Apenas três meses após a inauguração da ciclovia Tim Maia, no Rio de Janeiro, um trecho localizado entre um paredão e o mar desabou, deixando dois mortos confirmados. Um dos secretários municipais da cidade declarou, defendendo a obra, que a tragédia teria ocorrido por conta de uma forte ressaca, um “evento novo”, que destruiu a estrutura da construção. Entretanto, de que forma seria enquadrada a Responsabilidade Civil do estado neste caso? A extraordinária ressaca seria causa suficiente para afastar eventual pleito indenizatório dos familiares das vítimas?

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Inicialmente, observamos que a responsabilidade civil do Estado é, em regra, objetiva, de acordo com o art. 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, podendo ser afastada em casos de culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior. Isso implica afirmar que os entes federados serão responsabilizados independentemente da apuração de culpa, bastando a demonstração do nexo causal entre o evento danoso (queda da ciclovia e morte das vítimas) e a ação ou omissão estatal (deixar de construir estrutura segura).

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A tentativa de alguns representantes da Prefeitura do Rio de afastar sua responsabilização em razão da intensidade excepcional das ondas que atingiram a ciclovia na data do desabamento, por sua vez, não pode ser considerada como “força maior”. Ora, segundo relato de moradores, a região é atingida com frequência por fortes ressacas, o que obviamente deveria ter sido previsto no projeto. A única possibilidade de exoneração da responsabilidade por força maior seria no caso, por exemplo, de um tsunami atingir o litoral do país, o que configuraria um evento imprevisível e cuja ocorrência é altamente improvável.

Ciente dessas nuances, a Procuradoria Geral do Município do Rio de Janeiro já teria sido acionada, segundo o prefeito Eduardo Paes, para entrar em contato com os familiares das vítimas a fim dar início às negociações para o pagamento de indenizações. É evidente que um acordo seria vantajoso para ambas as partes: evitaria uma longa e custosa batalha judicial, com a possibilidade de recebimento imediato do dinheiro para os familiares. Sob o ponto de vista do município, uma composição garantiria a negociação de inclusão de cláusulas contratuais que vedem, por exemplo, que os indenizados se manifestem publicamente sobre o ocorrido, de forma a minimizar os prejuízos à imagem da prefeitura.

De toda sorte, haverá o direito de regresso da prefeitura municipal do Rio de Janeiro em face das empresas responsáveis pela construção da obra, sobretudo se restar demonstrado que houve falhas nos cálculos de segurança ou ainda que foram aplicados materiais de baixa qualidade.

Na hipótese de restar infrutífera a tentativa de acordo, a ação judicial é praticamente certa. Neste caso, o pleito indenizatório implicaria não apenas em danos emergentes, caso seja comprovado, por exemplo, que as vítimas proviam sustento ao lar, mas também danos morais. Para sua apuração, deve-se levar em consideração que a indenização tem dois objetivos que devem ser atendidos: o caráter compensatório, que busca minimizar a dor e a frustração causadas à família pela perda do ente querido; e também o caráter punitivo, que atua de maneira a fazer com que seja mais vantajoso ao poder público investir na qualidade das obras, sob pena de responder a pesadas indenizações. Por outro lado, a quantia arbitrada a título indenizatório deve também atender aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, para que não implique em enriquecimento ilícito da parte lesada.

O fato é que o clamor gerado pelo acidente aumenta a sensação de abandono da população pelo poder público, que teoricamente deveria obedecer às mais rígidas normas de segurança existentes antes de entregar, com grande divulgação, uma obra nova destinada ao lazer. A Justiça e a lei servem, como em tantas outras situações pelas quais o país tem passado, para minimizar este sentimento de impotência e revolta de todos os brasileiros e, especialmente, dos familiares das vítimas da ineficiência estatal.

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*Clayton Reis : Pós-doutor em Responsabilidade Civil pela Universidade de Lisboa. É também Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela UFPR. Juiz dedicado por mais de vinte anos, aposentou-se do Tribunal de Justiça do Paraná em 1997. Durante boa parte de sua carreira, foi também professor da UEM e da UFPR. Atualmente, dedica-se à advocacia e também à docência em cursos de graduação, pós-graduação e mestrado em variadas instituições de ensino (Unicuritiba, Universidade Tuiuti do Paraná, dentre outras). Possui diversos artigos e livros publicados, entre os quais o consagrado “Dano Moral”, pela Editora Forense.