Ficha Técnica
Natural de: Rio de Janeiro (RJ)
Currículo: Bacharel em direito pela atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi secretário de Justiça do Rio de Janeiro, procurador geral da defensoria pública do Rio de Janeiro e conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).
Jurista que admira: Aníbal Bruno
Está lendo: História Universal da Eloquência, de Hélio Sodré
Nas horas vagas: anda de bicicleta elétrica
O advogado criminalista Técio Lins e Silva vem de uma família que já possui um expoente do direito: seu tio Evandro Lins e Silva foi ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) na década de 60 até ser aposentado pela ditadura militar. Foi nesse período que Técio começou a atuar, defendendo em Brasília presos políticos. Ele acredita que o STM foi um lugar possível para que os advogados pudessem lutar pelo respeito aos direitos fundamentais de seus clientes. Em entrevista por telefone ao Justiça & Direito, o atual presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) ainda comentou sobre os projetos de alteração do Código Penal e da Lei de Execução Penal, de cujas elaborações participou.
Como o senhor avalia da sua gestão, até agora, como presidente do IAB? Eu não consigo deixar de ser ufanista e vaidoso ao dizer que nós estamos realizando um grande sonho de modernização, de contemporaneidade. Modernizar uma instituição centenária, que tem 171 anos e é a mais antiga instituição jurídica das Américas soa como algo que poderia desvirtualizar essa tradição, mas não é isso. É trazer valores novos, é oxigenar para dar fôlego a outros 170 anos de existência. O IAB nasceu no Império em 1843 e, uma vez criada a OAB em 1930 como entidade de classe para fiscalização e organização da categoria, ele retornou à sua vocação de ser a academia da advocacia, contribuindo para a atividade legislativa nacional. O IAB tinha nos seus primórdios essa vocação, o imperador se valia do instituto para construir o ordenamento jurídico. O Código Comercial, que é de 1850 e ainda tem trechos em vigor, foi elaborado no IAB. Queremos aprimorar essa tradição: há um conjunto de leis em tramitação que vai dar uma nova cara da ordem jurídica nacional e creio que o IAB está preparado para esse desafio, nós vamos trabalhar pesado com as comissões desses anteprojetos. É uma atividade prazerosa, porque nós não temos a responsabilidade da disciplina da profissão. Só temos a responsabilidade de afiar o pensamento jurídico e atualizá-lo.
Qual ação do IAB o senhor destacaria?
Estamos realizando um dos maiores projetos para a memória do país, que é o convênio com o Superior Tribunal Militar (STM) para digitalizar os processos lá arquivados desde 1808. É a mais antiga corte de justiça no Brasil, e há processos desde a Guerra do Paraguai até o período do regime militar, com um volume precioso de informações. Esse volume fantástico de processos soma mais de 20 milhões de folhas de papel que o IAB se comprometeu a digitalizar para que esse material esteja à disposição do público. Assim o Brasil pode conhecer e ter acesso à sua memória judiciária, que conta uma parte importante da história brasileira.
Como foi sua atuação no período da ditadura militar?
A advocacia, como a cidadania, era difícil de ser exercida nas trevas da ditadura. Um grupo pequeno de advogados enfrentou a ditadura nos tribunais, defendendo os presos políticos de todas as matizes. O STM passou a exercer o papel de garantidor da ordem democrática, do pouco que existia na ditadura brasileira. Ouvi de um ministro oficial que general não tem medo de general. Era uma corte que não tinha medo do poder, ali estavam os principais dirigentes responsáveis pelo golpe de 1964. Ernesto Geisel foi ministro do STM antes de ser presidente da República. Mesmo com o habeas corpus suspenso, os advogados requeriam providências em relação a sequestros, desaparecimentos, prisões realizadas à noite por agentes disfarçados com nomes falsos e carros com placas frias. Nós denunciávamos e pedíamos a apuração desse constrangimento ilegal, que era recebido como representação e não chamávamos de habeas corpus. Isso permitiu que os presos políticos ao menos sobrevivessem.
