O Juiz, ao fixar a pena do réu, deve levar em consideração, inicialmente, as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, dentre as quais se encontra a valoração a respeito da personalidade do agente criminoso.
A personalidade, por sua vez, está vinculada às qualidades morais, às distorções de caráter, à índole do sujeito, que são extraídos de sua forma habitual de ser, agir e reagir. GUILHERME NUCCI (in Individualização da pena, RT, 2005, p. 207) cita alguns exemplos de aspectos negativos da personalidade, que evidenciam o modo de ser de uma determinada pessoa, a saber: agressividade, frieza emocional, insensibilidade acentuada, passionalidade exacerbada, maldade, ambição desenfreada, insinceridade, desonestidade, covardia, individualismo exagerado, intolerância, xenofobia, racismo, homofobia, dentre outros.
Dessa forma, se o réu mentir em seu interrogatório, negando a prática do crime por ele cometido, ao apresentar, por exemplo, uma versão fantasiosa dos fatos, a fim de obter uma injusta absolvição, justificado está o aumento de sua pena-base, com fundamento na personalidade negativa do acusado. Afinal, a insinceridade e desonestidade demonstrados perante o juiz, revelam a distorção de caráter e a ausência de senso moral por parte do réu, que se utilizou da mentira – subterfúgio repugnado pela ética e pelo dever de lealdade – com o nítido propósito de tumultuar a instrução processual e induzir em erro, maliciosamente, o julgador, afrontando, assim, a dignidade da Justiça.
Neste ponto, é de se ressaltar a natureza jurídica do interrogatório que, consoante entendimento majoritário, constitui meio de defesa e de prova. Assim, por todos, é o ensinamento de FIGUEIREDO DIAS (in Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 2004, págs. 442/443).
Impende destacar, no entanto, que mesmo sendo o interrogatório um meio de defesa, é evidente que deve o réu respeitar as limitações impostas pelas “regras do jogo processual”, notadamente as decorrentes da lealdade, ética e boa-fé que devem sempre permear toda relação processual.
Segue-se que o réu que mente deliberadamente, manipulando os fatos para se beneficiar de sua própria torpeza, em verdadeira “litigância” de má-fé e deslealdade processual, extrapola os limites da sua autodefesa – que não tem natureza absoluta, como, aliás, todos os direitos, ainda que fundamentais – e expõe a própria Justiça ao risco e vexame de proferir uma decisão equivocada e, portanto, injusta (erro judiciário).
Noutro vértice, por ser o interrogatório, também, meio de prova, com mais razão não se pode tolerar que o réu se valha de engodos, ardis e mentiras para se livrar de uma condenação justa. O acusado que age dessa maneira, distorcendo os fatos para se beneficiar e induzir o juiz em erro, frauda a produção das provas e torna o processo uma chicana pessoal e egoísta, revelando, desse modo, uma personalidade dissimulada, amoral e um mau-caratismo, motivo pelo qual deve ser punido com uma pena mais elevada.
Ademais, se o leitmotiv do processo penal é a busca da verdade real (para alguns, verdade “processual”), a mentira do réu, a toda evidência, colide frontalmente com este escopo primordial do processo, de modo que não pode ser admitida pelo Estado-Juiz, muito pelo contrário, deve ser repreendida de forma severa. E como em nosso sistema penal não existe o crime de perjúrio, deve o réu que mentir ser punido com uma pena mais alta, em razão da valoração negativa de sua personalidade, que deve ser feita por ocasião da fixação da pena-base (CP, art. 59).
Oportuno, neste ponto, transcrever a crítica de NELSON HUNGRIA (“A diagnose da mentira” in Novas Questões-Jurídico Penais, Editora Nacional de Direito, 1945, p. 233), que já asseverava, com grande veemência, “que, desgraçadamente, a mentira é um dos mais constantes fatores de perturbação da Justiça Criminal ou um dos mais eficientes recursos tendentes à impunidade dos que delinquem. Sempre foram fiéis aliados o crime e a mentira”.
Por outro lado, é certo que o direito ao silêncio, facultado ao réu a fim de evitar que se autoincrimine (nemo tenetur se detegere), encontra respaldo na Constituição Federal (CF, art. 5º, LXIII). Todavia, dele jamais se pode extrair o direito de mentir, pois a mentira representa verdadeira fraude processual, não podendo o Estado ser complacente com este tipo de comportamento vil e abjeto, que pode levar ao erro judiciário, desmoralizando, assim, a própria Justiça.
Nessa esteira preleciona FIGUEIREDO DIAS (in Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 2004, p. 450), ao afirmar de forma contundente que o entendimento que defende ao acusado o exercício de um suposto direito de mentir deve ser repudiado. Afinal, nada existe na lei que possa fazer supor o reconhecimento de tal “direito”.
Por fim, impende salientar que a jurisprudência alemã tem admitido a majoração da pena na hipótese aqui discutida, pois tem interpretado a mentira como indício da personalidade negativa do réu.
Em conclusão, a tese aqui sustentada é a de que se o réu mentir em seu interrogatório, negando a prática de um crime por ele cometido, ao apresentar, por exemplo, uma versão fantasiosa dos fatos, com o nítido propósito de obter uma injusta absolvição, deve o juiz aumentar sua pena-base, com fundamento na personalidade negativa do acusado (CP, art. 59).
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