A Presidente da República sancionou em 13 de janeiro de 2016 a chamada “Lei de Repatriação” (Lei n.º 13.254, de 2016), que institui o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT ) de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados incorretamente, remetidos, mantidos no exterior ou repatriados por residentes ou domiciliados no País. Com isso, permitiu-se que patrimônio mantido no exterior, ainda que irregularmente, com a prática de crime, possa ser reintroduzido no Brasil, mediante tributação e multa. A sanção, porém, foi acompanhada de mensagem de veto a diversos dispositivos da Lei. Despertou a atenção da comunidade jurídica a supressão da exigência de trânsito em julgado de decisão penal condenatória para impedir a adesão de réus criminais ao RERCT. Argumenta-se que tal veto feriria a garantia constitucional de presunção de inocência, na medida em que réus condenados apenas em primeiro grau, mesmo que na pendência de recursos, não possam aderir ao regime.

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É importante elucidar, primeiramente, o que é o RERCT. Por meio desta política, quaisquer recursos ou patrimônio que tenham sido remetidos ou mantidos fora do país sem declaração à Receita Federal ou mediante declaração omissa ou incompleta até a data limite de 31 de dezembro de 2014 podem ser regularizados mediante repatriação, desde que sua origem seja lícita e que o requerente da repatriação não seja detentor de cargo público ou seu parente. Interessante notar que a definição de origem lícita engloba até mesmo certas práticas criminosas, a saber: sonegação fiscal, sonegação de contribuição previdenciária, falsidade documental ou ideológica, evasão de divisas e a lavagem de dinheiro, desde que a lavagem se restrinja a estes crimes passíveis de regularização. Com isso, após os devidos trâmites perante a Receita Federal, os recursos ou patrimônio que se encontram fora do país podem ser trazidos ao Brasil após o recolhimento de imposto de renda em alíquota de 15% e multa de 100% do valor do tributo (isto é, 15% do valor total).

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Com isso, além de exclusão de todos os demais créditos tributários devidos com relação àquele patrimônio, em caso de prática de um dos crimes previstos no art. 5.º, § 1.º da Lei (acima relacionados), opera a extinção da punibilidade, com o trancamento de qualquer investigação ou processo criminal em curso, mesmo que já iniciados.

De acordo com o texto sancionado, a adesão ao RERCT é possível até o momento em que é proferida sentença criminal condenatória pela prática de um dos crimes previstos na Lei. A diferença com relação ao Projeto aprovado pelo Congresso Nacional é que, naquele texto, seria possível a adesão até o momento em que a decisão se torna definitiva, com o esgotamento de todos os recursos, o que se chama trânsito em julgado. Assim, havendo qualquer decisão condenatória, mesmo que seja reformada em posterior recurso, não será possível a repatriação pelo Regime Especial, tampouco a extinção da punibilidade.

É certo que a Constituição da República estipula em seu art. 5.º, inciso LVII, que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, a chamada garantia de presunção de inocência, que é importante fundamento do processo criminal contemporâneo, não apenas no Brasil, mas em todo Estado Democrático de Direito. É possível argumentar, no entanto, que a lei penal brasileira utiliza a sentença condenatória de primeiro grau como limite para a extinção da punibilidade de outros crimes, como a retratação de crimes contra a honra, ou até mesmo antes da sentença, como no parcelamento visando à extinção da punibilidade de crimes de sonegação fiscal, cujo limite é o recebimento da denúncia oferecida pelo Ministério Público.

Aqueles que porventura desejarem beneficiar-se do Regime Especial devem estar atentos ao entendimento de que o estabelecimento de limite temporal constitui decisão política, em vez de confiar na pretensa arguição de inconstitucionalidade da Lei após o veto presidencial. É possível, assim, tomar uma decisão informada a respeito da adesão ou não ou RERCT, principalmente quando uma das consequências é a evitação de possível processo e condenação criminal.

* Guilherme Brenner Lucchesi é professor substituto da Faculdade de Direito na UFPR, doutorando em Direito na UFPR

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