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Não perca na próxima semana entrevista com Erasmo Valadão, professor da USP, crítico da criação de um novo Código Comercial.
O advogado curitibano Alfredo de Assis Gonçalves Neto acredita que não há a necessidade de se criar um novo Código Comercial no Brasil, mesmo assim ele assumiu a vice-presidência da comissão de juristas que irá elaborar um anteprojeto de novo código, formalizada no início de junho pelo presidente do Senado, Renan Calheiros. "Há necessidade de se fazer uma alteração na legislação para que ela se adeque às disposições do código atual e à realidade econômica do país", aponta. Nesta entrevista concedida por telefone à Gazeta do Povo, o ex-professor da Universidade Federal do Paraná comenta os principais temas a serem abordados pelo anteprojeto e avalia que, se o código for enxuto, será aprovado com mais facilidade. "A matéria empresarial mexe com muita gente e, na hora em que as coisas começam a aflorar, todo mundo vai querer botar o dedo para tentar melhorar ou puxar a brasa para a sua sardinha", diz.
Por que é importante criar um novo Código Comercial?
Há um movimento de vários juristas para que a matéria de direito comercial seja mais bem regulada no Brasil porque, quando ela saiu do antigo Código Comercial de 1850 e foi incorporada ao Código Civil de 2002 na parte de direito comercial terrestre, deixou de lado uma porção de normas e princípios que eram importantes para sua compreensão e aplicação. Acontece que, ao lado do movimento que procura aperfeiçoar as regras que já estão no Código Civil, há outro movimento que procura criar um novo Código Comercial. Pessoalmente, acredito que não deve haver um Código Comercial novo, mas há necessidade de se fazer uma alteração na legislação para que ela se adeque às disposições do código atual e à realidade econômica do país. Evidentemente vou fazer meu trabalho na comissão que será objeto ou não de promulgação como Código Comercial ou como legislação empresarial geral.
Quais seriam os grandes temas a serem tratados por esse código?
O antigo Código Comercial é do período imperial e não está totalmente revogado, porque a parte de direito marítimo ainda continua em vigor. Sem falar nas questões que estão mal colocadas no Código Civil, diria que temos hoje várias matérias que precisariam ser reguladas de maneira sistemática. Temos, por exemplo, uma série de contratos disponíveis com a função de estabelecer regras para as empresas tratarem de negócios entre si. Esses contratos estão a reclamar uma teoria geral para que se definam algumas situações que lhe são peculiares. Exemplo: quando você cria um vínculo duradouro entre duas empresas, muitas vezes uma delas fica sob dependência econômica da outra. Então é preciso que haja uma disposição para dar equilíbrio jurídico a esse desequilíbrio econômico. O Código Civil de 2002 é muito pobre na regulação dos inúmeros contratos interempresariais comuns.
Outra crítica da legislação do Código Civil é o excesso de burocratização na parte da legislação de sociedades limitadas. O novo Código Comercial busca alterar algumas dessas disposições?
Sim. No que diz respeito às sociedades de modo geral, a matéria do Código Civil deixa muito a desejar. Primeiro porque criou uma distinção de sociedades, mas todas exercem atividades econômicas. A proposta é unificar a matéria societária, eliminar a sociedade simples para dar opções típicas de direito empresarial e instituir um registro único para qualquer sociedade. Ao mesmo tempo, no que diz respeito à sociedade limitada, estamos entrando em uma fase de alteração do que está mal legislado. Deveria, primeiramente, haver uma modificação dos tipos societários e regras específicas sobre a sociedade limitada retratando a realidade do mercado. Até o Código Civil de 2002, não houve nenhuma reivindicação por parte do empresariado para que se estabelecessem quóruns e maiorias diferenciadas para as deliberações de matéria societária. No Código Civil de 2002 estabeleceram-se mais de 20 maiorias para a sociedade limitada, e, hoje, o empresário tem de ter uma tabelinha para poder verificar qual deliberação precisa ser adotada, com quantas pessoas, com quanta participação de capital e assim por diante, o que é um absurdo. A questão das operações de concentração e desconcentração empresarial e a cisão de sociedades também precisam ser reorganizadas.
