores de processo civil. A família toda: meu pai, minha mãe, meus filhos, meu marido, todo mundo. Mas é bom. O papo fica meio monótono em casa [risos].
Os filhos querem ir para a área de civil também?
Tenho um filho cujo negócio é direito desportivo. O filho mais velho toma conta do nosso escritório em Florianópolis. Meu marido tem uma filha que também fez Direito, e não atua. Mas pela faculdade [de Direito] todo mundo passou.
E, além do Direito, a senhora tem outra paixão?
Minha casa é um zoológico, tenho quatro gatos e três cachorros [risos]. É o meu lazer.
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