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Foto ilustrativa. | André Rodrigues/Gazeta do Povo
Foto ilustrativa.| Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo

A cena é cada vez mais comum nas grandes cidades brasileiras. Uma jovem advogada de São Paulo não para em casa nos feriados, mesmo se não tiver viagem marcada. A moça de 25 anos, que prefere não se identificar, sempre aluga seu apartamento em um condomínio residencial em área nobre de São Paulo pelo Airbnb e, se não for viajar, pede socorro para ficar na casa de um amigo. O serviço de “locação para hospedagem” do Airbnb chegou ao Brasil em 2012 e, desde então, cada vez mais gente tem usado a plataforma digital para complementar a renda. Síndicos e condomínios, porém, estão de cabelo em pé, sem saber direito o que pode e o que não pode em matéria de hospedagem. Com isso, aumentam as brigas, a insegurança nas relações e as disputas judiciais.

A locação residencial é regulada pela Lei 8.245/1991, que prevê duas situações: a locação típica por mais de 90 dias, que geralmente é feita pelos contratos de 30 meses, e a locação por temporada, de até 90 dias. Muita gente pensa que a locação por meio do Airbnb se enquadra nessa segunda hipótese, mas não é bem assim. O artigo 1º da lei diz que outros acordos diversos desses dois seguem regulados pelo Código Civil ou por leis específicas. O advogado Alexandre Marques, vice-presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB-SP, em parecer técnico, entende que o caso da “exploração da unidade na modalidade de hospedagem”, como ele prefere chamar as locações do Airbnb, é regulado pela Lei 11.771/2008, que trata das hospedagens para turismo.

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“É um consenso da Comissão de Direito Condominial da OAB-SP que o Airbnb não deve ser praticado em condomínio residencial. O condomínio residencial não comporta essa modalidade de hospedagem”, diz Marques.

Rodrigo Karpat, advogado que atua com direito imobiliário e condominial, ressalta que a hospedagem por curtos períodos, de maneira similar ao que ocorre pelo Airbnb, pode desvirtuar a finalidade dos condomínios residenciais. Marques concorda com essa visão e explica em seu parecer que, pela Lei de Locações, “não é permitida hospedagem ‘por hora’, ‘dia’, ‘parte do imóvel (cômodos)’, com caráter claramente de mercancia, atípico, inominado, onde o pactuado entre as partes não põe a salvo os direitos dos comunheiros e a responsabilidade civil necessária na defesa da integridade do patrimônio comum”.

Se o condomínio tem a finalidade de uso residencial, a lei determina que os condôminos não possam dar destinação diversa às suas unidades. Marques salienta, entretanto, que os condôminos podem até propor ações na Justiça, com base no direito de propriedade, para tentar garantir a possibilidade de alugar as unidades por curtos períodos pelo Airbnb. Se vão ou não ganhar a causa, é outra história. “O direito de propriedade encontra limitação na função social da propriedade. O proprietário não pode tudo. Ele pode, desde que não prejudique terceiros ou cause danos ao meio ambiente, por exemplo”, diz Marques. Quem mora em condomínio deve também respeitar as regras da convenção de condomínio, que é a lei geral que rege a vida dos condôminos, como a Constituição rege o Brasil.

Decisões judiciais

A Justiça brasileira tem decisões afirmando que o condomínio pode, se isso é o que consta da convenção, exigir que os condôminos só usem suas unidades para fins residenciais. “Utilizar essa modalidade de hospedagem sem o aval do condomínio é uma infração à finalidade de uso do condomínio e ao Código Civil . O condômino pode ser advertido, multado, multado em dobro e pode até ser classificado como antissocial, porque o entra e sai de estranhos coloca em risco a coletividade”, resume Marques.

Karpat lembra que já existem decisões sobre o assunto: “já existem decisões no Judiciário contrárias ao Airbnb, formando assim jurisprudência para novas ações. O principal argumento de sustentação usado é o desvio de finalidade do prédio, prejudicando a segurança e o sossego. Os juízes de maneira geral estão entendendo que locação por diária é exclusivo de meios de hospedagem, como hotéis e flats”.

No entanto, se o condomínio quiser permitir a exploração de unidades na modalidade de hospedagem para os moradores usarem Airbnb e similares, isso deverá ser feito pela modificação da convenção de condomínio. “Se essa previsão não está na convenção, não pode ser feito”, afirma Marques. Mas não é fácil fazer essa mudança. Essa decisão depende do voto de 2/3 dos condôminos, como prevê o artigo 1351 do Código Civil (CC). Feita a mudança na convenção, o condomínio deverá então cumprir uma série de requisitos para ser considerado um ambiente de hospedagem e criar regras de uso das áreas comuns para atender as necessidades de regularização do Decreto 7381/2010.

Alguns advogados, porém, defendem que não basta nem fazer apenas a previsão na convenção e adaptar-se às regras, mas mudar a destinação do uso do edifício, o que exige a unanimidade dos condôminos, de acordo com o artigo 1351 do CC. Nesse caso, o condomínio deixaria de ser residencial para ser múltiplo, por exemplo. Diante da dificuldade de fazer essa mudança e das complexidades que ela acarreta, Marques orienta os condomínios a pensarem bem. “O condomínio pode até escolher explorar isso, mas vai dar tanto trabalho, levar tanto tempo, e custar dinheiro, que é preciso ponderar se vale a pena. E não adianta nada ter essa trabalheira toda se, na assembleia para mudar a destinação, um único condômino levantar a mão e falar que não concorda”, avalia Marques.

Nota

Em nota, enviada à redação após a publicação da matéria, a plataforma informa: “O Airbnb é uma plataforma na internet que conecta viajantes com pessoas que têm um quarto ou imóvel e queiram alugar por temporada, conforme está previsto na legislação brasileira. Para garantir uma experiência positiva para todos, o Airbnb estimula a comunicação detalhada sobre as “regras da casa” e dos condomínios no anúncio, e destaca a importância do diálogo para que os prédios estabeleçam regras justas e claras aos proprietários e hóspedes.

No Brasil, mais de um milhão de pessoas se hospedaram utilizando a plataforma no ano passado. Segundo pesquisa Datafolha, 86% da população brasileira é favor do compartilhamento de lares.”

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