
Pelo menos quatro ações julgadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos últimos cinco anos colocam à prova o sistema de pesos e contrapesos entre os poderes da República e abrem margem para a discussão sobre a segurança jurídica das decisões. Da instituição da fidelidade partidária, em 2007, à definição de uma nova jurisprudência para a tramitação de medidas provisórias (MPs), no começo deste mês, o Judiciário tem colidido com interesses do Executivo e do Legislativo. Os conflitos, que em alguns casos geraram mudanças no rumo das sentenças, são apontados por especialistas como um processo de amadurecimento da aplicação do texto constitucional.
Mais polêmica e recente, a decisão sobre as MPs foi gerada após uma reviravolta no STF. No último dia 7, os ministros consideraram parcialmente procedente uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que questionava a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, em 2007. Eles interpretaram que a tramitação legislativa da MP que tratou do tema não cumpriu a determinação constitucional de passar pela apreciação de uma comissão mista de deputados federais e senadores, antes de ser votada em plenário.
A sentença poderia se estender a outras cerca de 560 medidas que se transformaram em leis de conversão a partir de 2001 e invalidar regras que tratam do reajuste do salário mínimo, do Bolsa Família e do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida. Um dia depois, o STF mudou a decisão para improcedente, graças a uma questão de ordem levantada pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. A alteração liberou o funcionamento do instituto sem ressalvas e estabeleceu que somente MPs futuras vão precisar passar pelas comissões mistas as já aprovadas ou em tramitação continuam válidas.
Para Adams, a reforma da sentença não afeta a segurança jurídica brasileira, ao contrário do que ocorreria com a manutenção do primeiro resultado. "A decisão mantida como estava gerava uma insegurança muito grande para todos que tomaram decisão, que investiram no Brasil, que adquiriram casas, e permitiria ações oportunistas", afirmou. Já o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), disse que o STF "desconsiderou" os trâmites políticos do Congresso.
A troca de farpas entre congressistas e ministros do Supremo ganhou corpo nos últimos anos com o crescimento do chamado ativismo judicial. Em 2007 e 2008, o STF foi acusado de extrapolar limites e "legislar" ao validar uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral sobre fidelidade partidária. Outros dois casos que geraram idas e vindas no STF referem-se à posse de suplentes de deputados e vereadores e à constitucionalidade da Ficha Limpa (leia mais no quadro ao lado). "O ativismo judicial, sobretudo na área eleitoral, gera absurdos sob o ponto de vista da segurança jurídica", diz o presidente da Comissão de Direito Eleitoral da seccional do Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), Luiz Fernando Pereira.
Ele lembra que, graças à decisão sobre a fidelidade partidária, mais de mil vereadores paranaenses sofreram processos de perda de mandato. "O Supremo modulou a decisão com retroatividade e isso gerou uma instabilidade imensa", diz Pereira.
O advogado constitucionalista e cientista político da Universidade de Brasília (UnB), Valdir Pucci, vê uma questão de ocupação de espaços. "Na medida em que o Executivo e o Legislativo concentram suas energias em questões internas, como disputas políticas por cargos, é natural que cresça o ativismo do Judiciário", diz ele.
Assim como Pucci, o doutor em Direito Constitucional e professor da UnB Cristiano Paixão aponta que os conflitos são uma nova forma de ajuste do texto constitucional. "Não estamos acostumados a isso porque somos uma democracia jovem. Cada vez mais o Supremo será forçado a tomar decisões que prejudicam outros interesses. Faz parte do jogo", diz Paixão.
Colaborou Joana Neitsch




