A possibilidade de a carga horária de trabalho chegar até 12 horas diárias gerou polêmica na última semana após a declaração do ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, de que essa alteração estaria entre as propostas que deverão ser enviadas ao Congresso pelo governo até o fim do ano. Após críticas geradas pela notícia, o Ministério do Trabalho publicou uma nota com tom mais brando, em que dizia que a atual carga horária semanal – de 44 horas –, não vai ser aumentada e que o que poderia ficar mais flexível é o modo como essa jornada será cumprida. De qualquer forma, o debate sobre a eficácia da legislação vigente e sobre as possibilidades de mudanças continua em pauta.
Atualmente, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê que a jornada diária de trabalho deve ser de oito horas, podendo, no máximo, serem cumpridas duas horas extras, até o limite de 44 horas semanais. Uma jornada de 12 horas pode ser cumprida somente em caso de “necessidade imperiosa” e “em face a motivo de força maior, seja para atender à realização ou conclusão de serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízo manifesto”.
Não dá para padronizar uma cartilha para segmentos totalmente diferentes um do outro.
Segundo a nota do Ministério, “os contratos de trabalho devem ser adequados à realidade das centenas de categorias profissionais”. A ideia explicada brevemente no texto do MTE seria a de que o total de trabalho da semana continuasse sendo o mesmo, mas que em alguns dias o trabalhador pudesse trabalhar mais horas.
“O que está em estudo é a possibilidade de permitir aos trabalhadores, através de seus representantes eleitos e em sede de convenção coletiva, ajustarem a forma de cumprimento de sua jornada laboral de 44 horas semanais da maneira que lhes seja mais vantajosa.”
Falta de clareza
Para juristas consultados pelo Justiça & Direito, o primeiro problema é a falta de clareza sobre o assunto, já que a mudança foi citada pelo ministro do Trabalho em um reunião com sindicalistas, mas ainda não há um documento detalhando essa alteração.
“Qualquer mudança tem que levar em conta o limite previsto na Constituição como direito fundamental”, diz a vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Marlene Fuverki Suguimatsu. Para ela, a carga horária de trabalho é uma cláusula pétrea, que não pode passar por alteração. “É preciso levar em conta a necessidade do trabalhador de descansar, estar vivo e saudável para o outro dia”, ressalta a magistrada, que frisa que essa é sua opinião pessoal e como professora, e não em nome do TRT.
Alberto Emiliano de Oliveira Neto, procurador do Ministério Público do Trabalho do Paraná (MPT-PR), avalia que a mudança para o aumento na jornada vai contra uma tendência mundial, que é a de redução da carga horária de trabalho.
“Temos que considerar que essa jornada tende a ser praticada nos grandes centros, onde os trabalhadores passam mais de 2 horas por dia no deslocamento. Com mais uma de almoço. São 16 horas por dia [dedicadas ao trabalho]. É chegar em casa e ir direto dormir”, diz o procurador.
Convenção coletiva
É preciso levar em conta a necessidade do trabalhador de descansar, estar vivo e saudável para o outro dia.
Atualmente, algumas profissões já têm uma carga horária diferenciada, em que cumprem 12 horas de trabalho por 36 de descanso. Esse caso acontece com profissionais de áreas como segurança e saúde. O que se sabe da proposta do governo é que a flexibilização no cumprimento da jornada se daria a partir de convenções coletivas.
Mas tanto o procurador do MPT quanto o presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho do Paraná (Amatra-PR), Paulo Boal, chamam atenção para o fato de que as convenções são firmadas por sindicatos, mas mesmo os que não são filiados a essas instituições se submetem ao que for definido. Ou seja, um sindicato com 100 filiados, por exemplo, pode acabar decidindo por 10 mil profissionais.
Boal diz ainda que não vislumbra outras profissões que precisem dessa flexibilização. Ele explica que a construção civil, por exemplo, é a área que tem mais mortes no Brasil. E, na indústria, a maioria dos acidentes acontecem após a sexta hora de trabalho.
Vantagens
A advogada Eliane Ribeiro Gago, especialista em relações do trabalho, considera que a CLT já está muito superada e questões como novas profissões e home office levam a repensar a duração da jornada. “Não dá para padronizar uma cartilha para segmentos totalmente diferentes um do outro.”
Para ela, desde que sejam asseguradas as 44 horas semanais, é positivo o cumprimento de até 12 horas por dia em caso de necessidade. Contudo, mesmo que isso seja fixado em convenção coletiva, é preciso ter segurança jurídica, para que os tribunais aceitem o que for fixado nos acordos.
De todo modo, a advogada descarta a prática de 12 horas diariamente, ponto, por enquanto, descartado pelo governo. “Afetaria a saúde. O trabalhador ficaria mais vulnerável e poderia ocasionar acidentes.”
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Deputados da base governista pressionam Lira a arquivar anistia após indiciamento de Bolsonaro
Enquete: como o Brasil deve responder ao boicote de empresas francesas à carne do Mercosul?
“Esmeralda Bahia” será extraditada dos EUA ao Brasil após 9 anos de disputa