Entraram em vigor, em janeiro de 2016, as novas regras relativas à incidência do ICMS nas operações interestaduais, veiculadas pela Emenda Constitucional n.º 87/2015, que alterou o artigo 155 da Constituição Federal.
Segundo passou a prever o artigo 155, § 2.º, inciso VIII, alínea b, do texto constitucional, a responsabilidade pelo pagamento da diferença entre a alíquota interna e a interestadual do ICMS, sempre que o destinatário for consumidor final não contribuinte do imposto, é do remetente da mercadoria e, até 2019, conforme previsão escalonada contida no artigo 99 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias [1], parte do tributo será devida ao estado de origem.
Nesse sentido, com o propósito de disciplinar os procedimentos a serem adotados nas operações interestaduais, o Confaz celebrou o Convênio ICMS n.º 93/2015, estabelecendo em sua cláusula terceira que: “O crédito relativo às operações e prestações anteriores deve ser deduzido do débito correspondente ao imposto devido à unidade federada de origem, observado o disposto nos arts. 19 e 20 da Lei Complementar n.º 87/96”.
Ao regulamentar a matéria no âmbito interno, o estado do Paraná editou a Lei n.º 15.873/2015, que introduz alterações à Lei Orgânica do ICMS (Lei n.º 11.580/1996) e ao Decreto n.º 3.208/2015, o qual, por sua vez, modifica o Regulamento do ICMS/PR e, no artigo 327-H, veda abusivamente a compensação em conta gráfica da parcela do imposto devido ao estado do Paraná com créditos ou saldo credor [3].
A proibição em questão é, em tudo e por tudo, inconstitucional.
Em termos práticos, o que pretende a autoridade fazendária é impor o pagamento em moeda corrente, por meio de GR, da parcela de ICMS devida ao estado do Paraná nas referidas operações mercantis, exigência esta que agride frontalmente, entre outros, os princípios da estrita legalidade tributária, da não cumulatividade, da vedação da cobrança de tributo com efeito confiscatório e, embora o ICMS seja um tributo indireto, também o da capacidade contributiva.
O princípio da não cumulatividade está previsto no texto constitucional em relação aos tributos plurifásicos, aqueles que incidem em todas as etapas da cadeia de circulação econômica de bens e serviços, quais sejam: o ICMS, o IPI e as contribuições ao PIS/PASEP e a Cofins. O estudo do princípio em questão revela especial importância, quer por estar intimamente ligado à segurança jurídica e à justiça tributária, quer porque a tributação no Brasil está fortemente alicerçada em tributos indiretos, aqueles que são suportados pelo consumidor final.
Contemplado expressamente no artigo 155, § 2º, inciso I, da Constituição Federal, o princípio da não cumulatividade foi concebido como forma de evitar a incidência do ICMS em “cascata”, ou seja, para impedir a cobrança de imposto sobre imposto, o que, se ocorresse ao fim e ao cabo da cadeia de circulação econômica, redundaria em tributação confiscatória e agressiva ao princípio da capacidade contributiva. Segundo estabelece o mencionado princípio, o ICMS será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas operações anteriores, pelo mesmo ou outro estado ou pelo Distrito Federal.
Ao descrever de forma objetiva o modo como se implementa a não cumulatividade, a respectiva disposição constitucional, a par de estabelecer técnica a ser adotada na tributação por via do ICMS, limita o exercício do poder de tributar.
Por outro lado, quando instituiu normas gerais relativas ao ICMS, a Lei Complementar n.º 87/1996 reproduziu em seu artigo 19 o princípio da não cumulatividade, tal qual descrito no texto constitucional, esclarecendo no artigo 20 a forma pela qual se deve implementar a técnica dele decorrente e, ao fazê-lo, assegurou ao sujeito passivo do imposto o direito de abatimento do montante cobrado em operações anteriores, relativas à entrada, real ou simbólica, da mercadoria ou do serviço em seu estabelecimento.
Portanto, o direito à tributação não cumulativa garante ao sujeito passivo do ICMS, contribuinte ou responsável, a prerrogativa, oponível ao Poder Público, de compensação de débitos com créditos em conta gráfica.
