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Violência de gênero também virou debate

Muitas das condutas praticadas ou descritas por Julien Blanc em seus vídeos se enquadram como crimes contra a dignidade sexual. "Outros atos podem não ser atos tipificados, mas toda atitude que desrespeita a mulher constitui uma violência", explica a presidente da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero da OAB-PR, Sandra Lia Bazzo Barwinski. Para ela, o próprio ato de se referir ao criador como guru da sedução ou instrutor de paquera já é um desrespeito com as mulheres. "Não há como se falar em paquera quando não há consentimento", resume Sandra.

Os tratados internacionais também apontam para a tomada de medidas para a resolução dessa questão. O Brasil é signatário da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, na sigla em inglês) e da Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher (Convenção de Belém do Pará). Esses tratados contêm disposições que atribuem como dever do Estado agir com zelo para prevenir a violência contra a mulher.

A população tem dado apoio à petição e se mostrado mais aberta para discutir essas questões. "Basta assistir aos vídeos que ele protagoniza para perceber o quanto ele é violento e prega coisas negativas", defende a artista plástica Marina Bitten, que foi uma das autoras da petição na internet que pedia a proibição da entrada do suíço no Brasil.

A tentativa agora é ampliar o debate e alcançar espaços em que as ofensas a mulheres ainda seguem incólumes. "Xinga-se a mãe do juiz com nomes ofensivos, que afetam todo o gênero feminino e não há qualquer reação da sociedade", explica Sandra.

Julien se manifestou

Em entrevista à rede de tevê norte-americana CNN na segunda-feira passada, Julien Blanc pediu desculpas por ter ofendido alguém com o que ensina em suas palestras. Segundo ele, seus cursos pretendem ensinar aos homens confiança para se relacionar com as mulheres. Ele declarou que não se sente feliz sendo "o homem mais odiado do mundo".

Sandra Lia Bazzo Barwinski entende que esse posicionamento é egocentrista, uma vez que as críticas não eram contra o indivíduo. "Não é contra o Julien Blanc que houve a mobilização, mas contra seus atos e falas que evocam a cultura do estupro", comenta a advogada.

Histórico

Outros países se mobilizaram

Julien Blanc teve que sair da Austrália, onde ministrava cursos, depois de pressão popular por meio desses abaixo-assinados virtuais. Seu visto australiano foi revogado no dia 6 de novembro. Há no site de petições virtuais change.org pedidos do Canadá e da Grã Bretanha para que o suíço não entre em seus países – essa última já passou de 150 mil assinaturas. Há petições também que pedem para que hotéis não hospedem mais conferências do grupo do qual Blanc faz parte, o Real Social Dynamics (RSD), e que sites que hospedem o conteúdo o retirem do ar, por consistirem em conteúdos ameaçadores e obscenos.

No mesmo site, há um abaixo-assinado que critica a censura imposta a Blanc. "É uma perseguição injusta contra um homem que já ajudou milhares de homens pelo mundo a lidarem com aspectos da sua vida", diz o texto. Os criadores, com apoio de 2.800 pessoas até o fechamento da reportagem, defendem que Blanc não ensina assédio sexual ou qualquer violência.

Uma mobilização popular na internet, na semana passada, conseguiu que o governo brasileiro, em poucos dias, impedisse a entrada no país do suíço radicado nos Estados Unidos Julien Blanc, que se autointitula "instrutor de técnicas que ensinariam homens a conquistar mulheres". A negativa de que o rapaz pudesse vir ao Brasil, no entanto, abriu um debate sobre o modo de entrada dos estrangeiros, em que é preciso ponderar o poder dos Estados e eventuais excessos cometidos.

O Brasil, como qualquer Estado soberano, possui a liberdade de conceder ou não vistos para estrangeiros. "É um ato discricionário, ou seja, cabe ao país ponderar sobre a conveniência e a oportunidade de conceder o visto", explica o professor de direito internacional da PUCPR, Luis Alexandre Carta Winter.

O visto consular, que é aquele concedido ao estrangeiro em consulado brasileiro fora do país, gera apenas uma expectativa de direito e nunca um direito adquirido para adentrar no país. É no momento do desembarque que o Estado faz o controle de quem entra no país ou não. O caráter soberano desse ato impede que sejam tomadas quaisquer medidas por Blanc para reformar essa decisão.

O Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6815/80) prevê em seu artigo 7º alguns motivos pelos quais o Brasil não concederá visto. Entre eles, está a hipótese de o estrangeiro ser nocivo à ordem pública ou aos interesses nacionais. É por essa razão que os defensores da vedação acreditam que as atitudes de Blanc justificam a não concessão do visto. "Se fosse um terrorista, não haveria que se esperar a prática de um ato para negar a entrada no país. Uma violência aos direitos da mulher não pode ser menosprezada", argumenta a presidente da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero da OAB-PR, Sandra Lia Bazzo Barwinski.

A advogada diz isso pelo fato de Blanc já ter defendido que, "se você é um homem branco, pode fazer o que quiser", durante uma aula sobre como se relacionar com mulheres asiáticas. As afirmações e o comportamento do suíço já fizeram com que ele fosse deportado da Austrália. Além disso, já existem petições para impedir sua entrada no Canadá e no Reino Unido.

Riscos

O professor de direito penal da Universidade Positivo Rui Carlos Dissenha aponta, contudo, alguns riscos que a proibição de esse estrangeiro ingressar no Brasil traria. Os valores escolhidos para serem protegidos podem, segundo ele, originar uma tendência de que fatores políticos predominem na decisão. "É perigoso que vire uma regra impedir que a pessoa entre no território nacional. Do contrário, pessoas que venham fazer manifestações políticas também seriam barradas quando contrariassem interesses do Estado", explica. A liberdade de expressão pode ter sido ferida, reconhece o professor, porque Blanc não chegou a falar aqui no território e só há expectativa do que ele poderia vir a fazer com base nos vídeos de outras palestras de Blanc pelo mundo.

A autora da petição na internet que iniciou a discussão, a artista plástica Marina Bitten, reconhece que a proibição da vinda de Blanc é uma censura, porque acredita que a liberdade de expressão não abrange manifestações como as dele. "Ele foi mesmo censurado, porque esse discurso não pode circular", enfatiza.

Caso Julien Blanc entrasse no Brasil e praticasse algum ato ofensivo, seria possível que ocorresse sua expulsão. Esse mecanismo é previsto no Estatuto do Estrangeiro e permite, além de outros motivos elencados na lei, que seja expulso do território nacional quem se torne nocivo à conveniência ou aos interesses nacionais. A decisão pela expulsão cabe apenas ao presidente da República e é discricionária.

Espanha

Em 2008, um embate diplomático surgiu entre Brasil e Espanha pelo alto número de brasileiros que eram impedidos de entrar no país europeu. Segundo o governo espanhol, sua imigração passou a agir com mais rigor nos documentos exigidos para a entrada e o número de brasileiros saltou: no aeroporto de Madrid, a quantidade saltou de 20 barrados em agosto de 2006 para 450 mensais em março de 2008. Como resposta diplomática a essa atitude, o Brasil começou a tratar os espanhois que querem entrar no Brasil da mesma maneira, fazendo aplicação do princípio da reciprocidade.

Agenda no Brasil

Julien Blanc viria ao Brasil em janeiro de 2015 para palestras no Rio de Janeiro e em Florianópolis. A petição para proibir sua entrada foi criada pelo coletivo Nua Rua na segunda-feira da semana passada, dia 10, e, até o fechamento desta edição, contava com cerca de 392 mil assinaturas. A ideia surgiu quando o grupo feminista pesquisou na internet sobre o suíço e descobriu que ele viria ao Brasil. "Já fazemos muitas ações e quisemos escolher outro alvo para [lutar contra] a cultura do estupro", explica uma das organizadoras, a artista plástica e ativista feminista Marina Bitten.

O documento deveria ser entregue a representantes da Polícia Federal e do Itamaraty, mas seu objetivo já foi alcançado. Na quinta-feira, dia 13, o Ministério das Relações Exteriores determinou às embaixadas e consulados do exterior a consultar Brasília sobre eventual pedido de visto de Blanc. "Já existem elementos suficientes que recomendam a denegação. Para tanto, o Itamaraty acompanha o assunto em coordenação com o Ministério da Justiça e a Secretaria de Políticas para as Mulheres", esclareceu o órgão por meio de nota encaminhada pela assessoria de imprensa.

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