O juiz não é legislador. O legislador constitucional é aquilo que nós chamamos de legislador negativo.
O exercício da prestação jurisdicional significa admitir a existência de limites, inclusive de índole material
- Currículo: graduado em Direito pela UFPR. mestre e doutorem Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Pós-Doutor no Canadá. Pesquisador convidado do Instituto Max Planck, de Hamburg (Alemanha). Professor Visitante do King´s College (Londres. Professor titular de Direito Civil da UFPR e advogado.
- Autores que o inspiram:Francisco José Ferreira Muniz, Orlando Gomes, Menezes Cordeiro, Pietro Perlingieri, Michel Serres, Jean Carbonnier e Ricardo Lorenzetti
- O que está lendo: relendo autores paranaenses: textos de Paulo Leminski; O filho eterno, de Cristovão Tezza e Viagem no Espelho, Helena Kolody
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Confira a entrevista em vídeo e o “outro lado” do ministro
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Ao falar sobre sua caminhada até aqui e sobre o novo desafio como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Edson Fachin diz que não há nada de excepcional em sua trajetória, a não ser muito trabalho e dedicação. Empossado no dia 16 de junho, o jurista está começando a organizar sua rotina de trabalho e utilizando o período de recesso do STF para avaliar questões como os processos em que se declarará impedido. Fachin concedeu uma entrevista exclusiva para o Justiça & Direito – em texto e vídeo – e explicou como sua formação acadêmica pode ajudá-lo a desempenhar o novo papel. Por outro lado, frisou que abrirá mão das convicções acadêmicas para cumprir a Constituição como uma Bíblia. O novo ministro também falou sobre as propostas para nova Loman, a necessidade de valorização dos juízes de primeiro grau e admitiu que vê o adicional por tempo de serviço como uma alternativa para reorganizar a carreira da magistratura. Ele também deu sua opinião sobre o impacto do novo CPC nos tribunais superiores e sobre o ativismo judicial. Durante a conversa, Fachin também frisou a importância de sua família, disse prezar muito as origens e que um de seus compromisso é visitar Rondinha - RS, onde nasceu, e a Toledo - PR, onde se criou.
Quando foi aprovado seu ingresso no Supremo Tribunal Federal, além de se comemorar o fato de o senhor ser um jurista aqui do Paraná, também foi destacado o fato de que a corte agora terá um especialista em direito civil constitucional. Como essa área do conhecimento pode auxiliar em seus julgamentos?
Sinto-me o destinatário de uma grande honra de poder ter sido motivo para que paranaenses se unissem em torno de uma justa causa. No que diz respeito a essa perspectiva do direito civil constitucional, eu preciso, em primeiro lugar, salientar que isso se tornou mais forte no Brasil após a promulgação de 1988, onde a fonte irradiadora de todos os direitos e deveres, não apenas para a área do direito público, mas também para a área do direito privado, guardando as devidas proporções foi e continua sendo a Constituição Federal. Agora, mais do que antes, eu terei a Constituição como uma verdadeira Bíblia, com preceitos para seguir e procurando sob a luz da Constituição iluminar os conflitos que serão encontrados. Até por que, enquanto no debate acadêmico teses são discutidas para problematizar, na ambiência do Tribunal, que é o guardião da Constituição, o que se espera uma fidelidade constitucional, que dê segurança jurídica e previsibilidade ao jurisdicionado. E com essa perspectiva, de maneira sóbria e humilde, posso eventualmente aportar alguma contribuição ao colegiado do Supremo Tribunal Federal.
Após a sua posse, o senhor já conseguiu avaliar a quantidade de processos e o que o aguarda no gabinete e na corte?
São os primeiros dias, mas já suficientes para evidenciar que o desafio não será pequeno nem qualitativa e quantitativamente. Do ponto de vista quantitativo, o volume de processos não impressiona pelos números que há normalmente nas cortes superiores, o gabinete no dia da posse estava com 1.486 processos. Da posse até o último dia útil antes do recesso entraram mais 205, mas concluímos esses últimos dias com 1464 processos. Pelo menos conseguimos fazer desde logo uma movimentação segundo a qual há uma tentativa de seguir o que diz a Constituição quanto a um prazo razoável e que a prestação jurisdicional também seja eficiente, porque esse também há de ser um compromisso: razoabilidade no prazo e eficiência quanto à produção das decisões. Do ponto de vista qualitativo o nosso trabalho está focado nesse momento em três frentes fundamentalmente.