O que queremos significar é que os Poderes Legislativo e Executivo não têm permissão constitucional para estabelecer normas que mitiguem o princípio da não cumulatividade, o primeiro quando da edição de leis e o segundo no exercício da função regulamentar. Os assim chamados “regulamentos” disciplinam a fiscalização e a arrecadação de tributos, e quando o chefe do Poder Executivo os edita sem observar os princípios constitucionais tributários, incide em insanável inconstitucionalidade, o que permite o reconhecimento de sua nulidade ab initio.
É límpido e inequívoco que a proibição veiculada pelo artigo 327-H do Regulamento do ICMS/PR agride frontalmente o princípio da não cumulatividade e, com ele, o da igualdade, o da capacidade contributiva e o da segurança jurídica, além, naturalmente, do princípio da estrita legalidade tributária.
Referidos princípios veiculam garantias individuais que foram completamente ignoradas pelo governador do estado do Paraná, o qual, além de não ter competência para promover alterações que criem, modifiquem ou extingam direitos de índole tributária – o que inclui exigir e reduzir impostos sponte própria, sem a chancela da sociedade, manifestada com a edição de leis em sentido orgânico-formal, quais sejam, aquelas emanadas do Poder Legislativo –, tem, menos ainda, autorização para suprimir direitos constitucionais com natureza de cláusulas pétreas, aquelas que não podem ser modificadas ou suprimidas, sequer por emendas constitucionais.
Sendo certo que a legislação infraconstitucional não pode, em qualquer hipótese, restringir ou aniquilar a observância do princípio da não cumulatividade, a proibição de compensação em conta gráfica de débitos de ICMS com créditos do imposto, para fins de quitação do montante do imposto devido ao estado do Paraná nas operações interestaduais cujo consumidor final é não contribuinte, veicula, não temos dúvidas, arbitrariedade que merece imediata correção pelo próprio Poder Executivo ou pelo Poder Judiciário, se provocado.
[1] Art. 99. Para efeito do disposto no inciso VII do § 2º do art. 155, no caso de operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte localizado em outro Estado, o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual será partilhado entre os Estados de origem e de destino, na seguinte proporção: I - para o ano de 2015: 20% (vinte por cento) para o Estado de destino e 80% (oitenta por cento) para o Estado de origem; II - para o ano de 2016: 40% (quarenta por cento) para o Estado de destino e 60% (sessenta por cento) para o Estado de origem; III - para o ano de 2017: 60% (sessenta por cento) para o Estado de destino e 40% (quarenta por cento) para o Estado de origem; IV - para o ano de 2018: 80% (oitenta por cento) para o Estado de destino e 20% (vinte por cento) para o Estado de origem;
[2] Art. 327-H. No caso de operações ou prestações que destinarem bens e serviços a consumidor final não contribuinte do imposto localizado em outra unidade federada, caberá ao Estado do Paraná, além do imposto calculado mediante utilização da alíquota interestadual prevista no art. 15, a parcela do valor correspondente à diferença entre essa e a alíquota interna da unidade federada destinatária, na seguinte proporção (...) TABELA I: Quando o contribuinte estabelecido no Estado do Paraná promover operações ou prestações interestaduais destinadas a consumidores finais não contribuintes do imposto localizados em outra unidade federada. Na hipótese prevista na Tabela I a parcela do imposto deverá ser recolhida em GNRE específica até o dia 12 do mês seguinte ao de apuração (até o mês de referência janeiro de 2016) e até o dia 10 do mês seguinte ao de apuração (a partir do mês de referência de janeiro de 2017). Sobre tal parcela não poderão ser aplicados quaisquer benefícios fiscais concedidos pelo Estado do Paraná nem poderão ser compensados eventuais créditos do imposto ou saldo credor acumulado em conta gráfica, devendo a mesma ser declarada ao fisco na EFD, no Registro E310, quando se tratar de contribuinte sujeito ao regime normal de tributação e na DeSTDA, quando se tratar de contribuinte optante pelo Simples Nacional. (Grifamos.)
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