• Carregando...

A legislação brasileira, no que concerne às atividades de navegação na internet e, mais especificamente, à proteção dos dados que circulam em ambiente eletrônico, ainda é rasa e incipiente. Não há ainda lei que se dedique integralmente a esse assunto, o que torna a resolução de conflitos que envolvem direitos sobre dados que circulam na rede mundial uma difícil tarefa para os magistrados brasileiros, que fundamentam a maioria das suas decisões apenas em regramentos constitucionais.

Tramita no Congresso, porém, Projeto de Lei dedicado a esse tema (PL 2126/2011), comumente chamado de marco civil da internet, elaborado após intenso processo de consulta pública conduzido pelo Ministério da Justiça. O objetivo desse projeto de lei é traduzir determinados princípios constitucionais hoje usados para o tratamento jurídico de questões relativas a informações na internet, de forma a proteger os usuários e fomentar a inovação, o desenvolvimento e a ampliação do acesso à rede.

O assunto, já em destaque nas notícias há algum tempo, ganhou novo fôlego com as denúncias de que o governo norte-americano, por meio de sua Agência de Segurança Nacional, teria tido acesso a informações confidenciais na internet relativas a outros países, empresas estrangeiras e até governantes, dentre os quais a presidente Dilma Rousseff.

O sigilo de comunicações em ambiente eletrônico é questão já costumeiramente abordada pelos juízes e tribunais brasileiros, que fundamentam sua proteção principalmente no princípio constitucional da inviolabilidade das correspondências, das comunicações telegráficas de dados e das comunicações telefônicas (artigo 5º, inciso XII). A proteção constitucional da intimidade e da vida privada, inscrita no inciso X do art. 5º da Constituição Federal, também fundamenta algumas decisões que garantem o sigilo de informações pessoais fornecidas aos provedores de acesso e conteúdo, assim como prestadores de serviços em geral na internet.

É intensa a discussão doutrinária sobre o alcance dos incisos X e XII do artigo 5º da Constituição Federal às possíveis violações da intimidade e da correspondência que o uso da internet traz. Os tribunais, no entanto, têm preferido adotar uma postura pragmática e fixam o entendimento, cada vez mais comum, de que a violação ao sigilo de dados em ambiente eletrônico de fato constitui infração a esses dispositivos constitucionais, equiparando a violação da privacidade de informações na internet à violação da privacidade fora do meio eletrônico.

Nesse contexto, o PL 2126/2011 traz dispositivo expresso que confirma os princípios constitucionais de preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem e sua aplicação a registros de conexão e de acesso na internet.

Outra preocupação do legislador no projeto de lei foi fixar o prazo de um ano para a guarda, em sigilo, de registros de conexão por parte dos administradores de sistemas. Tais registros podem ser revelados mediante ordem judicial, e a autoridade policial poderá, cautelarmente, determinar que sejam guardados por prazo superior ao de um ano.

Interessante notar que o PL 2126/2011 também traz diversos dispositivos gerais, com garantias e princípios para o uso da internet no Brasil. Entre tais princípios, destacam-se a intenção do legislador em impedir a discriminação de usuários e conteúdos na internet, garantir o acesso universal de qualidade à rede, a clareza na prestação de serviços de conexão e a liberdade de expressão e comunicação na internet.

Muito embora sejam dotados de pouca ou nenhuma coercibilidade – o que, na prática, traz poucas mudanças ao consumidor de provedores de internet –, é certo que tais princípios gerais enunciam regras norteadoras para o fornecimento de serviços de conexão e uso da internet no Brasil e ajudarão os tribunais a fixar seus entendimentos sobre questões até hoje controversas.

A segurança e o sigilo de informações em meio eletrônico é questão de grande importância num momento em que as empresas brasileiras de comércio eletrônico estão começando a entender que seus cadastros de clientes podem constituir ativos de grande valor, passível de negociação com parceiros comerciais. Com efeito, já são comuns as reclamações de consumidores que têm seus dados cadastrais transferidos a terceiros sem seu consentimento expresso, e as ações judiciais que tratam de tais conflitos, hoje, ainda são julgadas por disposições específicas do Código de Defesa do Consumidor. Também pode-se apontar a Lei 9.296/96, que regula a interceptação de comunicações telefônicas e eletrônicas para fins de instrução processual criminal, como um importante diploma legal que já trata do sigilo de informações em meio eletrônico – principalmente em seu artigo 10, que tipifica como crime a interceptação não autorizada de comunicações telefônicas de informática e telemática. O fato, no entanto, é que, de forma geral, o texto legal proposto como marco civil da internet, se aprovado, representará uma legislação avançada se comparada às já existentes em outros países, com a vantagem adicional de trazer um tratamento legal não mais criminal ao tema.

Alguns autores destacam que uma lei para regular o uso da internet no Brasil seria desnecessária, em vista dos princípios constitucionais que, na prática, já norteiam a maioria dos entendimentos dos tribunais. Entretanto não se pode negar que uma lei específica sobre o tema trará mais segurança e certeza aos julgamentos.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]