Ao ler as notícias sobre a “reforma administrativa” e ver as seguidas notas de apoio de movimentos sociais honrados e de importantes pessoas e instituições à Controladoria-Geral da União (CGU), me senti premida a juntar-me a todos na defesa desta instituição, que se consolidou como órgão central do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal e tem inspirado movimentos replicadores nas esferas estadual e municipal. O faço, na condição de cidadã que, apesar dos golpes que vem recebendo do Estado brasileiro, ainda acredita que pode, por meio de seu trabalho honrado e eticamente exercido, construir um país melhor.
À parte os olhares de quem conhece o lado bom, o lado ruim do serviço público e da indignação e da esperança da cidadã, movo-me, ainda, pelo que diz a lei. Afinal, advogado é escudo da sociedade. As nossas espadas são a caneta e a nossa voz. Então, vamos ao Direito!
A Constituição de 1988 determinou em seu art. 37 que a administração pública deve atender aos princípios dos quais nos lembra a mnemônica LIMPE (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência). Para a garantia disso, construiu, no edifício democrático, mecanismos de controle interno (no qual se encaixa a CGU) realizados pelo Poder ou órgão que pratica o ato administrativo e de controle externo (Poder Judiciário, Poder Legislativo, Ministério Público, Tribunais de Contas, etc.). A Constituição conferiu ainda dignidade especial à advocacia (pública ou não) para o controle dos excessos do Estado e proteção da cidadania. No artigo primeiro, também demonstra quem é o maior e mais habilitado controlador do Estado quando profetiza que “todo poder emana do povo”, daí o controle social ter sido repetidamente e efusivamente destacado nessa Constituição.
É impensável, na Constituição de 1988, que esse sistema concatenado, encadeado, intersubjetivo e interconectado de controle prescinda da existência de órgão de controle interno na União, nos Estados e no Distrito Federal e nos Municípios. O primeiro grande direito fundamental garantido na história das constituições foi o da não tributação sem justa causa (que gerou a garantia do direito à propriedade, em face dos excessos dos monarcas). Cabe aos representantes do povo (ao Poder Legislativo) autorizar a cobrança do tributo e também ao grande sistema de controle interno e externo, controlar a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência do gasto público. A legitimidade da tributação não se encerra na formalidade da aprovação prévia do legislativo, mas se torna perfeita quando seguida da aferição da qualidade, necessidade e eficiência do gasto público realizado.
Uma máxima jurídica é a de que direitos fundamentais não retroagem. Uma vez concedidos devem ser mantidos e alterações legislativas podem apenas ampliá-los. Os direitos à boa governança e à boa administração pública são direitos fundamentais do cidadão e pedras angulares do Estado Democrático de Direito. Assim, se direitos fundamentais não podem ser suprimidos ou, sequer, diminuídos, as instituições que lhe garantam o exercício também devem contar com a imunidade jurídica, não podendo ter reduzidos seus atributos por qualquer reforma administrativa, principalmente no caso dos Tribunais de Contas e CGU, que vêm sendo atacados a cada vez que demonstram bons resultados do trabalho de valiosos técnicos que, não obstante as ingerências políticas sofridas por esses órgãos, vêm construindo relatórios que dignificam suas funções no combate à corrupção e na melhoria da qualidade e da eficiência das políticas públicas
Se a CGU terá ou não status de ministério não parece ser o grande problema da reestruturação. As competências e prerrogativas que garantam a independência (técnico-funcional) dos analistas de controle interno, tão necessárias no momento crucial que vivemos, podem ser organizadas em legislação específica garantindo-se a economia fiscal. É fato que, na ausência da referida lei, a manutenção do status de ministério é a única capaz de garantir a independência fiscalizadora da CGU, tendo em vista o modelo hierárquico legal vigente.
De outro lado, o desmembramento da CGU e a desarticulação de suas atividades é ponto crucial e fatal para diminuição do órgão e ataque às suas competências legais e constitucionais. Além de atacar um instrumento constitucional garantidor de direito fundamental (o que me parece inconstitucional), desperdiçam-se 12 anos de conquistas e expertise, desarticulando a sincronia alcançada nesse órgão entre auditoria, fiscalização, correição, ouvidoria e prevenção da corrupção, uma vez que uma atividade subsidia e dá sequência às outras.
Em lugar de atacar quem vem sendo altamente eficiente na melhoria da qualidade do gasto público da administração direta federal, deve-se ampliar a atuação da CGU para a fiscalização da administração indireta e replicar o modelo por meio da aprovação da PEC 45 de 2009. O Poder Legislativo, em tempos de tanta proatividade, prestaria um grande serviço aos cidadãos e ao Estado Democrático de Direito se assim e urgentemente o procedesse.