Em 17.03.2015 foi publicada a Lei 13105, que institui o Novo Código de Processo Civil (NCPC), para entrar em vigor no dia 17.03.2016. A vacatio legis justifica-se para que a sociedade, a comunidade jurídica, em especial, possa se aprofundar no conhecimento da nova lei e a ela se adaptar para evitar sobressaltos quando do início de sua aplicação.
Como código de processo que é, o NCPC não regula diretamente a relação de direito material entre as pessoas, mas estabelece os mecanismos como estas irão tratar com o Estado-juiz e entre si, caso tenham que submeter seus interesses (pessoas físicas, jurídicas, estatais, paraestatais, entes despersonalizados etc.) para que um terceiro (o Estado-juiz, um mediador, um árbitro) procure contribuir e obter esta conciliação e, sem êxito, diga quem tem razão (decisão/sentença).
Processo, portanto, é um meio; no mais das vezes, é um instrumento utilizado para se alcançar a solução da desavença. Por isso, deve servir ao direito material que lhe é correspondente; o processo civil ao direito civil; o processo do trabalho ao direito do trabalho. Há que ser efetivo na busca de concretizar o direito material.
Considerando a especificidade da relação jurídica tutelada pela CLT, bem como das partes envolvidas, o legislador estabeleceu algumas regras processuais específicas. São normas que marcam o processo do trabalho e lhe atribuem características próprias; mas disso só não se extrai que o processo do trabalho esteja isolado no mundo jurídico. Ao contrário, a própria CLT (art. 769) reconhece a sua incompletude quanto ao tema processo e prescreve o direito processual comum como fonte subsidiária nos casos omissos, exceto naquilo em que a norma comum seja incompatível com o subsistema processual trabalhista.
Mas nem sempre é simples reconhecer uma omissão, o seu sentido e extensão. O STF já teve oportunidade de manifestar em diversos casos a existência de silêncio eloquente na lei, isto é, situações em que a omissão do legislador é preenchida por um significado dado pelo intérprete.
Na prática, a interpretação realizada por magistrados com diferentes formações jurídicas e pessoais, distintos modos de compreender o Direito e as suas funções na sociedade contemporânea, invariavelmente, levam a resultados os mais variados na aplicação concreta de uma mesma norma ou até no preenchimento de uma omissão legislativa.
Decorrente dessa dificuldade, doutrina e jurisprudência vacilam sobre aplicação de determinadas regras do processo civil ao processo do trabalho, o que é fonte de insegurança jurídica e de repetição de recursos que atravancam as pautas da Justiça do Trabalho. Além da omissão, há que aferir se a norma subsidiária do processo comum é compatível com o sistema processual trabalhista.
O art. 475-J/CPC é um exemplo recente e vivo da insegurança decorrente desta indeterminação legal sobre aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ao processo do trabalho. Sobre esse tema específico, o TRT-PR editou a OJ-EX-SE 35 determinando que a multa prevista no dispositivo seja aplicada ao processo do trabalho, ao passo que o TST decide em sentido oposto (E-RR 38300-47-2005-5-01-0052, SDI-1, 17.06.2011). Os requisitos omissão e compatibilidade não foram suficientes para resolver a divergência.
Enquanto isso, com fundamento na OJ 35 TRT-PR, inúmeros devedores trabalhistas no Estado do Paraná, diariamente, são compelidos a pagar a dívida acrescida da multa de 10% prevista no art. 475-J/CPC.
Partindo desse exemplo, é possível afirmar que novos casos de dúvida sobre a aplicação subsidiária e novas situações de insegurança jurídica no processo do trabalho surgirão com a chegada do NCPC.
O art. 15 do NCPC diz apenas que este será aplicado subsidiária e supletivamente ao processo do trabalho, sem mencionar a compatibilidade. Entretanto, é evidente que uma norma geral, quando incompatível com a norma especial, não poderá ser aplicada. O processo do trabalho é lei especial, de modo que só terão incidência nesse subsistema as normas que com ele estejam em sintonia, seja na ausência de legislação processual trabalhista (subsidiariedade) seja na omissão parcial a respeito de um instituto (supletividade). A compatibilidade, embora não expressa no NCPC, é pressuposto de ambas as hipóteses de aplicação.
E no caso de dupla omissão (CLT e CPC) ou de incompatibilidade, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (antes denominada Lei de Introdução ao Código Civil) estabelece critérios para suprir a lacuna, como a analogia, os usos e costumes, os princípios gerais do direito. Tudo isso, obviamente, sempre à luz dos princípios constitucionais que atribuem sentido tanto ao direito processual como ao direito material do trabalho.
Decidir o que se aplica do NCPC ao processo do trabalho demandará muito estudo e reflexão da doutrina e jurisprudência. É possível antever no horizonte a nuvem da insegurança jurídica sobre os jurisdicionados e operadores do direito na esfera trabalhista.
Talvez seja o momento de se pensar uma reforma ampla da legislação processual do trabalho, não para que se percam as características que lhe são próprias e necessárias, dada a vinculação que tem com o Direito do Trabalho e com as partes que constituem a razão de ser da especialidade do processo do trabalho, mas para que possa ser atualizada para o século XXI e aplicada de modo mais uniforme e previsível, como pede o devido processo legal, sem prejuízo da efetividade conquistada ao longo dos 70 anos da CLT.
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