Ficha técnica
Natural de: Rio de Janeiro (RJ)
Currículo: mestre e graduado em direito pela Universidade de Brasília (UnB). Graduado em engenharia elétrica pelo Instituto Militar de Engenharia (IME). Ingressou como analista de finanças e controle externo do Tribunal de Contas da União (TCU) em 1992 e é ministro da corte desde 2001.
Leu recentemente: O Desaparecimento de Deus, de Richard Elliott Friedman; e O Tao da Física, de Fritjof Capra
Jurista que admira: Carlos Ayres Britto
Nas horas vagas: corre e pratica exercícios físicos ("Preciso lutar contra a idade")
O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Benjamin Zymler acredita que o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) é uma mudança no processo licitatório que precisa ser adotada pela administração pública brasileira em todas as áreas. Amodernização das licitações também passa pela adoção de Parcerias Público Privadas (PPP) e por medidas que desburocratizem esses processos. Em entrevista ao Justiça&Direito durante participação no IV Congresso Brasileiro de Licitações e Contratos, realizado em Curitiba, Zymler ainda opinou sobre o modo de escolhas dos ministros da corte em que atua.
O senhor concorda com o modo de escolha dos ministros do Tribunal de Contas da União (TCU)?
Acho que a ideia constitucional da arquitetura do TCU é muito interessante, pois busca uma síntese entre experiência política e técnica. Dos nove ministros, seis são indicados pelo Congresso Nacional e três são nomeados pelo presidente: um dentre os auditores do órgão, um dentre os membros do Ministério Público que atuam no tribunal e um de livre escolha. E ainda há quatro ministros substitutos. Isso faz com que, desse universo de 13, haja seis que vieram de concurso público e sete egressos do mundo político. Essa síntese permite que o TCU possa se apropriar da experiência desses escolhidos pelo Congresso, que são ex-governadores, ex-senadores e ex-deputados com experiência administrativa. E também conseguir harmonizar a experiência administrativa com a técnica. Os números poderiam ser diferentes. Gostaria que houvesse mais ministros técnicos, mas a ideia de síntese entre política e técnica é muito bem-vinda.
O TCU vem cumprindo bem sua missão no sistema democrático brasileiro?
O TCU evoluiu muito, teve que enfrentar desafios hercúleos que dizem respeito à latitude das competências criadas na Constituição e nas leis. Talvez não haja no mundo nenhuma entidade fiscalizadora superior com tantas competências quanto o TCU tem. A gente sabe que os recursos são escassos e nosso órgão é relativamente pequeno: temos 2.300 servidores, dos quais só 1.600 são auditores de controle externo. Esses são números pequenos em comparação com qualquer tribunal de contas do mundo. O TCU melhorou muito na sua tarefa de controlar o dinheiro público. Mas nós temos muito a evoluir ainda, nem de longe atingimos um estado que nos dê tranquilidade. Às vezes a gente perde essa perspectiva evolutiva, e eu, com 23 anos de tribunal, posso garantir que hoje o TCU é um órgão de excelência quando comparado com órgãos similares no mundo. Nós temos inclusive destaque no âmbito da International Organization of Supreme Audit Institutions, que é uma associação que reúne tribunais de contas e controladorias do mundo.
A judicialização das decisões dos tribunais de contas é prejudicial?
Não acho que seja prejudicial. Nós nos submetemos ao monopólio jurisdicional, e só o Judiciário pode dar a última palavra. Mas ele tem um enorme respeito pelas decisões do tribunal. Nossas decisões podem ser contrastadas por aspectos formais e processuais, mas no aspecto material raramente o tribunal é contrastado. Se o TCU diz que houve sobrepreço de 30%, dificilmente o juiz vai desdizer isso. Uma condenação pelo tribunal, quanto aos aspectos técnicos-materiais, é quase impossível de ser alterada pelo Judiciário.
O Regime Diferenciado de Contratações (RDC) traz aspectos positivos para a administração pública?
