• Carregando...

O artigo 71 do Código Penal caracteriza a continuidade delitiva quando, diante da pluralidade de ações ou omissões típicas de igual espécie – assim entendidas aquelas realizadas em semelhantes condições de tempo, lugar e modo de execução –, é possível representar a existência de uma unidade na prática do tipo de injusto, de modo que o(s) fato(s) típico(s) posterior(es) possa(m) ser interpretados, no eixo da diacronia, como continuação lógica do primeiro.

Depende, portanto, de uma avaliação subjetiva que, a partir de indicadores objetivos, é capaz de reconstruir a prática de diferentes condutas típicas como componentes de um projeto mais amplo, no que se revela coerente com a dogmática penal redefinida pelo finalismo.

Regida pelo princípio da exasperação – que ao invés de simplesmente somar as penas dos crimes atribuídos ao autor ou partícipe aumenta a do mais grave, de um sexto a dois terços – trata-se de uma hipótese menos rigorosa de imputação, afim ao Direito Penal da Constituição, isto é, ao Direito Penal mínimo.

Seguindo esta orientação democrática, a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça que admitiu a relação de continuidade entre os tipos do artigo 337-A e 168-A, do Código Penal, é digna de elogio.

O voto que fundamenta o acórdão, de lavra do ministro Sebastião Reis Júnior, rejeita com propriedade o Recurso Especial interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, que tinha por propósito reverter o posicionamento do Tribunal de Justiça local e atribuir os dois crimes a título de concurso material, nos termos do artigo 69 do Código Penal, o que significaria uma pena consideravelmente maior, em atenção ao mais austero princípio da cumulação.

Trata-se, sem dúvida, de um passo adiante na limitação da criminalização da sonegação previdenciária, que precisa ser valorizado e que deve servir de parâmetro para a jurisprudência futura.

Mas é pouco, todavia, diante do objetivo mais geral de impedir que o sistema de justiça criminal se transforme em instrumento para coleta de tributos, o que implica, em última análise, em uma forma invertida de extorsão, na qual o Estado utiliza a ameaça de reclusão para cobrar aquilo que impõe a seus cidadãos.

Maurício Stegemann Dieter, doutor, professor de Direito Penal do UniCuritiba

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]