O desenvolvimento tecnológico tem proporcionado novos métodos de gestão de pessoas e da atividade produtiva, como o chamado home office, já conhecido da CLT de há muito como “trabalho em domicílio” (art. 6º). Na relação de emprego, as facilidades do trabalho em casa devem se adequar à legislação trabalhista.
As lutas em torno da jornada ocupam lugar central no Direito do Trabalho, desde o seu nascedouro, com o modo de produção capitalista. Trabalhadores procuram a redução de carga horária; empregadores buscam mecanismos para aumentar a produtividade e os lucros, no que a duração da jornada é um componente importante, embora não o único.
Se a duração do trabalho é relevante, a existência de um controle é essencial para a verificação do respeito à lei. A CLT traz no artigo 74, § 2º, a obrigação de que as empresas com mais de 10 empregados mantenham controle dos horários de entrada e saída do trabalhador.
Somente em casos excepcionais a CLT dispensa o controle e registro da jornada. São previstas duas hipóteses no artigo 62: (I) os empregados que “exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho”; (II) os chamados cargos de confiança.
Já o artigo 6º da CLT prevê que “não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego”. Esse dispositivo, já com a redação da Lei 12.551/2011, prevê em seu parágrafo único: “Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”.
Nesse contexto, qual a disciplina jurídica da jornada de trabalho em home office? Será aplicável o citado art. 62, I, ou o controle e supervisão por meios telemáticos ou informatizados, como previsto no art. 6º/CLT?
É bom lembrar que a Constituição brasileira, vigente desde 1988, reduziu o limite de horas de trabalho semanal, passando de 48 para 44 horas e mantendo em oito o número máximo de horas para uma jornada (diária) normal (sem considerar as horas extras). A CLT, art. 61, estabelece que o número máximo de horas extras por dia é duas. E esse limite somente pode ser ultrapassado em casos de “necessidade imperiosa”, para “fazer face a motivo de força maior” ou para “atender a realização ou conclusão de serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízo manifesto”.
“A adoção do home office que poderá ser interpretada tanto como um método eficiente e atual na gestão de pessoas e da produção, quanto um meio de fraudar a legislação relativa à jornada de trabalho, implicando a condenação no pagamento de horas extras”
A jurisprudência dos tribunais trabalhistas tem sido rigorosa na interpretação desse dispositivo, restringindo a aplicação das exceções legais, com vistas a inibir a prática de horas extras acima do limite de duas por dia.
A existência de limites para a jornada de trabalho, bem como a restrição à realização de horas extras em excesso, tem como fundamento o reconhecimento do trabalhador enquanto pessoa humana, que requer cuidados com a sua saúde e o seu bem estar, que tem necessidades e desejos que não se resumem na figura do homem como ser produtivo. Em síntese, os limites visam garantir que na relação de emprego tenha efetividade o princípio da dignidade humana, conforme a Constituição Federal, artigo 3º, III.
Não obstante, a realização de trabalho extraordinário, inclusive além dos limites legais, sem o pagamento de horas extras, é matéria frequente em reclamações trabalhistas. É também assunto habitual nas autuações e multas aplicadas pelo Ministério do Trabalho.
Empresas e sindicatos têm buscado meios alternativos para flexibilizar ou eliminar o registro de ponto, sob o argumento de facilitar e atualizar a administração das relações de trabalho. Exemplo disso é a Portaria 373/2011 - MTE, que “dispõe sobre a possibilidade de adoção pelos empregadores de sistemas alternativos de controle de jornada de trabalho”, autorizados por Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho.
Nesse sentido, experiência que vem chamada de “ponto por exceção”, permite, mediante Acordo Coletivo, que os empregados fiquem dispensados de anotar a jornada normal de trabalho em controles de ponto e registrem apenas as exceções, como a realização de horas extras, os atrasos, saídas antecipadas etc. Esse procedimento, porém, já foi declarado inválido pelo TST, por entender aquela Corte que nem a negociação coletiva nem a portaria ministerial teriam o condão de afastar a aplicação da norma legal de ordem pública prevista no artigo 74 da CLT. Esse artigo obriga o empregador a manter registro dos horários de entrada e saída dos seus empregados. Há diversos julgados do TST nesse sentido (RR 1315-05-2013-5-12-0016, AIRR-156-64.2011.5.15.0129, RR 58300-34.2006.5.04.0025, AIRR - 269900-26.2009.5.02.0023).
Como se vê, em matéria de controle da jornada de trabalho, é preciso muita cautela quando se trata de flexibilizar as normas legais.
Nesse cenário, a adoção do home office exigirá certos cuidados do ponto de vista legal, eis que poderá ser interpretado tanto como um método eficiente e atual na gestão de pessoas e da produção, quanto um meio de fraudar a legislação relativa à jornada de trabalho, implicando a condenação no pagamento de horas extras.
Assim, o trabalho em casa poderá ser considerado benéfico ao empregado quando pressupõe a responsabilidade e privilegia a confiança e a liberdade do trabalhador, permitindo-lhe autonomia na organização e execução das atividades fora do estabelecimento, proporcionando-lhe melhores condições de vida e de trabalho, mesmo quando o empregador exige que sejam mantidas, pelo menos, igual qualidade e produtividade, em comparação com o trabalho na empresa. Jamais pode ser adotado como imposição do empregador ou obrigação do empregado, no que se constituiria como alteração contratual lesiva.
O trabalho em casa poupa o tempo de deslocamento residência/empresa (que tem sido um grave problema nas grandes cidades), além de dar ao empregado maior conforto e liberdade de horário. Isso permite ao trabalhador se apropriar desse tempo e utilizá-lo da maneira que lhe agrada, mesmo mantidas as obrigações com o empregador.
Assim, a se mostrar ausente o controle e incompatível a fixação de horário, por aplicação do art. 62, I, da CLT, não haverá sentido falar-se em horas extras.
Por outro lado, poderá ser considerado um meio de burlar os direitos trabalhistas do empregado quando o objetivo do empregador for conseguir a realização de trabalho extraordinário sem o devido registro em controle de ponto, a fim de evitar o pagamento de horas extras, mesmo que isso se apresente sob as vestes do engajamento, comprometimento, investimento na carreira e outros meios de cooptação. Anote-se, nos termos do art. 6º da CLT, que se estiverem presentes os meios “telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão” do horário de trabalho, será afastada a regra de exceção do art. 62, I, da CLT, e serão devidas as horas extras se comprovado o trabalho extraordinário. Isso se houver mecanismos indiretos de controle da jornada do empregado, como a medida por volumes de atividades ou produtos, a prévia determinação de agenda, enfim, mecanismos que permitam aferir a jornada cumprida pelo trabalhador, conforme ordens do empregador.
Percebe-se, portanto, que o home office tem essa dupla faceta. Características pessoais do trabalhador e do empregador tendem a introduzir outros elementos nessa relação, podendo provocar um desequilíbrio, cujos riscos não podem ser desprezados por ambas as partes.
Em última análise, impõe-se considerar sempre que a busca do desenvolvimento de melhores condições de trabalho e de produção não pode implicar na violação de direitos trabalhistas. Porquanto, na ausência de critérios legais objetivos e específicos para disciplinar a matéria, as regras gerais de garantias dos direitos trabalhistas são interpretadas em benefício do empregado.
*Marcelo Wanderley Guimarães é diretor de Relações de Trabalho da ABRH-PR, advogado trabalhista, mestre em Direito pela UFPR e pós-graduado em Direito Processual Civil e Direito Empresarial. Especializado em Direito e Processo do Trabalho.
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