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Saiba quais os principais tópicos previstos pela lei anticorrupção empresarial:
A lei se aplica a empresas, fundações ou associações brasileiras, ou entidades estrangeiras que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro.
Pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente. Isso significa que as empresas responderão pelos atos de seus funcionários, o que levará a um maior controle interno das atividades.
A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de dirigentes ou administradores.
A responsabilidade da pessoa jurídica persiste nos casos de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária.
A lei tipifica como crimes prometer ou dar vantagem a agente público; financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos; fraudar ou prejudicar licitações e contratos públicos.
As empresas podem ser multadas no valor de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo.
Caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto, a multa será de R$ 6.000 a R$ 60 milhões.
As empresas podem perder bens, ter suas atividades suspensas ou até ser dissolvidas. A lei, no entanto, não deixa claro em que casos essas punições seriam aplicadas.
A lei institui o Acordo de Leniência. As empresas que contribuírem com as investigações poderão ter a multa reduzida em até 2/3. O acordo, porém, não exime a pessoa jurídica de reparar os danos.
As infrações previstas prescrevem em cinco anos.
Uma lei que entrou em vigor no dia 29 de janeiro promete mexer onde mais dói para empresários envolvidos em atos de corrupção com o poder público: o bolso. Considerada muito rígida por alguns, a lei 12.846, conhecida como lei anticorrupção empresarial, prevê a responsabilização objetiva de pessoas jurídicas, multa de até R$ 60 milhões e até a dissolução da empresa em caso de reincidência. Para especialistas, o projeto, aprovado em julho do ano passado pelo Senado, deverá inaugurar uma nova era de responsabilidades para o empresariado nacional.
A lei se aplica a empresas, fundações, associações ou sociedades estrangeiras que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro. Entre os atos lesivos previstos estão: oferecer ou dar vantagem indevida a funcionário público; uso de "laranjas"; fraude em licitações, incluindo acordos prévios com concorrentes ou tentativas de prejudicar o andamento da concorrência; e dificultar as investigações. O texto ainda institui o acordo de leniência, para pessoas jurídicas que colaborarem com as investigações e os processos administrativos.
Para especialistas, com o rigor da lei a tendência é que os tribunais acabem "moderando" seus efeitos. "A tendência é a jurisprudência aplicar a lei com mais moderação, adequando os seus termos aos princípios e às garantias constitucionais", afirma o advogado Francisco Zardo, mestre em Direito do Estado e especialista em Direito Administrativo. "A gravidade das penas é incompatível com a responsabilização objetiva e os efeitos colaterais dela podem ser muito graves. Embora a lei diga que há essa responsabilidade, os tribunais acabarão modulando isso à luz de cada caso concreto", aposta. Zardo vê um avanço em relação à tipificação dos crimes. "Esse ponto é um avanço, porque confere segurança jurídica."
Privatização
Para o advogado criminalista Francisco Monteiro Rocha Júnior, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico (IBDPE), a lei representa um momento de "privatização" da luta contra a corrupção. "Até agora as armas eram voltadas contra o funcionário público, agora estão se voltando contra as empresas", afirma. "A lei segue a lógica internacional, os Estados Unidos têm uma lei desde a década de 1970, a lei inglesa é de 2010 e vários países europeus têm suas leis."
Rocha Júnior não considera a legislação muito rígida, mas avalia que pode causar certa insegurança. "A lei não define como será o processo administrativo, como vai ser o rito, qual o processo, como será o direito à defesa. Isso foi mal desenhado, deixa as coisas meio no ar."
Apesar da indefinição, o advogado considera positivo o fato de o texto instituir a responsabilidade objetiva. "Hoje vemos um movimento no Direito Penal, de se discutir como fica a responsabilidade criminal de grandes conglomerados, onde tem gente que manda e não faz e tem que gente que faz e não manda", avalia. "No julgamento do mensalão já houve a discussão sobre o domínio do fato. Se uma empresa polui um rio, quem determinou a ordem? Era tudo muito abstrato, a lei mostra que a empresa tem que ser responsabilizada."
Mudanças vão exigir nova cultura administrativa
A entrada em vigor da lei anticorrupção empresarial vai obrigar as empresas brasileiras a adotarem novas medidas de segurança e controle interno. Segundo Fernando Fleider, sócio da ICTS, empresa especializada em consultoria e serviços em gestão de riscos de negócios, o Brasil ainda fica atrás de outros países quando o assunto é segurança. "Acompanho o mercado e não existem pesquisas comparativas. O que chega mais perto são os relatórios da Transparência Internacional, e o Brasil não está muito bem situado", afirma. "Via de regra, é um pouco da característica brasileira conviver com o risco como parte do negócio. Na verdade, o risco é evitável."
Fleider divide as empresas brasileiras em dois grupos: as que trabalham corretamente, mas que ainda não adotaram os controles necessários, e as que trabalham de maneira errada. "Para as primeiras, é como a história da mulher de César: não basta ser honesta, é preciso parecer honesta. Já as empresas que têm por tradição não trabalhar de maneira correta terão de começar a se preocupar de fato."
Especialista em Direito do Trabalho no ramo empresarial, a advogada Mariana Schmidt avalia que a nova lei terá efeitos na esfera trabalhista. "Para se prevenir, a empresa terá de dispor de algumas ferramentas. Se comprovada existência de controles e de uma conduta ética, poderá diminuir sua responsabilidade", diz. "O empregado terá de ser alvo dessa mudança, o manual de conduta ética vai fazer parte do contrato de trabalho."
A partir disso, as empresas terão de tomar cuidado para não ultrapassarem os limites da vida pessoal de seus funcionários. "As políticas tendem a ser rígidas e as empresas precisarão ter cuidados para não ultrapassar os limites do que é vida pessoal e corporativa, de modo a não gerar indenizações na Justiça do Trabalho. As empresas terão de procurar profissionais qualificados e conscientizar seus funcionários", afirma Mariana Schmidt. "Acredito que a responsabilização objetiva seja excessiva, porém necessária para que se crie uma cultura empresarial diferenciada."
O advogado Francisco Monteiro Rocha Júnior lembra que as políticas de segurança servirão como atenuante para as empresas. "A responsabilização objetiva não significa uma responsabilização automática, que o dolo e a culpa não precisam ser comprovados. Não é preciso mostrar que a empresa foi negligente. Neste aspecto, as políticas compliance são uma defesa."