Foi noticiado que a Andrade Gutierrez, segunda maior empreiteira do Brasil, firmou acordo de leniência, devidamente homologado em Juízo, no qual se compromete, dentre outras coisas, ao pagamento da impressionante cifra de R$1 bilhão de reais. A empresa publicou, ainda, em diversos jornais, “Pedido de desculpas e manifesto por um Brasil melhor”, no qual vem a público “admitir, de modo transparente perante toda a sociedade brasileira, seus erros e reparar os danos causados ao país e à própria reputação da empresa”.
Vale dizer, entretanto, que a motivação da empresa não foi apenas melhorar o Brasil e reparar os danos causados pelas irresponsáveis práticas corruptoras. Desde 2013, com o advento da Lei n. 12.846 (também conhecida como Lei Anticorrupção, ou Lei da Empresa Limpa), a responsabilidade das empresas por atos contra a administração pública é objetiva, o que abre a possibilidade de reparação integral dos danos causados ao país e de pesadas multas, bastando que reste demonstrada a prática de ato lesivo em seu benefício. Assim, a empresa buscou resguardar-se, por meio da assinatura do acordo de leniência mencionado acima, do pagamento de uma indenização que poderia ser ainda maior.
O acordo de leniência firmado pela Andrade Gutierrez, entretanto, não foi o primeiro e nem será o último dentre as corporações envolvidas na Operação Lava Jato. Ante a uma análise pouco cuidadosa, os acordos de leniência podem parecer instrumentos utilizados para fins escusos, a fim de “livrar” empresas reconhecidamente corruptas do enfrentamento da lei. Entretanto, sob um enfoque pragmático, tal instrumento é benéfico tanto para o Poder Público, diante da possibilidade de rápida recuperação de valores estratosféricos e de obtenção de cooperação nas investigações, e também para o ente privado, que não enfrentará entraves ocasionados pelo seu “nome sujo” (como a impossibilidade de participação em processos licitatórios). Ambos ganham ao livrar-se de longas e dispendiosas batalhas judiciais.
Muito se questionou sobre a real efetividade da Lei Anticorrupção quando de sua publicação. O fato é que, em momento anterior a ela, não havia maiores consequências a empresas que possuíam relações espúrias com o Poder Público. Agora, entretanto, no grave momento histórico em que vivemos, a previsão da reparação integral do dano e, mais, a aplicação de multa que não pode ser inferior à vantagem auferida, somado ao fato de que a responsabilidade pelos atos praticados subsiste em caso de fusão ou aquisição, faz com que seja vantajoso às empresas investir em programas de compliance (transparência) e combater, internamente, práticas antiéticas.
A insistência em fazer parte de esquemas escusos, corruptos, certamente levará, em um futuro próximo, algumas empresas à bancarrota, o que acabará por propagar a certeza de que estar em conformidade com a lei é imprescindível para a lucratividade e subsistência das companhias. O reconhecimento que uma empresa correta levará, em última análise, ao aumento de seu valor de mercado, trazendo-lhe ganhos ainda maiores que as efêmeras vantagens auferidas com práticas ilegítimas.
Por fim, deve-se ressaltar que o aspecto mais importante desse processo será não somente o resgate de parte do patrimônio público desviado, mas especialmente a retomada das questões éticas e da prevalência da boa-fé nas relações pessoais e comerciais, princípios que constituem pilares fundamentais da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002.
*Clayton Reis é pós-doutor em Responsabilidade Civil pela Universidade de Lisboa. É também Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela UFPR. Juiz dedicado por mais de vinte anos, aposentou-se do Tribunal de Justiça do Paraná em 1997. Durante boa parte de sua carreira, foi também professor da UEM e da UFPR. Atualmente, dedica-se à advocacia e também à docência em cursos de graduação, pós-graduação e mestrado em variadas instituições de ensino (Unicuritiba, Universidade Tuiuti do Paraná, dentre outras). Possui diversos artigos e livros publicados, entre os quais “Dano Moral”, pela Editora Forense. É membro da Academia Paranaense de Letras Jurídicas e do Instituto dos Advogados do Paraná.
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