Vejo o RDC como uma evolução em termos de regime de contratação. Ele não tem nada de mais, é a incorporação de práticas que foram bem sucedidas em outros países e no Brasil. Muita coisa era aplicada no âmbito da Lei 8.666/93, mas não era explicitada. Praticava-se contrato de eficiência e remuneração variável nas entrelinhas. O RDC explicitou aquilo que já vinha sendo utilizado com sucesso. Não inventou a roda. Tanto que o resulto prático já pode ser inferido no DNIT e na Infraero, que foram os balões de ensaio no governo federal. As contratações são muito mais rápidas e por preços mais vantajosos. Há garantia de que a vantagem da proposta vencedora vai ser mantida durante toda a execução do contrato. É uma questão de tempo para que o RDC se torne um regime aplicável a toda e qualquer licitação no Brasil.
A Lei 8.666/93 precisa ser alterada?
Sim. A Lei 8.666/93 é muito criticada, mas é uma excelente lei, tanto que dura de 93 até hoje. No âmbito do direito administrativo, isso não é muito comum. As qualidades da lei se confundem com seus defeitos. A grande virtude foi que ela criou um processo de licitação, ou seja, uma relação jurídica dinâmica em que há oportunidade para licitantes e cidadãos impugnarem atos administrativos. Isso foi a democratização da licitação, e é sua maior virtude e seu maior defeito. Os processos são lentos, demorados e há excesso de burocratização, o que leva a licitações muito longas. O RDC ataca esse aspecto e diminui a possibilidade de procrastinação do procedimento licitatório.
A criação das Parcerias Público-Privadas (PPPs) foi comemorada, mas não é utilizada. Por que isso ocorreu?
No plano federal, temos só uma ou duas PPPs. Em outros estados, a PPP tem sido aplicada com muito sucesso. Em São Paulo, há um processo muito bem sucedido. A PPP exige estudos de viabilidade técnica e econômica muito aprimorados. A concessão patrocinada deve ser utilizada quando há um serviço público que não é sustentável economicamente. Deve haver contraprestação pecuniária, além da tarifa paga pelos usuários, para garantir que o parceiro tenha a amortização e a remuneração do capital. Isso exige um estudo muito preciso e detalhado para saber se o serviço público é economicamente atrativo e quanto de prestação pecuniária é devido pelo Estado. Não temos uma cultura de planejamento na administração pública, o que leva à falta de estudos que indiquem se tal situação deva ser tratada por meio de uma PPP. Existe ainda a concessão administrativa, também prevista na lei das PPPs, que é muito mais afinada com os entes estaduais e municipais, é muito mais simples e é utilizada com sucesso.
O TCU é conhecido pela população?
Ainda não é suficientemente conhecido. Toda semana decisões do TCU são objeto da mídia e isso faz com que nossa atuação seja divulgada e noticiada pela sociedade. Há uma enorme deficiência inclusive por parte da imprensa que cobre o tribunal. É difícil haver um repórter especializado nas matérias do TCU. As decisões do tribunal são caleidoscópios, trabalham com direito, contabilidade, engenharia. Há uma enorme dificuldade do TCU em vender seu peixe. O TCU não tem uma linguagem adequada para fazer chegar aos jornalistas sínteses das decisões que tomamos. Temos investido nisso, mas esse é um ponto de reflexão do tribunal: fazer o TCU ser conhecido pelas ações do tribunal, e não só pela cobertura midiática.
Os administradores tendem a se preocupar mais em respeitar decretos e resoluções do que a Constituição?
Esse é um ponto muito relevante, que é a inversão da pirâmide jurídica na prática administrativa. A grande verdade é que isso diz respeito à qualificação dos servidores. A atividade de gestor na administração é de elevadíssimo risco: são inúmeras leis, decretos, portarias, regulamentos, há uma jurisprudência que oscila. É mais seguro para o gestor seguir a instrução normativa como se fosse a Bíblia porque essa é a segurança dele, pois o tribunal não vai poder puni-lo porque ele adotou exatamente o que dizia a instrução. Há uma proliferação enorme de regulamentos pelo Brasil, em grande medida para fazer frente à imprecisão das leis. Mas esses regulamentos, muitas vezes, são ilegais e inconstitucionais. Não é vocação natural do TCU declarar a ilegalidade ou a inconstitucionalidade de decretos, mas ele tem essa competência e nos casos concretos muitas vezes afastamos a aplicação dos decretos. Isso mostra como o TCU tenta incentivar ao gestor uma leitura do direito mais ampla, mais atrelada à hierarquia constitucional.
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