A empregado público que exerce atividade típica de servidor público estatutário, em flagrante desvio de função para regime jurídico distinto, não é devido o pagamento de diferenças salariais a que alude a Orientação Jurisprudencial n.º 125 da SBDI-I, sob pena de haver aumento de vencimentos ou provimento de cargo público pela via transversa, ou seja, sem a prévia aprovação em concurso público específico (art. 37, II e XIII, da CF). Com esse entendimento, a SBDI-I, por maioria, conheceu dos embargos por má aplicação da Orientação Jurisprudencial n.º 125 da SBDII e, no mérito, deu-lhes provimento para restabelecer a decisão do Regional. Vencidos os Ministros João Oreste Dalazen, Lelio Bentes Corrêa, Augusto César Leite de Carvalho, José Roberto Freire Pimenta e Delaíde Miranda Arantes. Na espécie, a reclamante era empregada do SERPRO, contratada em 1979 para o cargo de auxiliar, tendo exercido as funções de Técnico do Tesouro Nacional ao prestar serviços na Secretaria da Receita Federal. TST-E-ED-RR-3800-54.2002.5.02.0432, SBDI-I, rel. Min. Ives Gandra da Silva Martins Filho, 22.3.2012.

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Análise

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Fez-se justiça?

Configura-se o desvio de função na hipótese de o trabalhador que, admitido para executar determinadas atividades, passa a desempenhar outras, alheias ao cargo assinalado no pacto laboral. Diferenças salariais podem despontar de referida circunstância quando o desvio conduzir o empregado à assunção de maiores responsabilidades e ao exercício de atribuições mais complexas, que demandem contraprestações pecuniárias mais elevadas.

O princípio da inalterabilidade lesiva do contrato de trabalho (artigo 468 da Consolidação das Leis do Trabalho), combinado com os princípios da boa-fé e da confiança negocial (artigo 422 do Código Civil), denotam que, ao incrementar as funções de um empregado sem pagar-lhe a legítima contraprestação, o empregador excede manifestamente os fins econômicos e sociais de seu empreendimento, incidindo em ato ilícito (artigo 186 do Código Civil).

A abstenção do pagamento das diferenças salariais importa, ainda, enriquecimento sem causa (artigo 884 do Código Civil) por parte do empregador, haja vista o caráter comutativo e sinalagmático do contrato de trabalho, que, uma vez celebrado, impõe reciprocidade obrigacional entre as partes.

No aresto em análise, proferido pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-I) do Tribunal Superior do Trabalho (TST), restou reconhecido o desvio funcional arguido pela reclamante, mas afastada a aplicabilidade da Orientação Jurisprudencial (OJ) 125 da SBDI-1 e indeferido o pleito de pagamento das correspondentes diferenças salariais.

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Trata-se de empregada pública, auxiliar do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), sujeita às normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que passou a desempenhar atribuições mais complexas e de maior responsabilidade, afetas às funções de servidor estatutário, subordinado a regime jurídico distinto (técnico do Tesouro Nacional na Secretaria da Receita Federal).

Entendeu a maioria dos doutos ministros pela aplicação do artigo 37, II, da Constituição Federal, segundo o qual "a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos (...)"

Ponderado considerar, entretanto, que, ainda que se mostre inviável o enquadramento funcional da parte autora como servidora estatutária sem o correspondente concurso de provas e títulos, as empresas públicas, como é o caso da empregadora (Serpro), estão sujeitas ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis e trabalhistas (artigo 173, § 1º, II, da Constituição Federal).

O próprio TST, ademais, manteve o texto da OJ nº. 383, da SBDI-1, a fim de reiterar o princípio da isonomia e assegurar o direito de empregados terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pela administração pública, ainda que inviável o reconhecimento do vínculo empregatício.

Há, no caso em tela, um incontroverso ato ilícito para o qual se obsta a correspondente reparação, assegurada pelo artigo 5º, V, da Constituição Federal e pelo artigo 927 do Código Civil, uma vez afastada a aplicabilidade do princípio da isonomia e do regime jurídico próprio das empresas privadas.

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Vem à baila o questionamento: fez-se justiça?

Maíra Marques da Fonseca, professora de Direito do Trabalho no curso de Direito da UniBrasil