| Foto: Pedro Serapio/Gazeta do Povo

O fato é de receio de qualquer jogador de pôquer; seja amador, seja profissional: a entrada de policiais em meio a um jogo de pôquer, dando voz de prisão e levando consigo, além do material destinado ao jogo, os jogadores. Foi o que aconteceu com 16 pessoas que estavam participando de um campeonato em um hotel, em Curitiba. Segundo a autoridade policial, os jogadores “trocavam dinheiro por fichas e apostavam em mesa em jogo de azar”.

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O jogo era Texas Hold’em. No local, por mais absurdo que possa soar, ocorria um campeonato; não cash game. O que se entende comumente é que há uma distinção legal entre campeonatos (que ocorrem livremente no território nacional) e os jogos cash game (que seriam vedados). Apesar de não haver entendimento unificado sobre o tema, é importante relatar que há decisões dos tribunais afirmando que o jogo de pôquer não é jogo de azar e, consequentemente, nem a modalidade cash game poderia ser considerada ilegal.

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Proscrito pela Lei de Contravenções Penais (LCP), a conduta proibida é a de estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante pagamento de entrada ou sem ele. Complementarmente, a lei estabelece que o jogo de azar é aquele “em que o ganho e a perda dependem exclusivamente ou principalmente da sorte” (art. 50, § 3.º, a, da LCP).

Ocorre que, como de notório conhecimento de todo jogador (mas não toda autoridade que se manifesta sobre o assunto), pôquer não é jogo que depende (seja exclusivamente; seja principalmente) de sorte. E isso não é suposição. Foi objeto de pesquisa.

Estudo elaborado pela empresa Cigital (pelos técnicos Paco Hope e Sean Macculloch), ao examinar aproximadamente 103 milhões de mãos de pôquer (Texas Hold’em), concluiu que em mais de 75% dos casos as rodadas são definidas por decisões dos jogadores antes da abertura das cartas da mesa (antes do flop, turn ou river), com o abandono antecipado, motivado pelo cálculo de probabilidade feito pelo jogador. Outro fato constatado é, na metade dos jogos em que eram exibidas todas as cartas, os jogadores que ganhavam a partida possuíam sequência de cartas piores daqueles que já haviam desistido.

Outro estudo relevante (realizado por Michael Dedonno e Douglas Detterman; revista Gaming Law Review, 2008) teve a mesma conclusão, o qual fora conduzido da seguinte forma: após 100 rodadas em que os participantes conheciam tão somente as regras do jogo, metade deles foram instruídos com estratégias eficientes no pôquer, enquanto a outra metade recebeu somente informações sobre a história do jogo. O resultado é que o grupo que recebeu informações com as estratégias teve notável vantagem sobre os demais, sendo que a conclusão deles (em tradução livre) é que “sem dúvidas o pôquer é um jogo de habilidade”. Não por razão diferente que sempre se nota os mesmos jogadores nas finais de campeonatos mundiais. As cartas recebidas pelos jogadores não são tão relevantes, logicamente, quanto sua habilidade. Impossível afirmar que o jogo dependa exclusivamente ou principalmente de sorte. A parcela de sorte é mínima.

A mesma conclusão foi a do Instituto de Criminalística de São Paulo, que fez a seguinte afirmativa em parecer técnico: “trata-se de um jogo de habilidade, pois ficou constatado que a habilidade do jogador que participa desta modalidade de jogo depende da memorização, das características (número e cor) das figuras apresentadas no decorrer do jogo e do conhecimento das regras e estratégia de atuação em função destes fatores” (Laudo n.º 01/020/0058872/2.006, assinado pelos peritos William Amaral e Karla Horti Freitas).

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Quanto ao caso narrado no início, o Ministério Público, inicialmente sem conhecimento do tema, deu seguimento ao processo, mas ofereceu transação penal para todos as pessoas presas naquela data. Apesar de injusto o processo, os jogadores, temendo o risco de se depararem com um julgador que, igualmente, não compreenda o jogo, optaram por aceitar a transação mesmo não concordando com isso. Mas, no caso, um dos jogadores não fazia jus ao benefício, de modo que, quanto a ele, o processo teve seguimento. Com notável felicidade, após serem esclarecidos todos os fatos acima, o mesmo promotor afirmou ter mudado seu entendimento, afirmando que: “não obstante eu já tenha, em outras oportunidades e inclusive neste próprio procedimento, oferecido transação penal e denúncia por crime de jogo de azar praticado na modalidade de pôquer, mudei de entendimento”, e concluiu que “o jogo de pôquer não depende de exclusiva ou principalmente da sorte, conforme exige o tipo penal de jogo de azar. Com efeito, a sorte apenas influi no jogo no momento da distribuição das cartas, sendo que, após, as apostas são determinadas pela habilidade do jogador, o qual pode se utilizar de blefe, lógica e estratégia para ler o comportamento de outros jogadores, bem como convencê-los acerca do valor fictício de suas cartas”. Com essa justificativa o promotor do caso pediu o arquivamento do feito.

Apesar desse caso se tratar de partida de pôquer em campeonato, a decisão de arquivamento não se deu por esse fato, mas sim pelo reconhecimento pelo Ministério Público de que pôquer não é jogo de azar, o que também permite a aplicação ao jogo na modalidade cash game. Evidentemente, não tem o presente artigo a intenção de fomentar e garantir aos jogadores a absoluta legalidade dessa modalidade de jogo, eis que é possível haver autoridades (policiais ou judiciárias) que, agindo com evidente desconhecimento sobre o assunto, acreditem se tratar de jogo de azar. O que visa é esclarecer que há base legal para afirmar que, mesmo o pôquer cash game deve ser considerado como legal e, com sucessivos embates nos tribunais é possível que esse entendimento seja unânime, permitindo que essa modalidade seja praticada livremente.

Felipe Américo Moraes, advogado especialista em Direito Penal Econômico.