Mudança legislativa
O Projeto de Lei 393/11 prevê alteração no Artigo 20 do Código Civil com o objetivo de garantir a divulgação de imagens e informações biográficas sobre pessoas de notoriedade pública.
Como é
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.
Como ficaria
Art. 20 - o Caput permanece o mesmo.
§ 1º Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.
§ 2° A mera ausência de autorização não impede a divulgação de imagens, escritos e informações com finalidade biográfica de pessoa cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha dimensão pública ou esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade.
Vetadas
Confira algumas das obras que contam histórias de famosos brasileiros proibidas de circular por decisão judicial:
"Noel Rosa, uma Biografia" João Máximo e Carlos Didier, Editora Companhia das Letras (1990)
"Estrela Solitária - Um brasileiro chamado Garrincha" Ruy Castro, Editora Companhia das Letras (1995) [Prêmio Jabuti 1996 de Melhor Ensaio e Biografia]
"Roberto Carlos em Detalhes" Paulo César de Araújo, Editora Planeta (2006)
"Sinfonia de Minas Gerais - A Vida e a Literatura de João Guimarães Rosa" Alaor Barbosa, Editora Lge (2007)
"Lampião o Mata Sete" Pedro de Morais (2011)
O debate sobre liberdade de expressão e direito à privacidade no Brasil vem sendo aquecido com a possibilidade de aprovação da Lei das Biografias (Projeto de Lei 393/11). Essa é uma das propostas que representam a tentativa de garantir aos autores de biografias o direito de publicar suas obras independentemente da autorização dos retratados. O assunto está tendo grande projeção na imprensa nacional não só por se referir a uma questão que afeta o interesse de editoras e produtores culturais mas também por envolver grandes personalidades da cultura nacional, como Caetano Veloso, Roberto Carlos e Djavan. Eles fazem parte da organização Procure Saber, que defende que a biografias só devem ser publicadas com autorização dos próprios retratados ou de seus familiares.
A Associação Nacional de Editores de Livro (Anel) foi criada para defender a alteração do Código Civil (veja quadro ao lado), proposta no PL 393/11, de autoria do deputado Newton Lima (PT-SP). A mudança já foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos deputados (CCJ), mas agora precisa passar pelo plenário da Casa.
A porta-voz do Procure Saber, Paula Lavigne, disse, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, que o grupo não quer proibir nada, mas apenas manter a lei como está. "O Código Civil é de 2002 e seus artigos estão vigentes. Os biógrafos é que querem derrubar os artigos 20 e 21 do Código Civil, vigente há 11 anos, usando argumentos nem sempre verdadeiros."
O professor de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná Rodrigo Xavier Leonardo considera que o novo parágrafo proposto no projeto de lei aumenta ainda mais a contradição sobre a necessidade ou não de autorização para se publicar biografias. "As alterações legislativas deveriam evitar as ambiguidades na interpretação. Não deveriam ampliá-las. [A proposta], no que diz respeito ao requisito da autorização, efetivamente dá margem para que o receio de uma vedação indevida à publicação de biografias continue."
Além do projeto de lei, a Anel recorreu ao STF e propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4815, que pede que "se declare a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, dos artigos 20 e 21 do Código Civil". A interpretação do atual texto do CC tem dado margem para que os biografados exijam que apenas as biografias autorizadas possam ser publicadas. A ministra Cármen Lúcia, relatora do processo, já convocou uma audiência pública para os dias 21 e 22 de novembro a fim de discutir a questão.
Entre os argumentos apresentados na ADI está o de que a história de vida das pessoas públicas se confunde com a história coletiva, e, portanto, a exigência de autorização dessas pessoas ou de seus familiares (quando falecidos) é contrária aos incisos IV e IX da Constituição Federal, que garantem a livre manifestação do pensamento e a livre expressão da atividade intelectual.
O professor Rodrigo Xavier observa que, se a interpretação do artigo 20 do Código Civil for desconexa com a Constituição, o resultado pode ser a censura. "Lamentavelmente, essa interpretação aparece reiteradamente em alguns tribunais brasileiros", diz o jurista.
A produção de apenas biografias autorizadas é inconstitucional na opinião do também professor de direito da UFPR Sérgio Staut. Ele defende, contudo, a tutela preventiva e considera um grande equívoco a tentativa de impedi-la, já que, muitas vezes, os danos morais podem apenas ser compensados, mas não reparados. "O Judiciário procura evitar a violação de direitos que, quando violados, são de dificílima reparação", argumenta o professor ao defender que, quando interpelada, a Justiça deve sim conferir se haverá dano moral e evitá-lo.
Interesses vão além do campo jurídico
A discussão sobre a Lei das Biografias ultrapassa o campo jurídico e envolve também interesses econômicos. A porta-voz e presidente da diretoria do grupo Procure Saber, Paula Lavigne, afirmou em entrevista ao jornal Folha de São Paulo: "Nosso grupo é contra a comercialização de uma biografia não autorizada. Não é justo que só os biógrafos e seus editores lucrem com isso e nunca o biografado ou seus herdeiros".
O interesse no lucro muitas vezes se sobrepõe à preocupação com a honra do biografado ou com a veracidade dos fatos veiculados. Prova disso é que, conforme Luiz Schwarcz, da Editora Companhia das Letras, escreveu em sua coluna, a família de Garrincha permitiu que a obra de Ruy Castro sobre o jogador voltasse a circular após volumoso acordo, sem se preocupar com o conteúdo ou a capa da obra.
O professor de direito da UFPR Sérgio Staut chama atenção para o peso que o dinheiro tem nessa briga. "As duas partes estão travestindo o interesse econômico com direito", avalia e acrescenta: "Não sei se uma grande editora está tão preocupada com a tutela da liberdade de expressão, como está em lucrar com a obra de um biografado importante. E não sei se os biografados estão tão interessados em proteger a sua imagem, sendo que, diariamente, expõem sua privacidade".
A Associação Nacional de Editores de Livro (Anel) e o grupo Procure Saber foram procurados pela reportagem, mas não deram retorno até o fechamento.