Ficha técnica
Natural de: Natal (RN)
Currículo: Livre docente pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutor em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pela UFPE. Mestre em sociologia pela UFPE
Jurista que admira: Rui Barbosa
Leu recentemente: Pequena História da Ditadura Brasileira, de José Paulo Netto
Nas horas vagas: frequenta livrarias diariamente, viaja e assiste futebol
Curiosidade: já foi vice-presidente do Sport Clube Recife
Uma reforma ampla da Constituição Federal não está nos planos do professor de direito constitucional da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Ivo Dantas. Segundo ele, o texto atual não precisa passar por grandes mudanças nem precisa haver uma nova constituinte para a criação de uma nova constituição, como alguns setores da sociedade desejam. Isso não impede que ele faça críticas a alguns aspectos do nosso sistema, como o controle de constitucionalidade e a repercussão geral. Em entrevista concedida ao Justiça & Direito durante evento no Unicuritiba, o docente também comentou sobre aspectos da Justiça do Trabalho, área em que atuou como juiz por muitos anos.
É necessário fazer grandes reformas na Constituição Federal?
A minha posição é exatamente a contrária. Não é preciso fazer uma reforma ou uma revisão da Constituição. O que falta é vontade política para torná-la efetiva. Se você hoje faz uma reforma, significa que volta ao estado zero. Hoje já há os pontos da Constituição que precisariam de leis para regulamentá-los, essas leis já existem, não há por que mover tudo para voltar ao ponto zero. Não é necessário criar um novo modelo constitucional, pois o que está aí é muito bom. O que falta é vontade política. Não significa dizer que é perfeito. Afinal de contas, é obra do homem. É possível que haja pontos que precisem ser alterados, não estou dizendo que não haja. Mas não com a força e o envolvimento emocional que estão querendo fazer.
Existe um movimento que defende um plebiscito para uma constituinte exclusiva. O senhor concorda com essa possibilidade?
É inconstitucional. Hoje o plebiscito está previsto na Constituição, mas não com essa finalidade. O único plebiscito para revisão constitucional aconteceu em 1993. Fazer outro para reforma da Constituição, como eles querem, é mudar o papel do Estado previsto na Constituição, é retirar direitos individuais e colocar tudo em razão da propriedade, do senhor de engenho, do poderoso patrão, que é quem apoia as campanhas políticas. São os bancos, as grandes construtoras. Fazer uma reforma para implantar um Estado neoliberal no Brasil é acabar com todas as vitórias democráticas que se conseguiram ao longo dos tempos, o que é um absurdo.
O nosso sistema de controle de constitucionalidade funciona?
Participei de uma conferência em Bogotá, na qual havia uma moça que assistia da primeira fila. No final, ela veio e me disse que estudou os sistemas alemão, colombiano e brasileiro e ficou encantada com o sistema do Brasil. Eu disse que realmente é o mais completo, teoricamente é o melhor do mundo. Só que na prática não está funcionando. O STF tem feito coisas que não estão previstas na Constituição, como a questão da pertinência temática e as limitações ao direito adquirido. O STF fez interpretação do caráter vinculatório quando não estava previsto na Constituição, até que houve uma reforma do que incluiu. O STF deturpou o sistema de controle de constitucionalidade no Brasil.
E a questão da repercussão geral?
Fui dos primeiros a escrever sobre repercussão geral no Brasil. Me parece que o que eles chamam de repercussão geral é um óbice econômico-financeiro. Quando começou a se discutir a liberação do FGTS, por exemplo, depois da conversão de celetista para estatutário, houve ações esporádicas, mas depois se percebeu que havia uma repercussão ampla. Fizeram tudo que podiam fazer para acabar com a possibilidade de liberação, mas era tarde demais. Hoje se quer fazer uma relação de repercussão geral sem conceituar o que é a repercussão geral. O STF tem uma lista com os temas, mas não é uma definição do que é a repercussão. O STF não disse o que é esse instituto, mas enumerou dezenas de temas que têm repercussão.
O senhor acredita que a súmula vinculante foi um bom instituto para o nosso ordenamento jurídico?
O sistema de súmula vinculante tem aspectos positivos e negativos. Não estamos ainda em um momento em que caiba a súmula tal como está sendo feito. Está ocorrendo de maneira precipitada, como na questão da prisão por algemas. O texto legal diz prisões repetidas, mas nesse caso foi apenas uma decisão. Isso tirou a capacidade dos juízes e dos tribunais de raciocinarem e de criarem interpretações novas. Toda vez que se contraria o interesse de determinadas categorias, cria-se a súmula vinculante.
O mandado de injunção é um instrumento adequado?
Digo há tempos que a decisão do mandado de injunção deveria ser criar norma com efeitos inter partes. Hoje o STF admite isso. Tempos atrás, em uma greve da Polícia Federal, consegui liminar em Recife para que não se descontassem os dias parados. Conseguimos pelo Brasil todo. Até que o Supremo se lembrou de que havia uma ação impedindo a regulamentação do mandado de injunção. Coincidentemente, tiraram da gaveta essa ação e julgaram, dizendo que ele não poderia ser aplicado porque não estava regulamentado. Hoje, o que foi feito com a greve, aplicando a lei geral a uma situação especial dos servidores públicos, foi exatamente o que defendi.
A medida provisória tem cumprido o papel que se espera dela?
A medida provisória, eu já escrevi, é pior do que o decreto-lei. Muito pior, porque havia previsão das matérias para as quais o decreto-lei era cabível. Hoje basta urgência e relevância. São critérios que ficam por conta do Poder Executivo. Depois disso passou a ser possível análise pelo Congresso e, por fim, o STF se considerou capaz de dizer se há urgência ou relevância. Se eu disser que 99,99% das MPs não têm urgência nem relevância, você vai me perguntar se eu estou doido. Já foi editada medida provisória sobre servidor público, com conteúdos que deveriam ser abordados em emenda constitucional. A medida dizia o que a Constituição não falava, restringia o que a Constituição não restringe.
O senhor foi juiz do trabalho. É um ramo da justiça eficiente?
O grande problema da Justiça do Trabalho é que ela é o maior advogado do empregador. O que é preciso na Justiça do Trabalho é um sistema mais conciso de recursos, uma melhor preparação de alguns juízes do trabalho que ficam presos apenas à legislação trabalhista. Para julgar na Justiça do Trabalho, é preciso conhecer direito administrativo, constitucional, e isso ainda não está na visão de muitos colegas.
A legislação não é muito benéfica ao trabalhador?
Não tem nada disso. Se o empresário não age corretamente, a legislação tem que pegar pelo pé.
Como o senhor vê o ensino jurídico?
Péssimo, porque a remuneração do professor hoje é horrível. Estamos perdendo grandes valores que deveriam estar no magistério e estão se deslocando para atividades privadas. O currículo da graduação está defasado e alguns cursos de pós-graduação estão desmoralizados. A Capes hoje exige demais do professor sem levar em conta as condições que ele tem para responder a essas demandas. Quando foi criado o ensino jurídico no país, a lei dizia que o lente [docente] ganharia igual ao desembargador de alçada. Um tribunal hoje paga a um desembargador mais de R$ 20 mil, e um professor titular de 40 horas não ganha R$ 8 mil. Me aposentei da Justiça do Trabalho para me dedicar só ao magistério, porque é o que gosto de fazer. Não há dinheiro que pague.
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