No Brasil, iniciativas estatais para impor limites à exploração dos trabalhadores tardaram a surgir. A produção estatal de leis trabalhistas ocorreu com maior desenvoltura a partir da década de 1930, época em que foi criada a Justiça do Trabalho.
Instituída, em 1939, a Justiça do Trabalho foi concebida para dirimir conflitos sociais, promovendo a pacificação nas relações de trabalho e a conciliação de interesses entre as classes sociais, em conformidade com a doutrina corporativista então em voga. Negava-se assim a luta de classes e propunha-se soluções jurisdicionais aos conflitos individuais e coletivos do trabalho.
Com o passar do tempo consolidou-se um discurso estatal de que o direito e a Justiça do Trabalho foram outorgados pelo Estado para proteger os trabalhadores. Trata-se de algo presente no senso comum da sociedade brasileira, repetido irrefletidamente à exaustão, porém, divorciado da realidade.
A despeito de desempenhar função fundamental no capitalismo, o direito do trabalho sempre foi combatido pelos capitalistas, sendo considerado como entrave ao crescimento econômico. Isso justificou as incontáveis tentativas de “reformas” na legislação, patrocinadas pelo patronato, com a intenção de retirar direitos dos trabalhadores.
Tramitam, atualmente, no Congresso Nacional 55 projetos propondo a supressão de algum direito dos trabalhadores. Dentre eles, há dois representando imenso risco às garantias asseguradas na legislação (são os que estabelecem a prevalência do negociado sobre o legislado e a ampla e irrestrita contratação de trabalhadores terceirizados) que, se aprovados, trarão retrocesso social com aumento de concentração de renda pelo patronato.
Outra forma de atuação da elite econômica junto ao Poder Legislativo pode ser percebida no corte orçamentário da Justiça do Trabalho. Na semana passada, o Tribunal Regional do Trabalho do Paraná anunciou que em razão da redução de seu orçamento para o ano de 2016 poderá fechar suas portas em outubro. Tribunais de outros estados também manifestaram ser impossível manter-se em funcionamento até o final do ano.
A redução nas despesas engendrada pelo Congresso Nacional concentrou-se principalmente em custeio, despesas essenciais para manutenção dos serviços prestados aos cidadãos que procuram a Justiça do Trabalho. Para ilustrar, em 2016, ao TRT/PR planejava-se destinar um pouco mais de R$ 68 milhões para gastos com custeio; contudo, este valor foi reduzido para R$ 49 milhões, ou seja, um corte de mais de R$ 19 milhões (28%).
Diferentemente do que se possa crer, os cortes orçamentários não resultam da mera intenção de adaptar-se ao ajuste fiscal do Governo Federal ou de retirar privilégios, que, diga-se, inexistentes. Afinal, outras vertentes do Poder Judiciário não foram tão afetadas pela minoração dos recursos quanto a Justiça do Trabalho.
Das palavras do Relator-geral do Orçamento de 2016, deputado Ricardo Barros, vislumbra-se a motivação da austeridade imposta a Justiça do Trabalho, pois, nos seus dizeres “as regras atuais estimulam a judicialização dos conflitos trabalhistas, na medida em que são extremamente condescendentes com o trabalhador”. Por isso, na sua visão, a redução imposta no orçamento seria uma “forma de estimular uma reflexão sobre a necessidade e urgência de tais mudanças”.
Resulta evidente o motivo pelo qual a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho interpretou o corte no orçamento como uma tentativa de controle sobre o conteúdo das decisões dos juízes, com vistas a favorecer o patronato. O deputado paranaense não dissimilou o discurso. Ao contrário, foi enfático ao afirmar que os juízes do trabalho devem ser mais rigorosos com os trabalhadores não os beneficiando em suas sentenças. Ele ocultou, no entanto, o fato de representar no Congresso Nacional os interesses de uma fração de classe da elite econômica, constituída pelos setores mais retrógrados da sociedade brasileira que jamais se resignaram com a legislação trabalhista, sendo contumazes violadores de direitos dos trabalhadores.
Essa medida parece associar-se aos projetos de lei, patrocinados pelas entidades sindicais patronais, em tramitação no Congresso Nacional prevendo a retirada de direitos dos trabalhadores. Afinal, recorde-se, por mais importante que sejam para a estabilidade e desenvolvimento do capitalismo, constitui-se desejo quase obsessivo do empresariado brasileiro, se não acabar, debilitar fortemente o direito e a Justiça do Trabalho a fim de remover qualquer constrangimento à exploração da mão de obra e à cumulação de capital. Por certo, isso também instigará a luta de classes ao despertar o hoje adormecido ímpeto insurgente dos trabalhadores.
Este momento histórico mostra-se vital à defesa intransigente dos direitos conquistados pelos trabalhadores como também da preservação da autonomia, independência e pleno funcionamento da Justiça do Trabalho no país.
Nasser Ahmad Allan, doutor em direitos humanos e democracia pela UFPR e advogado em Curitiba.
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