O Tribunal Superior do Trabalho (TST) na tarde desta segunda-feira (26/09) decidiu que acordo coletivo – firmado entre empresa e sindicato dos trabalhadores – não pode abrir mão das horas in itinere, mesmo que elas sejam substituídas por outros benefícios ao trabalhador. Uma recente decisão do ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), havia relativizado a previsão legislativa das horas in itinere, que são a concessão de horas extras pelo tempo de deslocamento ao trabalho quando o local onde os serviços são prestados é de difícil acesso, não há transporte público e o empregador fornecer o meio de locomoção. Para que haja a concessão, é necessário atender a esses três requisitos.
Em decisão monocrática, Zavascki considerou que a concessão das horas in itinere poderia ser substituída por outros benefícios e reformou uma decisão do TST. No caso em questão, a diferença na distância dos locais de moradia para o trabalho entre os trabalhadores dificultaria o cálculo das horas extras.
Ficou definido, então, que os funcionários, que são cortadores de cana, receberiam cesta básica durante a entressafra; seguro de vida e acidentes além do obrigatório e sem custo para o empregado; pagamento do abono anual aos trabalhadores com ganho mensal superior a dois salários-mínimos; pagamento do salário-família além do limite legal; fornecimento de repositor energético; e adoção de tabela progressiva de produção além da prevista na convenção coletiva.
A decisão de Zavaski revisou o posicionamento do TST, que considerou que tal acordo não poderia ser firmado. “O princípio do reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, consagrado no artigo 7.º, XXVI, da Constituição da República, apenas guarda pertinência com aquelas hipóteses em que o conteúdo das normas pactuadas não se revela contrário a preceitos legais de caráter cogente”.
Contudo, no julgamento desta segunda-feira, os ministros do TST, por maioria de votos, consideraram que a autonomia negocial coletiva não é absoluta e que os precedentes do STF (alegados pelo ministro Zavascki em sua decisão) comportam a técnica do “distinguishing”, ou seja, não incidem no caso concreto.
Durante a sessão, o ministro Roberto Pimenta ressaltou a dura crise enfrentada pelo Brasil e o risco que tal relativização poderia causar aos direitos dos trabalhadores. “Se essa proposta vingasse o efeito seria devastador para o conjunto de direitos trabalhistas assegurados na Constituição e nas leis. Uma ou outra poderia ser bem sucedida, mas o conjunto seria prejudicial”.
Negociado x legislado
A decisão do ministro do STF reforça o debate sobre o conflito entre o que é negociado e o que é legislado. Zavascki relembrou que no julgamento de outro Recurso Extraordinário (590.415), que teve como relator o ministro Luís Roberto Barroso, a “Corte conferiu especial relevância ao princípio da autonomia da vontade no âmbito do direito coletivo do trabalho”.
O entendimento do STF vai no sentido de que é sim possível substituir direitos previstos na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) por benefícios acordados entre sindicato e empregadores.
“Ainda que o acordo coletivo de trabalho tenha afastado direito assegurado aos trabalhadores pela CLT, concedeu-lhe outras vantagens com vistas a compensar essa supressão. Ademais, a validade da votação da Assembleia Geral que deliberou pela celebração do acordo coletivo de trabalho não foi rechaçada nesta demanda, razão pela qual se deve presumir legítima a manifestação de vontade proferida pela entidade sindical.”
Benefício x tempo
A advogada Lisiane Mehl, especialista em direito do trabalho, considera que o acordo pode ser firmado desde que não prejudique o trabalhador. “Mas é uma decisão complicada. Às vezes o benefício não compensa o tempo que o trabalhador passa em deslocamento.”
Para Paulo Sergio João, advogado especialista em direito do trabalho, quando se trata de convenção coletiva de trabalho, pode ser mais problemático substituir o que está previsto em lei pelo combinado a partir das negociações com o sindicato, pois o universo atingido é muito grande, envolve toda uma categoria.
Por outro lado, quando se tratam de acordos coletivos, que envolvem apenas uma empresa, a negociação se torna mais fácil. “Quando se trata de convenção que tem um campo de aplicação muito grande, toda a categoria, é mais difícil. Mas, quando se trata de acordo em que o universo é mais seletivo, se negocia”. Para ele, tirar essa possibilidade de negociação é suprimir dos trabalhadores a garantia constitucional dos acordos coletivos.
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