Proteção é possível
Para garantir que as verbas não depositadas no FGTS sejam pagas, o trabalhador deverá ajuizar ação respeitando o prazo de cinco anos , o que pode acontecer durante a relação de trabalho.
O professor de direito do trabalho do Uninter Ronald Silka aponta que é preciso que o funcionário controle melhor a conta e confira se os depósitos estão ocorrendo regularmente. "Agora está mais fácil tirar extratos e acompanhar o cumprimento da obrigação pelo empregador", reforça Silka. Se encontrar inconsistências, não é necessário propor ação durante o contrato de trabalho, já que muitos temem sofrer represálias por parte do empregador.
A saída possível seria noticiar a irregularidade para os sindicatos ou até mesmo para o Ministério Público do Trabalho. "Esses entes serão capazes de cobrar judicialmente o FGTS daquele conjunto de trabalhadores sem expô-los individualmente em ações singulares", explica o professor de direito do trabalho da Universidade Positivo Marcelo Melek. Esse argumento também foi levantado pelo ministro relator para enfatizar a necessidade de adequar a prescrição do FGTS à previsão constitucional.
A professora de direito do trabalho da Unibrasil Adriana Pires Heller ressalta ainda a necessidade de que os tribunais passem a entender que o não recolhimento do FGTS pelo empregador é uma falta grave que dá direito à rescisão indireta. "Esse posicionamento ainda não é unânime e precisará agora ser reforçado para garantir a proteção do empregado", explica a docente.
Recurso
Decisão veio em repercussão geral
A decisão sobre o FGTS foi tomada em julgamento do plenário na quinta-feira, dia 13, de Recurso Extraordinário que teve repercussão geral reconhecida. O voto do relator, ministro Gilmar Mendes, foi seguido por Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. O ministro Marco Aurélio votou a favor da prescrição de cinco anos, mas sem a modulação de efeitos proposta pelo relator. Apenas dois ministros votaram contra a alteração do prazo prescricional: Teori Zavascki e Rosa Weber, que foi ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST) antes de ir para o STF.
O recurso tinha sido interposto pelo Banco do Brasil, que discordou do prazo trintenário que o TST determinou em reclamatória trabalhista ajuizada contra a instituição financeira. Porém, como o STF aplicou a modulação dos efeitos da decisão, o recurso não foi provido e o banco deverá pagar o FGTS devido nesse caso que foi levado ao plenário.
Uma regra conhecida por todos que atuavam na área trabalhista foi alterada depois de um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF). A prescrição trintenária do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), prevista em lei específica, foi considerada inconstitucional na decisão sobre um Recurso Extraordinário, com repercussão geral. Isso significa que a decisão terá efeito erga omnes e valerá para todos. A alteração respeita os preceitos constitucionais, mas pode criar problemas para o trabalhador.
A principal fundamentação para essa alteração é a previsão do artigo 7.º, inciso XIX, da Constituição Federal, que dispõe que os créditos resultantes das relações de trabalho prescrevem em cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais. A prescrição trintenária está prevista na Lei 8.036/90, no artigo 23, § 5.º, e no Decreto 99.684/90, que regulamenta o FGTS. Esse mesmo entendimento sobre os 30 anos já havia sido confirmado pela Súmula 362 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), de aplicação diária no contexto da Justiça do Trabalho. "A decisão do Supremo me parece acertada do ponto de vista técnico", pontua o professor de direito do trabalho da Universidade Positivo Marcelo Melek.
O voto do ministro mostrou como o FGTS teve uma evolução histórica. Na sua criação, em 1966, ele era uma alternativa à estabilidade no emprego. Como não havia previsão sobre a natureza jurídica desse instituto e ele era cobrado da mesma maneira que as contribuições previdenciárias, o TST entendia que ele possuía caráter previdenciário e seguia as regras de prescrição da legislação previdenciária, que era de 30 anos.
Com a promulgação da Constituição, no entendimento de Gilmar Mendes, o FGTS foi listado no artigo 7.º como um direito dos trabalhadores, o que passou a evidenciar sua natureza trabalhista. Sua concepção como alternativa à estabilidade foi substituída pelo seguro desemprego e ele agora passou a existir como direito autônomo. "O FGTS foi mudando sua característica, logo não haveria mais razão para que a norma infraconstitucional contrariasse as previsões do texto de 1988", resume a professora de direito do trabalho da Unibrasil Adriana Pires Heller.
Aspecto Negativo
A decisão do STF pode acarretar um ponto negativo: estimular as empresas a não pagarem o FGTS. "Sob uma análise de justiça social, esse entendimento vai acarretar enormes prejuízos para o trabalhador e pode se tornar um instrumento de estímulo ao não recolhimento do benefício", explica Adriana.
A possibilidade de que o prazo prescricional retorne aos 30 anos deve passar por uma Proposta de Emenda à Constituição. "Seria o caminho ideal", reconhece a docente da UniBrasil.
Modulação
A redução do prazo prescricional de 30 para 5 anos não será imediata. Isso porque o STF aplicou a modulação de efeitos, em respeito à segurança jurídica. Assim, as ações que já tramitam serão julgadas conforme o prazo trintenário, uma vez que esse era o entendimento dos tribunais brasileiros até então. Somente a partir da data da publicação da decisão é que as novas ações deverão observar o respeito à nova regra de prescrição. E elas estarão sujeitas ao prazo prescricional que ocorrer primeiro: 30 anos do início dos depósitos ou 5 anos a partir da decisão do Supremo. Por exemplo, se o trabalhador já tinha 25 anos ou mais de tempo de recolhimento do FGTS na data da publicação da decisão do STF, ele terá o tempo restante para completar os 30 anos para ajuizar uma ação reivindicando as parcelas do fundo que não foram depositadas. Agora, se for menor do que 25 anos, ele só conseguirá receber o que não foi pago nos últimos cinco anos.
Doutrinadores defendem 5 anos
Havia entendimento de doutrinadores expressivos da área pela prescrição em cinco anos, como Sérgio Pinto Martins, que já defendia há mais de 15 anos a inconstitucionalidade da lei. "Se a lei maior regula exaustivamente a matéria de prescrição no inciso XXIX do artigo 7.º, não poderia a lei ordinária tratar o tema de forma diferente", aponta o professor da USP em artigo sobre o tema.
O ministro do STF Gilmar Mendes, em seu voto na ação, reforça que o TST tinha um entendimento contraditório, já que aplicava a prescrição bienal contada a partir da extinção do contrato de trabalho ao FGTS, mas não a quinquenal. "Tal entendimento revela-se, a meu ver, além de contraditório, em dissonância com os postulados hermenêuticos da máxima eficácia das normas constitucionais e da força normativa da Constituição", enfatiza o voto do ministro Gilmar Mendes.
Também é rebatida a hipótese de que o prazo de cinco anos fosse mínimo e que pudesse ter sido alongado pela lei específica. "Nos casos em que a Constituição quer estabelecer limite mínimo, ela utiliza expressões como no mínimo de ou que não sejam inferiores a", explica o professor de direito do trabalho da Universidade Positivo Marcelo Melek.