Há críticas sobre a questão da identificação do empresário nesse novo código...
Isso pode dar margem a muitas discussões, pois a atividade intelectual é uma matéria estranha ao direito comercial. Um médico, por exemplo, atua de acordo com as necessidades do paciente, não como um sistema de mercadoria. Então, por depender de inspiração e da força de intelecto, a atividade intelectual é desorganizada por natureza e precisaria de uma regulação. Talvez houvesse necessidade dessa distinção, principalmente para as chamadas sociedades uniprofissionais. É uma preocupação que a gente tem e estamos vendo a melhor maneira de resolver. Mas, sobre a questão da quantidade, acho que as pessoas que têm falado a respeito estão equivocadas. Imagine uma sociedade de médicos que começa pequena, mas, passado um tempo, aumenta o volume de atendimento e, só por isso, vai ter de mudar sua roupagem? Há uma dificuldade de se saber o instante em que isso deve ocorrer. A lei jamais conduz a essa interpretação nem o anteprojeto está cogitando essa hipótese.
E como o anteprojeto trata do comércio eletrônico?
Essa parte do comércio eletrônico está prevista, mas eu ainda não estudei a matéria. Já temos um esboço elaborado por um jurista, mas ele está trabalhando em uma subcomissão e ainda não trouxe os resultados. É importante dizer que estamos dando muito atenção para o comércio eletrônico que é uma novidade que ficou de fora do Código Civil. Ainda há uma série de discussões que não se assentaram, mas estão sendo discutidas pela comissão para se encontrar o melhor caminho. Há, inclusive, duas matérias que querem inserir no código: a do direito marítimo, sobre a qual já recebemos contribuição de pessoas da área; e do agronegócio.
E agora como funciona? A comissão tem quanto tempo para fazer esse anteprojeto e como isso segue?
A rigor, temos até dia 11 de novembro para concluir o anteprojeto com reuniões semanais e plenárias a cada 15 dias. Acho muito difícil que a comissão conclua seus trabalhos até lá, mas pode haver uma prorrogação de igual período ou podemos apresentar o que deu para fazer e deixar para o presidente do Senado a transformação desse trabalho em projeto de lei. O interessante a observar é que talvez seja uma das únicas ocasiões em que a matéria está sendo discutida nas duas Casas. Também há um projeto apresentado pelo Ministério da Justiça na Câmara dos Deputados. Esses dois projetos podem se encontrar em algum momento e terão de ser harmonizados.
Qual a sua expetativa sobre esse processo? Imagina que vá demorar tanto tempo quanto o Código Civil para entrar em vigor?
Devo começar dizendo que não tenho o dom da adivinhação [risos]. A demora em aprovar o Código Civil nos deixou uma lição: quanto mais matérias tiverem, mais discussão terá e mais demorada será a possibilidade de aprovação. Imagino que, se o Código Comercial abranger muita coisa nem a comissão terá condições de elaborar o anteprojeto até a data final. Se conseguir, imagine as forças que vão se debater em torno de questiúnculas. A matéria empresarial mexe com muita gente e, na hora em que as coisas começam a aflorar, todo mundo vai querer botar o dedo para tentar melhorar ou puxar a brasa para a sua sardinha. Se for um código enxuto, que possa estabelecer princípios e deixar questões que mudam com mais facilidade para a legislação especial, haverá um tempo mais breve para aprová-lo e creio que teremos menos discussões a respeito dos temas.
O senhor também já atuou como professor, não é? Qual das áreas prefere?
Sim, até 2009. Atuei na universidade durante 32 anos e foi muito útil, mas parei porque acho que a pessoa deve saber o momento de parar. Eu já não tinha disposição de estar lá todo dia e, hoje, minha atividade profissional exige minha presença constante no escritório e tenho necessidade de dispor de tempo para viagens. Se você me perguntasse se eu voltaria a dar aula, eu diria que não porque não tenho a menor condição de pensar nisso. A vida muda, essa é a posição atual e estou me sentido muito bem nela.
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