Quais são essas frentes?
A primeira delas é participar de maneira ativa de todos os julgamentos que já estão pautados. Tomei parte de várias sessões do plenário e também algumas sessões da Primeira Turma do Supremo, a qual eu passei a integrar. E, para o segundo semestre, tomarei parte num conjunto de temas que colegas ministros estão pautando para debate, como, por exemplo, o tema do ensino religioso, a inconstitucionalidade ou não da lei especial que tipificou como crime o porte de drogas para uso pessoal. Então, minha primeira vertente é contribuir para esses temas que estão sendo pautados pelos ministros que já estão na corte. A segunda vertente do trabalho é enfrentar a distribuição cotidiana. Eu estou sendo legitimamente destinatário, de uma distribuição por compensação, ou seja, nesses meses em que se aguardou a escolha de um novo ministro, a distribuição foi feita entre nove ministros, excetuado o presidente – a ele não se dá essa distribuição ordinária exceto nos períodos de recesso. É possível que este número chegue a 3 mil processos ao cabo de seis a oito meses de distribuição. Portanto, essa é uma segunda vertente, enfrentar a distribuição. É claro que há casos emergenciais que demandam a apreciação imediata, como os pedidos de extradição e os habeas corpus . A terceira vertente são os processos pretéritos. Estou priorizando os processos que já estão no gabinete há um tempo razoável, para que eles também possam voltar a tramitar e que seja dada uma resposta.
Desses processos, haveria algum relacionado a políticos ou a pessoas aqui do Paraná em que o senhor considera que será necessário se declarar impedido?
A declaração de impedimento pode ser por alguma circunstância objetiva. Eu, com muita honra, venho da advocacia, portanto eu não poderia julgar algum processo em que seja parte alguém que tenha sido parte num processo que eu tenha julgado como patrono desta mesma parte. Eu estou examinando estes casos e evidentemente anotarei o meu impedimento. Há certas circunstâncias, que nós chamamos de suspeição que são as razões subjetivas pelas quais o julgador, por razões de foro íntimo que podem ou não ser reveladas, se abstém. Eu também estou examinando processos nos quais, sendo ou não de minha relatoria, possa existir alguma suspeição. Estou aproveitando o recesso do mês de julho exatamente para aplicar esta metodologia e tomar algumas decisões que irei dar a conhecer no começo do mês de agosto.
Como está sendo a formação da sua equipe no STF?
Funciona basicamente de três modos. Em primeiro lugar, há um corpo funcional que já estava à disposição do gabinete: são cerca de 12 servidores que lá já se encontravam. Em segundo lugar, convidei dois magistrados para me acompanharem nas atividades do gabinete. O STF faculta que cada ministro tenha um juiz auxiliar e um magistrado instrutor. Desses dois magistrados que convidei um é o juiz federal aqui no Paraná, o dr. Ricardo Rachid de Oliveira e outra é a juíza federal Camila Conrad Plentz. Em terceiro lugar, estou formando o gabinete com um grupo de assessores que irei recrutar de outros gabinetes que eventualmente poderão querer migrar para nossa atividade. Estou instaurando um processo seletivo interno no STF, que deverá transcorrer até a 3ª semana de agosto. Também levei comigo pessoas que têm formação técnica jurídica aqui no estado do Paraná, como por exemplo o Dr. Miguel Godoy, que se doutorou em direito consitucional na UFPR.
Qual a sua opinião sobre o novo CPC? Acredita que ele levará a uma maior adoção de precedentes?
O novo CPC também pode levar à adoção de mais precedentes. Mas me refiro antes à Emenda Constitucional 45 de 2004, e às alterações legislativas de 2007 e às consequentes transformações pelas quais o próprio STF passou, com o mecanismo da repercussão geral no recurso extraordinário e com, também um instrumento das súmulas vinculantes. Aí, na verdade, está o nascedouro deste diálogo entre os sistemas [common law e civil law]. O novo CPC, entre aspectos positivos e suscetíveis de problematização, indica também nesta direção, mas me parece que indica numa direção coerente em relação aos precedentes, ou seja, dá força aos precedentes de maneira a gerar estabilidade e previsibilidade. Mas também, com perdão do trocadilho, não constitui uma camisa de força, ainda que força dê aos precedentes, força ao legislador de primeiro grau, cujo o papel talvez seja um dos grandes desafios que nós temos pela frente: valorizar especialmente o juiz que está mais rente à causa. Temos que valorizar o juiz que conhece as partes, a sua identidade física, a materialidade dos fatos e julga esses fatos, essa é uma das grandes funções que se tem, evitar a ordinarização das cortes superiores e, o desprestígio do papel do juiz do primeiro grau com qual evidentemente não estou de acordo.
