Para discutir questões relacionadas à efetividade do direito fundamental social à saúde, no dia 23 de outubro de 2015, reuniram-se, na Associação Médica do Paraná, gestores, prestadores, pesquisadores e usuários, durante o I Fórum de Direito da Saúde da Revista Brasileira de Direito da Saúde. Em um cenário de aumento significativo de ações judiciais envolvendo a saúde, a problemática revela-se complexa, sendo importante enfrentá-la por diferentes frentes.
A Constituição de 1988 estabelece que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, que o atenderá mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (art. 196). Assegura também que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5.º, XXXV). Tais dispositivos são vistos como portas de entrada para o exame, pelo Judiciário, da adequação das medidas utilizadas para a concretização do direito à saúde, inclusive políticas públicas.
Ainda em 1997, ao apreciar a Petição nº 1.246, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o dever do Estado em cobrir os gastos com transplante de células mioblásticas a menor portador da Síndrome de Duchenne, cujo custo importava, à época, cerca de R$ 85.000,00. Desde então, inúmeras ações têm sido propostas pleiteando medicamentos, tratamentos, procedimentos, insumos, e também a adoção de políticas dirigidas a atender não apenas indivíduos isolados, mas, também, coletividades de pessoas. Várias posições têm sido construídas com o objetivo de racionalizar a questão, propondo critérios, criticando condutas, discriminando competências, apontando estatísticas, e sugerindo parâmetros a serem adotados por juízes, legisladores e administradores públicos como razões de decidir.
O esforço, hercúleo e coletivo, não é gratuito: para o ano de 2014, a Lei de Diretrizes Orçamentárias federal anunciou uma rubrica na ordem de R$ 4 bilhões destinada, exclusivamente, a futuras decisões judiciais condenatórias da União em fornecimento de medicamentos e custeio de tratamentos.
As variáveis que envolvem o debate não são poucas, sendo exemplos a garantia de um âmbito de proteção do direito fundamental social à saúde (inclusive um núcleo essencial); discussão sobre mecanismos de financiamento do sistema; universalidade, solidariedade e progressividade no atendimento; equidade; gestão pública e privada de recursos; hipótese de criação de varas judiciais especializadas; uso da medicina baseada em evidências; judicialização de questões de ordem política.
Por outro lado, algumas práticas parecem fundamentais para melhor tratar o problema. Citem-se o monitoramento e mapeamento das ações judiciais, os mecanismos de interlocução entre entidades e profissionais da saúde, a rigidez no combate às fraudes, a reflexão sobre os desperdícios na discussão de tratamentos de baixo custo e de medicamentos consagrados na Lista do SUS (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME). A judicialização da saúde, neste sentido, é um problema cuja solução demanda diálogos interinstitucionais, entre distintas instâncias, inclusive por meio dos Comitês de Saúde.
Finalmente, outra questão, sensível, diz respeito ao acesso à justiça, vale dizer, qual a estrutura institucional disponível para que se possa, quando necessário, pleitear prestações pela via judicial. Colhe-se do Atlas de Acesso à Justiça de 2014 dados que denunciam a desigualdade que impera no país, entre as unidades da federação, no tocante à estrutura do atendimento de demandas em geral. Assim, o Atlas faz uso de Índices Nacionais de Acesso à Justiça (INAJs), que levam em conta diferentes variáveis para equacionar uma relação (de proporcionalidade) entre o sistema judiciário e a situação socioeconômica de cada estado. Por exemplo, o INAJ 2 considera, como variáveis, a quantidade de unidades judiciais e de funções essenciais à justiça, a quantidade de operadores dessas unidades (magistrados, promotores e defensores), a população local e o índice de desenvolvimento humano da respectiva unidade da federação. De acordo com a equação, e por exemplo, o INAJ 2 do Maranhão é 0,05, ao passo que o INAJ 2 do Rio Grande do Sul é 0,21. Ainda que ambas as unidades federativas estejam distantes do ponto ideal da equação (1), a situação do Estado do sul é quase quatro vezes superior à do Estado nordestino.
A prevalência da proteção à saúde é central em nosso ordenamento. É preciso, todavia, desenvolver-se mecanismos aptos a assegurar a máxima a adequada gestão de recursos (financeiros, humanos, tecnológicos) limitados.
Para concluir. O Fórum da RBDS ocorreu simultaneamente ao 8º Seminário da Federação das Santas Casas de Misericórdia e Hospitais Beneficentes do Estado do Paraná. Houve, ali, diálogo entre diferentes agentes, com diferentes perspectivas. Como aponta o tema do Seminário - “todos unidos pela saúde da população” -, não apenas o direito é de todos, como, também, o desafio de sua concretização.
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