Foi publicado em 11/12/2014 o Decreto 8.373, que institui o Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas, chamado de e-Social, e que deve alterar bastante o modo como os empregadores prestam informações trabalhistas, previdenciárias e fiscais aos órgãos públicos.
Obrigações retratadas em guias como CAGED, GFIP/SEFIP, DIRF, RAIS serão unificadas e prestadas de modo padronizado e eletrônico, de uma só vez, no ambiente nacional do e-Social, virtual e compartilhado por diferentes entes públicos (CEF, Ministérios do Trabalho e da Previdência Social, Receita Federal), para fins de fiscalização, arrecadação e estatísticos.
Para microempresas e empresas de pequeno porte, o Decreto 8.373 prevê a utilização de sistema simplificado, mas não as exclui do cumprimento das obrigações. Há especial preocupação com essas empresas, porque nem sempre estão estruturadas para atender à grande quantidade de informações que serão exigidas pelo e-Social.
Todavia vale destacar que o e-social não cria novas obrigações nem novos direitos. Trata-se de uma maneira nova e atualizada de informar sobre o cumprimento dos direitos dos trabalhadores, cuja previsão está na Constituição Federal de 1988 e na CLT.
É claro que a atividade de fiscalização, realizada a partir de meios informatizados, é muito mais rápida do que se realizada fisicamente pelos agentes públicos, modo esse incompatível com o atual estágio do desenvolvimento tecnológico. À medida que a capacidade de fiscalização aumenta, proporcionalmente cresce o risco de autuação e aplicação de multas administrativas.
Portanto, se por um lado é justificável a preocupação com as dificuldades que poderão encontrar os pequenos empresários no atendimento das exigências do e-Social, por outro, não se pode desprezar que a legislação trabalhista básica é única e igual para todos os trabalhadores. Há um nível mínimo de garantias trabalhistas que deve ser respeitado por todos os empregadores, porque é direito válido para todos os trabalhadores.
Sabe-se que micro e pequenas empresas são responsáveis por mais de 50% dos empregos formais no país. Mas o receio de que terão dificuldades para cumprir as exigências do e-Social não deve ser motivo para se transigir com os direitos básicos dos trabalhadores. Ao contrário, essa parcela de trabalhadores, empregados de micro e pequenas empresas, deve também ter os seus direitos respeitados, como qualquer outro empregado. É por isso que o primeiro princípio que rege o e-Social é justamente "viabilizar a garantia de direitos trabalhistas e previdenciários" (art. 3º do decreto).
O conhecimento e o respeito integral da legislação trabalhista, fiscal e previdenciária, incluindo questões relativas a segurança e medicina ocupacional, são essenciais. E não basta cumprir, será preciso demonstrar que cumpriu.
É bem verdade que dentre os princípios que regem o e-Social está o tratamento diferenciado para as micro e pequenas empresas. Entretanto não há qualquer regra que as isente do cumprimento da legislação. A própria CLT também estabelece circunstâncias especiais em que a fiscalização tem caráter pedagógico e não estritamente punitivo (art. 627), mas não adota o porte do empregador como critério de não incidência da legislação trabalhista.
Portanto é preciso estar em dia com as obrigações legais, a fim de evitar a aplicação de multas que podem comprometer o bom andamento do negócio.
Entende-se, desse modo, que o tratamento diferenciado para os pequenos empresários não poderia mesmo chegar ao ponto de excluí-los das exigências do e-Social, porque isso equivaleria, na prática, a autorizá-los a não cumprir a legislação trabalhista, resultando então numa espécie de discriminação inconstitucional entre trabalhadores.
O apoio aos pequenos empregadores deve se refletir no desenvolvimento de mecanismos e condições para que suas empresas se (re)estruturem e se qualifiquem adequadamente para permanecerem no mercado, incluindo em seus custos o integral cumprimento dos direitos trabalhistas. O desenvolvimento do negócio deve partir da organização e eficiência da atividade, promovendo a inclusão e a melhoria das condições de vida dos trabalhadores, não da manutenção de postos de trabalho precários, o que deve ser coibido em qualquer atividade, independentemente do porte da empresa.
Por tudo isso, imagina-se e espera-se que a chegada do e-Social contribua com o desenvolvimento da cultura da legalidade no país e eleve o grau de respeito aos direitos dos trabalhadores. Se for assim, tomará parte nos objetivos fundamentais da República, como a redução das desigualdades sociais e construção de uma sociedade mais justa, livre e solidária.
Marcelo Wanderley Guimarães, advogado trabalhista, mestre em Direito pela UFPR e diretor de Relação de Trabalho da ABRH-PR.
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