O senhor falou de pontos do CPC sujeitos à problematização. Pode citar exemplos?
O novo CPC evidentemente merece vários elogios em diversos pontos. Ademais ter um novo código é por si só um fator de estudo e estímulo de investigação e por isso só já seria obviamente positivo. Mas é claro que há mudanças que suscitam, talvez, alguns problemas, vou citar um deles: o recurso especial. O recurso extraordinário hoje tem seu juiz de admissibilidade nos tribunais estudais. Na negativa do juiz de admissibilidade, como se sabe, não raro o designado pode interpor um agravo de instrumento que acaba sendo apreciado, no caso de especial pelo Superior Tribunal de Justiça, e no caso do extraordinário, pelo Supremo. Esse filtro desaparecer do novo CPC. Isso significa, portanto, que tanto STJ quando STF receberão todos os recursos para ali mesmo verificar se irá ou não julgar. No que diz respeito ao Supremo a mitigação desta demanda que certamente vai crescer, pelo menos num primeiro momento, está em verticalizar o requisito de admissibilidade na existência ou até mesmo na exigência do requisito de repercussão geral em questão de índole constitucional. Não apenas o recurso extraordinário deverá mostrar que tem repercussão jurídica, social e econômica, mas que essa repercussão decorra de uma questão diretamente de índole constitucional, nem mesmo reflexamente. Talvez assim essa consequência do CPC seja mitigada, mas num primeiro momento, parece-me que há um problema aí a ser enfrentado.
Em momentos de tensão política, o ativismo judicial pode ser necessário?
O chamado ativismo judicial coloca em debate o protagonismo do Poder Judiciário. Eu tenho dito e sustentado que o juiz não é legislador. O legislador constitucional é aquilo que nós chamamos de legislador negativo. Ele, na verdade, não produz normas para o caso concreto a partir de uma inércia legislativa. Pode ser que, em determinados casos, o vazio legislativo faça com que, através do mandato de injunção, o STF seja chamado para preencher esse vazio, sem que isso seja atividade legislativa. Na verdade, é uma atividade hermenêutica de produção de uma norma legitimada por uma espacialidade que a própria Constituição garantiu no exercício do mandado de injunção. E foi isso que se passou em relação à questão da greve, específica na ambiência dos serviços públicos, mas essa é exceção. A regra é que, na espacialidade nos tribunais de Brasília, o Supremo não cruze a rua para participar das incumbências dos outros poderes.Por um lado, há esse juízo de contenção. De outro, em algumas matérias, quando há alguma inércia que seja juridicamente qualificada com um vácuo jurídico, não vejo nenhum ativismo. Vejo como uma participação do Judiciário legitimada por uma norma constitucional. Se por um lado o ativismo é criticável, de outro também não se pode deixar de exigir de um juiz constitucional que cumpra o seu papel, nos termos e nos limites da Constituição.
Está em debate a nova Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Qual a visão do senhor sobre possibilidades como a criação de um adicional por tempo de carreira agora que passa a ser um magistrado?
