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 | Fotos: Jonathan Campos/Gazeta do Povo
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A história crítica do direito pode mostrar que o universo jurídico brasileiro é resultado de outros tantos resultados possíveis no processo histórico. É o que aponta Ricardo Marcelo Fonseca, diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professor de História do Direito. No dia 13 de fevereiro, Fonseca participou de um seminário na Universidade Macerata, na Itália, no qual debateu, com outros cinco professores italianos, seu livro "Introdução Teórica a História do Direito", publicado em 2009 e traduzido para o espanhol em 2012. Além de contar os resultados do debate inédito, na medida em que envolve a discussão de uma obra brasileira, nesta entrevista ao caderno Justiça & Direito, o professor aponta aspectos específicos da história do direito brasileiro e os desafios do trabalho como diretor do curso de Direito da UFPR.

Como foi a discussão do seu livro com os professores italianos? Qual a importância de eventos como esse para a evolução do meio jurídico brasileiro?

Participaram do encontro cinco professores de universidades italianas diferentes – Macerata, Florença, La Tuscia, Catania e Ferrara. O resultado do debate será publicado no próximo número do periódico "Quaderni Fiorentini per la storia del pensiero giuridico moderno" e também saiu o projeto de tradução do livro para o italiano. [O debate] foi fantástico porque, às vezes, ter cinco leitores com esse grau de profundidade vale muito mais do que ter uma edição inteira vendida. A apreciação valoriza a obra e também estabelece um diálogo crítico. O livro foi escrito para o ambiente acadêmico brasileiro e ver como isso é recebido em outro ambiente é bastante interessante.

Como o direito brasileiro pode conversar com o direito europeu?

Embora tenhamos um ambiente jurídico peculiar, é inegável que nos formamos olhando o direito europeu. Hoje, no século 21, os diálogos e transplantes culturais são necessários para o viver acadêmico e jurídico. Mas também é necessário encontrar interlocutores que estejam dispostos a fazer esse diálogo de maneira horizontal. Assim fazendo, a academia jurídica brasileira só tem a ganhar, inclusive incorporando à sua própria racionalidade universitária algumas práticas que nos fazem crescer.

Na sua obra, o senhor se preocupa em mostrar que, além de compreender e explicar, a historiografia também deve saber relativizar e desmistificar o direito. Qual o desafio para os profissionais nesse sentido?

A tradição acadêmica do direito vai no sentido de demonstrar que o direito – e particularmente as categorias – é intrínseco à própria natureza humana. Nesse sentido, a história do direito com perfil e vocação crítica é capaz de demonstrar que todo esse artefato normativo e conceitual é contingente e resultado de outros tantos resultados possíveis do processo histórico jurídico. Nos leva à percepção da precariedade das próprias soluções jurídicas, ou seja, de que elas não estão inscritas em um processo histórico progressivo e natural, mas em um processo histórico contextual complexo que deriva de muitas possibilidades, às vezes até acidentais. Tudo isso contribui para que compreendamos o presente de modo mais sólido e estejamos aptos a oferecer alternativas para o futuro do direito.

Já é possível fazer uma comparação entre o direito do século 21 e o do século 20?

Alguma comparação é possível, mas não um balanço definitivo. O direito do século 21 começa com uma mitigação da centralidade soberana do Estado na produção jurídica em vários níveis. Cada vez menos há lugar para um legalismo estrito no ambiente jurídico e a centralidade das constituições na interpretação do direito. Toda carga axiológica que vem junto com isso faz com que o papel do intérprete do direito comece a aumentar de importância na mesma medida em que a grande centralidade do legislador vai diminuindo. Isso dá um novo alento e importância para a chamada "ciência" do direito.

Em que sentido o jurista da pós-modernidade é diferente do jurista moderno?

Existe uma frase do Montesquieu, filósofo iluminista do final do século 18, que diz: a partir de agora, o juiz tem de ser apenas a boca inanimada da lei. Essa frase marca o início de um período histórico muito radical no qual os juízes e os professores tinham apenas que comentar o texto legislativo. Era um papel pequeno e passivo, sobretudo se comparado ao período histórico anterior. Essa mudança no perfil do mundo do direito demonstra um novo protagonismo porque, em um ambiente jurídico complexo como o nosso, o jurista tem de ter também um papel complexo e central.

E, nesse contexto, qual o papel do historiador do direito nos dias de hoje?

É o papel de demonstrar ao jurista do direito positivo a precariedade e a relatividade de muitas das funções e, com isso, abrir horizontes. Um grande historiador do direito contemporâneo, o professor Paolo Grossi, fala que o papel do historiador do direito é o de ser a consciência crítica dos juristas do direito positivo. Esse é um desafio para o ambiente jurídico. Hoje, a história do direito está desenvolvendo um papel bastante relevante e tem estabelecido um diálogo frutífero com as disciplinas teóricas e aplicadas.

A Faculdade de Direito da UFPR é conhecida por valorizar as disciplinas propedêuticas. Qual a importância dessa diferenciação na formação dos profissionais?

Não há diferenças radicais de carga horária entre as disciplinas teóricas na UFPR e em outras faculdades, e também nos caracterizamos pela excelência nas matérias aplicadas. O diferencial é que as disciplinas teóricas são levadas muito a sério e fazemos um grande esforço para que o nosso estudante tenha uma formação completa. Tentamos demonstrar como o conhecimento prático do direito tem de estar intersectado com uma dimensão acadêmica irreflexiva. É uma missão de formação do estudante e de formação intelectual como jurista.

Quais os desafios enfrentados no cotidiano da diretoria?

Sinto o peso da responsabilidade porque há 100 anos estamos formando juristas, e já passaram por aqui algumas das personalidades mais importantes da cultura e da política paranaense. É um lugar de referência e, na comemoração do centenário, senti como isso era forte. Levar nossa boa tradição adiante é um desafio. Precisamente agora o desafio é manter e incrementar o nosso grau de excelência, multiplicando os canais de internacionalização. É preciso também lidar com os desafios que decorrem de termos uma tradição centenária. Sermos uma faculdade secular faz com que o peso da tradição, às vezes, segure a necessidade de mudança, e é preciso ter consciência de pertencer a uma tradição que nos orgulha, mas, ao mesmo tempo, não se afundar e se satisfazer com ela.

Agora vou fazer uma pergunta mais pessoal: na ocasião do seminário na Itália, o senhor passou um tempo na Europa. Quais os países visitados e o que fazia nas horas vagas?

Essa é uma pergunta bem pessoal mesmo [risos]. Fui para a França para acompanhar minha esposa, que foi fazer um estudo, e minha missão era muito mais doméstica: eu cuidava da casa e das crianças para que ela pudesse estudar. Não vou reclamar de ter ficado todo esse tempo na Europa, mas foi um período em que a diversão foi menor. A melhor parte foi poder ter passado mais tempo com as crianças, o que não consigo fazer normalmente. Nesse período, também fomos para a Itália, onde fiz alguns contatos acadêmicos e participei do seminário em Macerata.

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