Há relativamente poucas páginas do Tratado de Direito Privado dedicadas ao dever de indenizar. Porém, como é comum na obra de Pontes de Miranda, o autor não só diz muito em pouco espaço como também está à frente de seu tempo.
A afirmação pode ser comprovada por meio da análise de um acórdão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que aborda o nexo de causalidade.
Trata-se de pedido de indenização ajuizado por pescadores contra concessionária responsável por usina hidrelétrica. O pedido não havia sido acolhido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) por falta de prova inequívoca da relação de causalidade entre a construção da usina e o alegado dano (isto é, a redução do volume de pescado no rio). Os desembargadores paulistas afirmaram que a diminuição do número de peixes poderia ser produto de inúmeras causas (a poluição, a pesca predatória etc), de modo que a construção da usina poderia ser completamente indiferente ao resultado danoso.
O acórdão, entretanto, foi reformado pelo STJ.
O relator, Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, entendeu que os autores da ação indenizatória não precisariam provar de maneira cabal o nexo de causalidade entre a construção da usina e o prejuízo à pesca. Como vem se mostrando comum na jurisprudência estrangeira (francesa e suíça, principalmente), o STJ admitiu que a relação de causa e efeito pode se limitar à esfera do provável, ainda mais quando as afirmações dos autores correspondem a um "esquema típico", isto é, uma narrativa verossímil a partir do que se vê no dia-a-dia (art. 335, do Código de Processo Civil). Fica transferido à outra parte o ônus de provar que não deu causa ao dano.
A análise do nexo causal em matizes de probabilidade, complementada pelas regras da experiência comum, pode ser novidade para a jurisprudência, mas não para Pontes de Miranda. No tomo 22 do Tratado, o autor já era categórico: "A causação entre fato e dano é probabilística. Não se há de pensar em determinismo absoluto entre o fato e o dano", diz Pontes de Miranda.
Trata-se de precedente importante, no direito material, para uma avaliação do elemento "nexo de causalidade" como pressuposto ao dever de indenizar e, também, no direito processual, para a teoria da prova.
O julgado comunica-se com uma teorização ponteana a respeito da probabilidade na avaliação do nexo de causaldade que somente seria desenvolvida no pensamento jurídico nacional ao final do século XX e, especialmente, no século XXI.