Com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, a dinâmica processual foi alterada de forma significativa, tornando a audiência de conciliação ou mediação o primeiro ato do processo (art. 334), postergando-se, inclusive, o prazo para apresentação de defesa (art. 335). Estas regras carregam consigo um valor importante, eleito pelo legislador processual como um novo paradigma para o processo judicial brasileiro, o da primazia da solução consensual.
Já na exposição de motivos, o legislador processual, partindo da premissa de que a Justiça pode ser atingida de modo mais intenso se a solução for criada pelas partes e não imposta pelo juiz, deixa claro que a intenção é obter “um processo judicial mais incluído no contexto social”. Daí a ênfase aos métodos autocompositivos como conciliação e mediação. E logo nos primeiros artigos, todos dotados de forte carga axiológica, o novo Código deixa claro que é dever do Estado promover, sempre que possível, a solução consensual do conflito, bem como que é dever de todos os personagens do processo estimular a solução consensual (art. 3º, §§2º e 3º, NCPC).
Salvo melhor juízo, o processo judicial deixou de ter como finalidade única a sentença, e passa a ter como primeiro objetivo a busca e a promoção da solução consensual do conflito, a ser construída pelas próprias partes com a intermediação do Poder Judiciário. A solução judicial pela sentença passou a ser um objetivo residual, a ser utilizado apenas nos casos em que falhar a missão pacificadora pelos métodos autocompositivos.
A dúvida que se estabelece, no entanto, é a seguinte: a solução consensual, através da realização de audiências de conciliação e mediação, também seria possível em processos judiciais envolvendo conflitos tributários? Penso que sim.
Primeiro, porque o próprio código processual determina no seu artigo 174 que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem criar câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo. Na mesma linha, a Lei de Mediação (Lei 13.140/2015), que entrou em vigor um pouco antes do Novo Código de Processo Civil, autoriza expressamente a possibilidade de autocomposição de conflitos envolvendo a administração pública.
Em segundo lugar, podendo a administração pública contratar, por certo que também pode firmar acordos e compor interesses. Atualmente existe um consenso acerca da possibilidade jurídica da composição envolvendo a administração pública, desde que sejam seguidos os requisitos constitucionais e legais aplicáveis, especialmente observados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, CF/88).
Em âmbito tributário essa possibilidade está prevista expressamente no artigo 171 do Código Tributário Nacional, que dispõe que “a lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário”.
A questão é que ainda faltam leis e regramentos específicos autorizando a composição de créditos e indébitos tributários.
Há alguns anos tramita na Câmara de Deputados o Projeto de Lei 5082/2009 que visa estabelecer condições e procedimentos para realização de acordos envolvendo litígios tributários (transação tributária).
Não obstante as críticas que se tenha ao projeto, fato é que, caso aprovado, regulará a transação tributária em âmbito federal e poderá ser um instrumento importante para regularização tributária de contribuintes em situação de incerteza perante o fisco federal.
Isso sem falar na possibilidade de otimizar a administração tributária, permitindo que sejam construídas soluções alternativas de pagamento de créditos e indébitos tributários.
De qualquer sorte, nada obsta que cada Estado e Município da federação promulgue suas próprias leis de transação tributária, envolvendo tributos de suas respectivas competências, conforme autoriza a Constituição Federal. Aliás, em se considerando os comandos previstos no Novo Código de Processo Civil e na Lei de Mediação, evidencia-se que União, Estados, Distrito Federal e Municípios estão obrigados a criar regramentos que permitam a autocomposição de conflitos, inclusive em âmbito tributário.
Importante ressaltar que o Município de Curitiba já possui desde 2008 autorização neste sentido, conforme Lei Complementar Municipal nº 68, que prevê que “créditos tributários e não tributários, objeto de discussão judicial, poderão ser extintos mediante transação que, por meio de concessões mútuas, importe em terminação do litígio”.
E, de acordo com a referida lei municipal, a transação se justifica nos casos em que atenda finalidade de facilitar a arrecadação, evitar desperdício de esforços administrativos, minimizar ônus sucumbenciais e reduzir situações de insegurança e incerteza, passando, portanto, por critérios discricionários de aferição da oportunidade e conveniência da sua formalização.
Neste contexto, é perfeitamente possível a realização de audiências de conciliação e mediação, previstas no atual rito processual, em processos judiciais tributários. No entanto, para que estas audiências possam produzir resultados efetivos, é essencial que os entes tributantes autorizem a transação através de leis específicas que regulem o exercício desta competência discricionária por parte das procuradorias fazendárias.
Além disso, precisam estar cientes de que qualquer solução pacificadora envolvendo Direito Tributário deve atender não apenas o interesse das partes, mas também o interesse público envolvido, bem como os princípios da isonomia tributária, moralidade e publicidade.
Não há dúvida de que se trata de uma equação difícil e de um grande desafio, mas que precisa ser enfrentado, em prol da segurança jurídica e da justiça tributária.
*Inaiá Botelho, advogada especialista em Direito Tributário
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