Recentemente entrou em vigor a Lei nº 18.878/2016, que institui a Taxa de Controle, Acompanhamento e Fiscalização das Atividades de Exploração e do Aproveitamento de Recursos Hídricos (TCFRH) e a Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerais (TCFRM). Consoante os arts. 2º e 10 da referida lei, constituiriam “fatos geradores” dessas taxas, respectivamente, o exercício regular do poder de polícia sobre a atividade de exploração ou aproveitamento de recursos hídricos e o exercício regular do poder de polícia sobre a atividade de lavra, de exploração ou de aproveitamento de recursos minerais.
No entanto, uma leitura mais atenta desse diploma legislativo revela que, da forma como estruturadas, tais exações são de constitucionalidade duvidosa. Principiemos rememorando alguns pressupostos básicos à instituição de taxas. Estabelece o art. 145, II da Constituição Federal, no que nos interessa mais de perto (taxas oriundas do exercício do poder de polícia) que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir taxas, em razão do exercício do poder de polícia prestado ao contribuinte. O Código Tributário Nacional (CTN), no mesmo sentido e enquanto diploma legislativo de normas gerais, estabelece que as taxas cobradas pelos entes federativos, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia prestado ao contribuinte (art. 77 da Lei nº 5.172/66).
Assim, já nos é possível pontuar ao menos duas condicionantes à criação de taxas. Primeiro, sua materialidade tem de ser o efetivo exercício do poder de polícia. Neste ponto, impende relembrar que a potencialidade da prestação é apenas permitida no caso de taxa devida pela disponibilização de serviço público específico e divisível. E, segundo, tal poder de polícia pressupõe competência administrativa, a ele (poder) inerente, do ente político que institui a taxa. Nem uma e nem a outra foram observadas pelo legislador estadual.
Destarte, a materialidade expressa firma-se em atos administrativos genéricos e de potencial exercício do poder de polícia: planejar, organizar, controlar, registrar atividades relativas à exploração de recursos hídricos e de recurso minerais. No entanto, a materialidade real, aquela que apreendemos da base de cálculo prevista em nada está vinculada a qualquer exercício do poder de polícia, mas há uma manifestação de riqueza do próprio contribuinte. Destarte, é percentagem sobre a metragem cúbica de recursos hídricos utilizada, ou sobre o peso (tonelada ou fração de) de recursos minerais extraídos pelos contribuintes que se consubstancia o valor das referidas taxas. E, aqui já capturamos uma terceira afronta ao regime jurídico próprio das taxas, posto que conforme estabelecido pelo art. 145, parágrafo 2º da Constituição Federal “as taxas não poderão ter base de cálculo próprias de imposto”.
Voltemos àquela segunda condicionante supramencionada. Verifica-se que, ao contrário do que intenta o legislador estadual fazer crer, o Estado não detém competência para exercer o poder de polícia nas atividades elencadas como “fatos geradores” dessas taxas. Carece aos estados membros justamente a competência administrativa/material para fiscalizar a exploração dos recursos hídricos e minerais e, por conseguinte, a competência de polícia administrativa nessas searas.
Estatui a Constituição Federal ser da competência privativa da União legislar sobre águas e energia (art. 22, IV), bem como sobre jazidas, minas, e outros recursos minerais (art.22, XII). É verdade que a Carta Política também estabelece ser da competência comum dos entes federados proteger o meio ambiente (art. 23, VI), e também registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios (art. 23, XI). No entanto, para esse mister esclarece que leis complementares fixarão as normas para cooperação entre tais pessoas políticas, justamente a fim de se evitar sobreposições ineficazes de atuações (art. 23, parágrafo único).
Pois bem. A Lei Complementar 140/2011 fixou normas de cooperação em ações administrativas decorrentes do exercício de competência comum relativa à proteção do ambiente, e acabou por determinar que seria da competência privativa da União exercer o controle e fiscalização das atividades e empreendimentos cuja atribuição para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for cometida a ela. Nesse sentido, a União, no exercício da competência legislativa que lhe é exclusiva (art. 22 VI e XII da CF), editou a Lei 9.984/ 2000 (cria a ANA e estabelece suas atribuições) e o Decreto-Lei 227/67(Código de Minas), os quais atribuem apenas ao ente central a outorga de licença e/ou autorização para exploração dos recursos hídricos e minerais. Dessa forma, o poder de polícia a essas atividades afetas é exclusivo da União, cabendo, portanto, apenas a esse ente político instituir taxas pelo exercício desse poder.
Dessa forma, conclui-se que não andou bem o legislador paranaense ao criar a TCFRH e TCFRM. Ele carece de competência para estabelecer taxas nessa seara, bem como, através de uma análise mais cuidadosa dos diplomas legislativos regentes desses tributos, denota-se que se trata de verdadeira instituição de imposto (travestido de taxa). Corrobora essa última afirmativa o próprio lapso do legislador que expressamente utilizou o vocábulo “imposto” no art. 18, I da Lei estadual 18.878/2016.
Por fim, cumpre informar existir em análise do STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.374/PA, a qual discute a inconstitucionalidade da Lei 8.091/2014, do Estado do Pará, que instituiu taxa idêntica à criada no Estado do Paraná.