Havia conflito entre o STM e o governo militar? A maior prova de que o STM concedeu habeas corpus e trancou ações penais por falta de justa causa e inépcia da denúncia é que o AI-5 suspendeu a sua concessão, de tanto que ele foi utilizado. O próprio poder dominante se indispôs com a corte militar e retirou dela a competência para habeas corpus. O STM não se submeteu de maneira covarde à ditadura militar, e a advocacia pôde ser exercida. Atuei em centenas de processos nesses 20 anos, e esse pensamento é unânime entre os advogados sobreviventes. O advogado era recebido por todos os ministros do STM. Não havia dificuldade para entregar um memorial. Era acessível aos advogados que lá militavam. Coisa que nos tribunais brasileiros hoje não é tão fácil. Ser recebido por um ministro de cortes superiores ou até por um juiz não é fácil. Mesmo com ameaças e clima de tensão, era possível exercer a advocacia naquela época.
O que o senhor pensa sobre o projeto do novo Código Penal? Esse projeto em andamento no Senado não tem nada a ver com o anteprojeto que a comissão de juristas elaborou. A modificação é tão gigantesca, tão profunda, que o anteprojeto foi emasculado, perdeu todas suas características. Não era um projeto liberal, mas tinha avanços importantes que foram retirados de maneira cirúrgica e restou um projeto encarcerador que não atende à realidade brasileira e que, se fosse aprovado nos termos que está posto, levaria ao caos do sistema penitenciário brasileiro. É um projeto duríssimo. Se no anteprojeto eu já tinha ficado vencido em algumas questões, agora nego a paternidade de maneira absoluta. Esse projeto não tem nada a ver comigo, com meu esforço.
E as mudanças na Lei de Execução Penal? O projeto da nova LEP não muda na essência a generosidade da LEP, que é excelente e lamentavelmente não foi cumprida. Eu brinquei na comissão: podemos apresentar um projeto de reforma com um único artigo: cumpra-se a atual LEP e revoguem-se todas as disposições em contrário. A lei é muito boa e não foi cumprida. Mantivemos os mesmos institutos e demos uma atualizada, sem mudança na estrutura.
O senhor foi chefe da Defensoria Pública do Rio de Janeiro nos anos 80. Como enxerga essa instituição hoje? O Paraná e Santa Catarina foram os últimos estados a se curvarem a essa necessidade histórica e democrática, que é permitir o acesso à justiça. Uma instituição que ampara os hipossuficientes, quem não tem condições de contratar um advogado particular para ter acesso à justiça. A defensoria é a instituição mais democrática do direito, promove a defesa e o acesso dos necessitados à justiça. Me orgulho de, antes de 1988, ter proposto na Constituição Estadual do Rio de Janeiro o modelo que viria a ser adotado um ano depois pela Constituição Federal. É uma instituição indispensável à cidadania. Oxalá a democracia cresça a ponto de diminuir as injustiças e, enquanto isso não acontece, a justiça tem que ter olhos para os necessitados. Quem efetiva isso é o defensor público, que é remunerado pelo Estado e pode acionar até mesmo o Estado. Chefiei a defensoria pública e foi a minha melhor experiência na vida pública. Passeis três anos na função e posso dizer que a defensoria do RJ é uma das mais bem estruturadas do Brasil.
O senhor tem atuado em julgamento de crimes de trânsito. Eles recebem o tratamento adequado? Essa questão é tão controvertida que a comissão de juristas, para acabar com a discussão se é dolo eventual ou não, se vai a júri ou não, criou uma culpa gravíssima para atender a situação de lesão no trânsito. É para quando o motorista age de maneira que hoje se discute se é dolo eventual. É uma discussão ininteligível para o cidadão que é jurado. Saber se o acusado quis ou não quis assumir o risco é uma diferença muito difícil para o jurista e mais ainda para o cidadão comum. A culpa gravíssima permite que o processo seja mantido com o juiz togado e o réu pode ser responsabilizado.
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