Ficha técnica
Naturalidade: Curitiba
Currículo: desde 2000, é juiz federal em Maringá; foi finalista do prêmio Jabuti com o livro Direito Ambiental (Editora Forense); mestre em Ciências Jurídico-Econômicas pela Faculdade de Direito de Lisboa
Juristas que o inspiram: Fernando Araújo (Portugal), José Luís Saldanha Sanches (Portugal), Marco Aurelio Greco (Brasil), Paulo Affonso Leme Machado
O que está lendo: Chief Justice: A Biography of Earl Warren, de Ed Cray
Nas horas vagas: brinca com os filhos e joga futebol
A instalação do Tribunal Regional Federal (TRF) do Paraná é uma das principais bandeiras da Associação Paranaense dos Juízes Federais (Apajufe) e defendida pelo presidente da entidade, o juiz Anderson Furlan. Recentemente reconduzido ao cargo para o mandato de 2014-2015, Furlan vai procurar utilizar a experiência do outro mandato em que esteve à frente da entidade, entre 2010 e 2012. O juiz fez uma visita à Redação da Gazeta do Povo nesta semana e concedeu uma entrevista na qual defende direitos dos juízes previstos na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) e também analisou o desempenho do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que completa uma década neste ano.
Quais os principais desafios nessa nova gestão à frente da Apajufe?
A principal vantagem de ter sido reconduzido é que tenho a oportunidade de tentar acertar o que eu errei e tentar melhorar o que a gestão anterior acertou. Nós poderemos lutar de uma forma ainda mais efetiva para a concretização do Tribunal Regional Federal no Paraná e temos várias demandas no Congresso Nacional, vamos ter de trabalhar para valorizar a magistratura.
A magistratura não é valorizada na sua opinião?
Não temos uma carreira que seja atrativa para recolher da sociedade os melhores quadros, o que é ruim para o cidadão, que não vai ser julgado pelos melhores. Imagine que você vai ser julgado por uma pessoa que não está preocupada em estudar, em se aperfeiçoar, para julgar seu caso, mas que simplesmente vai ficar na magistratura até aparecer um concurso melhor, como o do Ministério Público, o da Polícia Federal, o de procurador, o de advogado público.
Quais as medidas em vista para a valorização da magistratura?
Temos no Congresso Nacional tramitando a valorização pelo tempo na magistratura, por exemplo. Hoje um ministro do Supremo com 30 anos de carreira ganha um pouco a mais que um juiz que acabou de entrar. Nós perdemos o significado de carreira. Com a aprovação do regime de subsídio, em 2005 ou 2006, a magistratura passou a ganhar parcela única. Só que o que parecia ser algo muito bom se revelou algo muito ruim, porque os subsídios não foram corrigidos, como está determinado pela Constituição. As outras carreiras resolveram seus problemas por meio de verbas indenizatórias, que assumem nesse guarda-chuva variados nomes, como auxílio-moradia, auxílio-livro, auxílio-saúde, direção do foro.
Aqui no Paraná recentemente foi aprovado o auxílio-moradia para os juízes estaduais. Existem movimentos nesse sentido para os juízes federais?
Existem. E nós vamos lutar para aprová-los por uma razão muito simples: não queremos criar direitos que não existem. Queremos que aqueles direitos que já existem sejam concretizados. Esse auxíliomoradia está especificamente previsto na Lei Orgânica da Magistratura. Se a população não concorda, é preciso ser feita uma lei que revogue a lei que prevê esse direito. Agora, o que não pode nem para o juiz nem para nenhum brasileiro, é ter um direito e esse direito não ser concretizado. Um cidadão tem um direito e, se esse direito não é concretizado, ele pode recorrer ao Judiciário, e o Judiciário vai reconhecer o direito dele. Agora, por que os juízes, que têm uma lei que prevê um direito e que não têm o subsídio corrigido há tantos anos, não podemos ir atrás? O que todo mundo precisa entender é que a magistratura também tem direitos.
Mas a Constituição não prevê unicamente o subsídio?
