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Entrevista

Decisão do STF criou "apagão legislativo", diz Afonso Ferreira

Manuel Alceu Afonso Ferreira, advogado

Advogado em casos ruidosos na discussão da liberdade de expressão no Judiciário brasileiro nos últimos anos – como o do jornal O Estado de S. Paulo e o da ação de indenização da cantora Wanessa Camargo contra o humorista Rafinha Bastos, por exemplo –, o ex-secretário de justiça de São Paulo Manuel Alceu Afonso Ferreira afirma que o fim da Lei de Imprensa deixou um "apagão legislativo" no país.

O fim da Lei de Imprensa deixou um vazio legislativo?

Deixou um verdadeiro "apagão legislativo", sem regras inferiores que não se esgotam nas culminâncias da Constituição para proteger a liberdade de informação e de opinião. Há institutos que foram relegados ao ostracismo total, como o direito de resposta. A prescrição também é muito mais severa contra jornalistas e publicações no Código Penal e leis ordinárias do que na lei abolida.

Então, o STF errou?

Claro. Bastava uma adaptação ao regime da nova Constituição vigente. Temos exemplos de várias outras leis que também advém do regime militar. Não é a certidão de nascimento de uma lei que a torna boa ou má e, sim, o seu conteúdo social.

Ainda existe censura à liberdade de imprensa no Brasil?

A censura hoje adquiriu nova roupagem. Hoje temos a censura legislativa, como na lei eleitoral, que proíbe aos veículos de comunicação de publicação de opinião a respeito de candidatos, partidos ou coligações; ou a censura judiciária, com decisões liminares que impedem a divulgação de notícias e informações. Esta última é a pior forma, pois vem da onde menos se espera.

E como se proteger desta censura?

O mecanismo será sempre o de recurso aos tribunais superiores com base na Constituição. Na maior parte dos casos, os tribunais superiores tem dado provimento para afastar decisões liminares que impõem a censura. Infelizmente, não foi o caso do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que determinou a censura, que já passa de mil dias, ao jornal O Estado de S. Paulo.

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Que implicações trouxe a decisão do STF, na ADPF 130, ao considerar que a Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição Federal?

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As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.

Como a Justiça deve agir – ao garantir ou restringir o direito à liberdade de expressão – em um cenário de "vácuo legislativo" criado pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), ao entender que a Constituição Federal não recepcionou a antiga Lei de Imprensa? Este provocativo tema conduziu o debate no Seminário Internacional de Liberdade de Expressão, promovido pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS), em São Paulo, no início deste mês.

Das discussões ocorridas no debate restou a conclusão da maioria dos especialistas em direito constitucional e comunicação presentes de que a decisão do STF, em 2009, na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, que entendeu que a antiga lei não foi recepcionada, deixou imprensa e justiça órfãs de um arcabouço legislativo específico para realização material deste direito fundamental.

Esta conclusão, entretanto, chegou a ser rechaçada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto, em palestra que encerrou o evento. Para Britto, a interpretação constitucional basta à apreciação da matéria. "Não pode haver leis sobre o núcleo duro da imprensa e do trabalho jornalístico. A imprensa é irregulável". Para ele, o que se pode regular seriam as "matérias laterais" relacionadas à imprensa, como o direito de resposta ou de indenização por reparação de danos.

Britto, relator no julgamento da ADPF 130, explicou que a Constituição, ao tratar a liberdade de expressão como direito fundamental, teve de ponderar entre dois blocos de valores de personalidade: o do direito à intimidade, à preservação da imagem e da honra e o da livre expressão e manifestação do pensamento. Nessa escolha, preferiu-se o segundo bloco. "A imprensa é um instrumento de cidadania. É o que tira a Constituição do papel".

A convicção do presidente do STF, porém, não cativa quem opera cotidianamente na área do direito à informação e enfrenta decisões judiciais que, sob vários argumentos, proíbem a publicação de textos jornalísticos ou aplicam multas indenizatórias milionárias.

"O problema é que o Judi­ciário não tem em tão alta conta a liberdade de expressão quanto o STF", ressaltou o professor de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Daniel Sarmento. Ele apontou, durante o evento, a divergência entre decisões no primeiro grau da Justiça – frequentemente contrárias à imprensa – com as da corte suprema.

O professor argentino Fernando Toller, doutor em direito pela Universidade de Navarra, defendeu que a liberdade de expressão é como uma "salamandra" ou um camaleão, ou seja, pode se camuflar em diversas outras formas de expressão que podem não estar cobertas pela Constituição. "Você pode fazer coisas com palavras ou dizer coisas com ações", afirmou.

Restrição

O reconhecimento de uma "tendência" de regulação da comunicação na América Latina e seus reflexos no Brasil também foram alvo de polêmica e preocupação durante o evento. Se em países como Argentina e Equador as iniciativas dos governos são mais explícitas, para o especialista em direito da comunicação Alexandre Ditzel Faraco, há no Brasil uma tendência em se regular por vias oblíquas a liberdade de comunicação.

"Percebo na realidade brasileira um grande número de propostas que não tratam diretamente de liberdade, mas que a acabam abarcando em outros contextos". Ele citou projetos de lei como o marco civil de internet ou um novo marco regulatório para a radiodifusão como exemplos dessa tendência.

Direito de resposta é o maior afetado

O vazio legislativo provocado pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), ao considerar que a antiga Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição Federal, fica mais evidente quando o caso concreto impõe o uso do instituto do direito de resposta, dizem especialistas. A primeira dúvida que surge é qual a via e o procedimeno correto para invocá-lo?

"Atualmente, fica ao gosto do autor. Os que escolhem a via penal estão mais alinhados com as decisões do Superior Tribunal de Justiça, pois a tutela do direito à honra atrai a matéria a esta esfera", explica o professor de Direito Civil na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Gilberto Haddad Jabur. Segundo ele, no entanto, há entendimento de que, ao aceitar a natureza civil dos direitos da personalidade, utiliza-se o artigo 461 do Código de Processo Civil, que permite a tutela antecipada. No que diz respeito ao prazo de proposição do direito de resposta, compara Jabur, a questão fica, por sua vez, ao gosto do magistrado.

Proposta

O projeto de lei (PLS 141/11), que disciplina o exercício do direito de resposta, com texto original do senador paranaense Roberto Requião (PMDB), tem tido uma tramitação mais célere do que o normal e deve ser votado ainda neste ano.

Para o presidente da Comissão de Liberdade de Expressão da seccional do Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), Rodrigo Xavier Leonardo, por mais louvável que seja a iniciativa, existem aspectos pontuais no texto que representam um retrocesso em relação à antiga lei de imprensa.

"Na lei antiga, o sopesar se dava em um campo em que a liberdade de expressão era presumivelmente lícita para as críticas fundamentadas no interesse público. No novo projeto de lei não se tem mais este gatilho", explica.

Ele também criticou o dispositivo que concede direito de resposta se a matéria publicada fizer "juízo de condenação" de alguém. "Expor um processo judicial contra administrador é fazer juízo de condenação?", indaga. Leonardo também tem ressalvas ao dispositivo que garante direito de resposta à critica artística ou literária, que contiver crime contra a honra independente do dolo – previsão que a antiga lei contemplava.

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