| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo
Ficha Técnica
  • Naturalidade: Maringá-PR
  • Currículo: graduado em Direito na UFPR, advogou para trabalhadores e ingressou no MPT em 1993
  • Jurista que o inspira: Ayres Britto
  • Nas horas vagas: gosta de ficar com a família e viajar, tem predileção pela Ilha do Mel, para onde costuma ir com seu barco no verão
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O procurador do Ministério Público do Trabalho, Luercy Lino Lopes, participou, em 1995, da primeira operação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), que atua no combate ao trabalho análogo ao de escravo. Recentemente, ele foi homenageado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) por essa atuação. Lopes também participou da primeira operação que deflagrou esse tipo de trabalho no Paraná. A experiência ao longo de duas décadas na área, lhe dá condições de apresentar um panorama da situação dos trabalhadores em situação vulnerável no Brasil e no Paraná. Lopes conversou com o Justiça & Direito em seu gabinete, no MPT, em Curitiba.

O senhor foi recentemente homenageado por uma ação que ocorreu no Mato Grosso do Sul em 1995. Como foi participar desse momento?

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Essa foi uma homenagem feita pelo Ministério do Trabalho por causa dos 20 anos da primeira operação de combate ao trabalho escravo, realizada no Brasil por um dos grupos de fiscalização do MTE. Esse foi um marco na política pública de combate ao trabalho escravo, foi a operação “protótipo” do que seriam as operações a partir daí, se tornou até uma referência internacional .

Até então não existiam ações neste sentido?

De forma isolada, mas não como fiscalização rotineira e não como uma política específica .

Ainda não havia a cultura de combate a esse tipo de trabalho ?

Não, era uma coisa nova. Até então, no Brasil, havia um ou outro caso de trabalho escravo analisado no Judiciário, isso ao longo de vários anos. A partir da implantação dos chamados Grupos Móveis de Fiscalização Especial é que esse tema ganhou repercussão e conscientização. Aí é que o trabalho escravo foi desvendado no Brasil como uma realidade. Até então, era uma coisa camuflada, todos sabiam que tinha, mas ninguém havia colocado o dedo na ferida.

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Houve um planejamento, fizeram um mapeamento para aquela operação?

Em 1995, eu estava na Procuradoria do Trabalho, e lá, uns dois anos antes, algumas entidades junto com a participação do estado, criaram uma comissão permanente de investigação nas carvoarias do estado do Mato Grosso do Sul. Assim, foram verificados vários focos de possível exploração do trabalho escravo. Com base nisso, essa comissão fez a denúncia no Ministérios Público do Trabalho e o então procurador chefe dr. Luiz Camargo, que hoje é procurador-geral do trabalho, movimentou diretamente a secretaria de inspeção do trabalho em Brasília, para que fosse feita uma operação diferenciada já que a situação era muito grave. Como eu estava trabalhando por lá, eu acabei sendo designado para acompanhar essa operação. Em razão disso é que eu tenho a satisfação de ter participado dessa primeira operação.

E como foi quando chegaram ao local?

Foi uma experiência realmente chocante! Até então dentro do ministério público havia uma cultura de gabinete, o procurador dificilmente saía para ver a realidade das situações que investigava. Quando eu tive a oportunidade de presenciar aquela realidade nua e crua do trabalho escravo, pessoalmente eu percebi que havia muito mais que um procurador do trabalho pudesse fazer do que apenas se isolar na sua ilha de conforto do gabinete, porque ali é que você vê a realidade. Desde lá, faz 20 anos, não parei mais de acompanhar as operações, tanto aqui no Paraná quanto em outros estados.

O senhor também participou da primeira operação que deflagrou o trabalho escravo aqui no Paraná. Como foi?

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O primeiro resgate de trabalhadores em condições análogas à escravidão no Paraná ocorreu em 2005. Eu e mais dois auditores fiscais atendíamos a uma denúncia de trabalho infantil. Quando chegamos à propriedade, em Tunas do Paraná, me chamou atenção, porque havia um riacho e, ao longo desse riacho, várias luzes. Perguntei o que era e o capataz disse: “o meu pessoal é só esse, os outros são de outros empreiteiros”. Eram mais de 150 pessoas trabalhando na extração de pinus na Fazenda Itamaraty. E a gente sem estrutura nenhuma, mas falei que era caso de resgate e ficamos até 1 hora da manhã levantando o nome das pessoas para que não sumissem. No dia seguinte, retornamos com mais estrutura e fizemos o resgate. Foi ali que eu percebi que temos um problema sério no Paraná. Estávamos saindo daqui para fazer fiscalização no Pará, no Amazonas e o problema está aqui na nossa porta, a 60 km de Curitiba. Os proprietários da Itamaraty foram responsabilizados criminalmente. A partir dali, intensificamos a fiscalização aqui no estado.

Em quais setores se deflagra mais esse tipo de trabalho?

No Paraná, o setor de reflorestamento e produção de madeira talvez seja o segmento que mais registrou flagrantes nos últimos 10 anos, começando na divisa de Santa Catarina até São Paulo. Também tem a construção civil, setor sucroalcooleiro e o setor da erva-mate, na sua colheita. Também está nos preocupando, a questão da colheita da mandioca na região de fronteira com o Paraguai. Produtores estariam “importando” paraguaios para essa atividade, além da questão da entrada ilegal desses estrangeiros no país, ainda há a submissão dessas pessoas a condições degradantes de ambiente de trabalho. É muito fácil o estrangeiro vir de maneira ilegal e se instalar praticamente em estado de sujeição. E ainda é uma coisa disseminada na nossa sociedade, muitas vezes as pessoas não têm nem noção de que estão escravizando ou sendo escravizadas. Não sempre. Mas é algo cultural, principalmente nas áreas rurais, a pessoa passou por aquilo e agora faz isso com o próximo. É normal alojar alguém numa barraca de lona preta, durante os três meses em que vai trabalhar ali, que as pessoas tirem a água que vão usar do rio, que tomem banho no rio.

E, em nível nacional, em quais regiões há mais ocorrência?

No passado, as regiões mais endêmicas eram principalmente nos estados da Amazônia, Pará, Mato Grosso, Tocantins e Maranhão, que sempre foram os campeões em trabalho escravo, até pela condição geográfica e pela atividade rural isolada. Nós verificávamos até pouco tempo, quase com exclusividade fazendas isoladas e carvoarias. Talvez pela atividade dos grupos móveis, essas ocorrências são bem menores agora. Antigamente, eram comuns retiradas de até 200 trabalhadores de uma frente de trabalho. Hoje raramente são resgatados mais que dez trabalhadores em uma operação. A surpresa, agora, não poderia ser outra em cidades, como São Paulo, a ocorrência de trabalho escravo em termos numéricos talvez seja muito maior que na Amazônia inteira. Principalmente em atividades como confecções de roupas, especialmente com o ingresso de bolivianos e peruanos. Hoje já se espalhou para diversas cidades, inclusive no interior do Paraná. Também temos a construção civil que, com o “boom” imobiliário, tivemos um problema muito sério generalizado em todo o país.

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Colaborou: Lucas Prestes