A Constituição prevê que ele será remunerado em parcela única à exceção de parcelas indenizatórias previstas em lei. E o auxílio-moradia assim como a direção do foro são verbas indenizatórias previstas em lei, a Lei Orgânica da Magistratura. Segundo ela, o juiz terá direito ao auxílio-moradia quando o Estado não lhe prover uma moradia oficial. Mas por que o juiz tem que ter essa moradia? Isso se compõe num rol de benefícios para atrair pessoas para essa carreira, porque o Estado achou importante que houvesse atrativos para tirar as pessoas da iniciativa privada e elas fossem incorporadas ao serviço público. Qualquer juiz hoje, se sair da magistratura e for trabalhar em um escritório grande, vai ganhar muito mais do que como juiz. E aí quem vai acabar se tornando juízes são pessoas que talvez não estudaram tanto.
Mas aí não entraria a questão da vocação?
Olha, o juiz não pode ser sócio ou gerente de uma empresa, o juiz não pode dar aula em dois lugares, o juiz não pode ser síndico de condomínio para pagar menos. O juiz só pode ser juiz e professor. Pois bem, quando uma pessoa resolve ingressar na magistratura, ela segue a sua vocação, segue o seu desejo de fazer justiça, de fazer um país mais justo. Só que, quando ele opta por isso, ele levou em consideração o seguinte: quais são as garantias que essa carreira lhe dá, porque ele tem aquilo como vocação, mas também pensa naquilo como profissão. E a carreira tem uma série de leis que preveem certos benefícios. Ele faz uma opção: vou deixar de ganhar mais na iniciativa privada, mas vou servir o público, vou servir minha vocação.
Existe uma expectativa sobre como será o julgamento do mérito da adin contra a instalação dos novos TRFs?
A situação da Emenda Constitucional 73 é inusitada. E falo como dirigente associativo. Ela é inusitada porque, antes da aprovação, o presidente do STF enviou diversos ofícios, fez reuniões com o presidente da Câmara dos Deputados, pedindo para que a emenda não fosse votada. Depois de 12 anos de tramitação, ela foi aprovada. E uma associação desconhecida [Associação Nacional dos Procuradores Federais Apaf] alegou que a criação de novos tribunais afetaria muito a estrutura deles, porque teriam de construir novas sedes, fazer concursos. E o ministro do STF deu uma decisão liminar com várias laudas poucas horas depois de ter sido ajuizada a ação, reconhecendo a aparência de legitimidade da associação e deferindo a liminar para suspender a eficácia da Emenda 73. Isso prova que devemos reavaliar o arcabouço constitucional brasileiro no sentido de que apenas uma pessoa possa rever uma decisão do Congresso. Temos que pensar se esse é o melhor sistema para o país.
O senhor acha que hoje há interesses que estão evitando que essa questão vá ao plenário do STF?
Isso eu não saberia dizer, mas acredito que é uma discussão que deve ser analisada sob o ponto de vista jurídico, não é mais político. A emenda foi aprovada de acordo com seus trâmites regulares, então por que ela não deveria entrar em vigor? Uma questão que está por trás disso: se o Supremo reconhecer, como a decisão do ministro presidente do Supremo deixou entender, que haveria, embora não prevista na Constituição, uma reserva de iniciativa de projeto de lei do Judiciário para criar seus órgãos, ele estará admitindo que o CNJ é inconstitucional, porque o CNJ foi criado por uma emenda constitucional de iniciativa parlamentar. Ele estará admitindo que os tribunais de alçada não poderiam ter sido extintos, porque eles foram extintos por uma emenda constitucional de iniciativa parlamentar. Ou seja, ele vai ter de contrariar dezenas de anos de uma jurisprudência sólida.
O CNJ vai completar 10 anos de criação. Como o senhor avalia essa década?
Eu olho positivamente. É inegável que o CNJ trouxe avanços para a Justiça brasileira, melhorou a fiscalização, esboçou um planejamento estratégico, editou resoluções que visaram a aprimorar a prestação jurisdicional, reconheceu direitos da magistratura, impediu que tribunais cometessem abusos contra magistrados.
Esse modelo é bom?
Essa avaliação global é positiva. Poderia ter sido melhor? Poderia. Mas o CNJ peca pela falta de estabilidade das suas políticas públicas. Na minha opinião, não na opinião dos juízes federais do Paraná, talvez os mandatos pudessem ser maiores para que políticas iniciadas em uma gestão continuassem nas outras. Falta uma estabilidade maior das iniciativas do CNJ que possam ultrapassar as gestões. Não pode a cada nova gestão o presidente do CNJ querer reinventar as políticas aplicadas ao Judiciário.
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