Ementa
AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE USUCAPIÃO COLETIVO AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DA PROPRIEDADE E NÃO CRÉDITOS DE TERCEIROS PARA COM O FALIDO PRESCRIÇÃO AQUISITIVA QUE NÃO SE SUSPENDE COM A FALÊNCIA - REQUISITOS DO ART. 10º DO ESTATUTO DA CIDADE ATENDIDOS POSSIBILIDADE FAMÍLIAS QUE FIXARAM MORADIA HÁ MAIS DE 05 ANOS POSSE ININTERRUPTA E SEM OPOSIÇÃO FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE ATENDIDA RECURSO IMPROVIDO. Apelação Cível nº 917511-7
Análise
A decisão acerta ao confirmar a procedência da usucapião
Recente decisão do Tribunal de Justiça do Paraná, ao julgar o recurso de apelação cível nº 917511-7, oposto contra sentença que reconheceu a usucapião especial urbana em imóvel de massa falida, confirmou o entendimento a quo, privilegiando em sua fundamentação o princípio constitucional da função social da propriedade, o direito fundamental à moradia e os instrumentos do Estatuto da Cidade, em detrimento da imprescritibilidade de bens da massa falida.
Ao reafirmar jurisprudência dominante de que bem de massa falida pode ser usucapido, o tribunal considerou que os ocupantes deram destinação social ao imóvel e que a retirada das famílias resultaria em grave violação à dignidade humana. Conforme a decisão, pessoas carentes que ocupam imóvel que descumpre a função social, como no caso, o terreno ocupado estava sem destinação real dada pelo proprietário, possuem amparo constitucional para usucapi-lo.
Como consequência, e por entender cumpridos os requisitos da usucapião especial, a decisão comentada conferiu efetividade ao marco regulatório dos direitos humanos, compreendendo a proteção do direito à moradia através dos instrumentos constitucionais confirmados pela legislação inferior, no caso, a usucapião especial urbana coletiva, prevista na Constituição e regulamentada pelo Estatuto da Cidade. Como ponderou o relator: "A Constituição Federal, dentre seus objetivos, busca a redução das desigualdades sociais. Sem opor-se a garantia do direito de propriedade, não mais vigora o absolutismo de tal direito, dando amparo à socialização e à equitativa distribuição dos bens. Nesta esteira, o direito de propriedade subordina-se ao interesse coletivo, batizado de função social".
A concretização do direito à moradia nos marcos da função social da propriedade e do instrumento constitucional da usucapião urbana faz dessa decisão jurisprudência inédita no estado, a merecer amplo destaque e replicação pelo acertado posicionamento favorável à efetivação dos direitos humanos.
Julia Ávila Franzoni, mestre em Direito do Estado, é professora de Teoria do Direito e Prática Jurídica em Direitos Humanos, e advogada da Organização de Direitos Humanos Terra de Direitos.