Começaria dizendo que julgo oportuno que venha à tona este debate sobre uma Nova Loman. Ela vem num momento importante por que cada vez mais o juiz aplicador da norma deixa sua invisibilidade. Hoje, os juízes não mais resumem os seus afazeres apenas nos seus gabinetes, mas também prestam contas na verdade, não necessariamente se expõem, até porque não é disso que eu estou a falar. Mas o que eu quero dizer é que exercem um múnus público que é fruto do exercício de um determinado poder que também implica no dever de prestar contas, de submeter-se ao debate da sociedade. Essa visibilidade que o juiz adquire é uma das características do sistema jurídico contemporâneo, em que aquele que aplica a norma não pensa apenas nos juízos racionais de aplicação, mas também é chamado a refletir sobre as consequências da sua aplicação. Portanto, nessa medida, nós precisamos ter uma magistratura forte, independente que é coerente com o estado de direito democrático, onde os juízes cumprem um papel extremamente relevante e, por óbvio, o Poder Judiciário também, não como poder moderador, mas sim como o exercício de um poder que possa, ao aplicar as leis e dar à sociedade, como disse e repito: segurança e previsibilidade. Nesse sentido é preciso pensar nos juízes de todos os graus e de um modo especial nos juízes de primeiro grau, das comarcas mais longínquas deste país continental e que eles tenham as condições mínimas indispensáveis para seu exercício profissional. Então, nesse sentido sim é preciso tornar a carreira dessa magistratura atrativa para os jovens se sentirem chamados a essa função, mas não apenas por aquilo que a carreira oferece. Também é preciso que a carreira seja estruturada de tal modo a acolher os vocacionados, aqueles que são chamados também por estarem não apenas por razões materiais mas também por sua percepção de vida direcionados para ao exercício da prestação jurisdicional, que de algum modo equivale a um sacerdócio, o que significa admitir a existência de limites, inclusive de índole material. Esses limites não podem estar fora da realidade do país, o momento que vivemos exige muita contenção e prudência. O juiz, em sentido amplo, é também alguém que serve à sociedade, com os seus momentos mais pródigos, do ponto de vista do momento social e econômico, nos momentos de crise.
Mas o senhor acha que o adicional por tempo de carreira, por exemplo, ajudaria a manter os jovens juízes na carreira?
Teoricamente sim, porque, na medida em que há uma prestação continuada de serviço é possível beneplacitar esse tempo atribuindo algum tipo de vantagem legítima. Mas não me parece que esse seja o cerne da questão. O cerne da questão é a organização de uma carreira que seja mais alongada, com perspectivas de progressão funcional, de ascensão a graus mais elevados na carreira, aos tribunais e às cortes superiores. Em outras palavras, é preciso que os jovens ao ingressarem na magistratura enxerguem não só a porta de entrada, mas o caminho de uma realização pessoal e profissional. Como vai se pavimentar essa estrada desse caminho é uma consequência da concepção que se tem de uma carreira alongada no tempo.
O senhor vai continuar a dar aulas na UFPR. Como vai ser essa rotina?
Vou continuar, para a minha alegria, ministrando aulas no programa de pós-graduação da Universidade Federal do Paraná às segundas-feiras pela manhã de tal modo que eu possa conciliar essas atividades com meus afazeres no Supremo Tribunal Federal, que são prioritários. Começo no dia 17 de agosto, com a disciplina de Direito e Sociedade. Claro que muito me apraz e me honra continuar na minha casa que é a UFPR, a quem muito devo, desde me acolher como estudante na qual tive o privilégio de frequentar um ensino público gratuito e de qualidade. Tomo por empréstimo a expressão “casa comum” utilizada na última encíclica papal. O papa Francisco fez um chamamento de que todos preservemos a nossa Terra, que é a casa comum. Num sentido mais restrito, mas muito importante, uma universidade pública é uma casa comum e eu quero contribuir para preservá-la.
E como vai ficar a rotina com a família com a distância e a grande carga de atividades no STF ?
Estamos nos adaptando. A sua pergunta me permite enfatizar a importância que dou à presença da família na formação de cada um de nós. O direito à uma existência digna deveria passar para que todos os jovens tivessem direito a viver numa família sadia, que independentemente das condições materiais – porque não é isso que conta – seja uma família que realize em cada pessoa a sua potencialidade por meio do afeto e de um mínimo de formação educacional que dê instrumentos para desenvolver dessa potencialidade. Boa parte da história do futuro do Brasil será bem escrita se dermos uma atenção muito grande à formação familiar. É nesse sentido que tive, nesses últimos momentos, desde a indicação à sabatina no Senado e na posse a presença que vai do 1 anos 2 meses aos 76 anos. Tenho dois netos, a nenê e o meu neto, que tem 4 anos, e a minha sogra que hoje é minha mãe de fato. Todo esse arco familiar, passando pelas minhas filhas, meus genros, cunhados e, de um modo especial a minha esposa, estivemos todos juntos. Daqui para frente, alguns dias de semana ocasionarão numa distância transitória e física, mas a distância não separa, ela une.
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