Passados pouco mais de dez anos da instalação dos Juizados Especiais Federais em todo Brasil, pode-se afirmar que foi realmente alargada a amplitude do acesso à Justiça, quer pela aproximação institucional em relação às parcelas mais vulneráveis de nossa sociedade, quer pela gratuidade de justiça que assegura, quer finalmente pelos impressionantes resultados em termos de recursos transferidos aos mais carentes.
É claro, porém, que a nova instituição judiciária ainda não logrou alcançar, em sua plenitude, os objetivos de efetividade e simplicidade processuais que se destina a realizar. Isso não apenas pela demora para uma estruturação compatível com a demanda que se lhe apresenta, mas pelo persistente déficit de compreensão de seus princípios, por parte dos atores processuais conectados à administração da justiça especial.
Falta o que se pode chamar de uma adesão de espírito à nova lei. Falta, com efeito, um aceitar fazer diferente porque os processos podem e devem ser simples, informais, com grande carga de oralidade, com importante espaço à consensualidade e poucos recursos.
Ainda que concebidos para propiciar efetivo acesso à Justiça, por meio de um sistema processual simples, informal e célere, os juizados especiais federais não poderiam deixar de oferecer espaço para a revisão das decisões judiciais.
De fato, por mais legítima e razoável que seja uma decisão, dificilmente a parte vencida reconhecerá a sua correção. Não se imaginava, porém, que o caminho recursal se transformaria em um verdadeiro ponto crítico desse novo modelo de jurisdição.
Não se trata apenas de não se conseguir fugir da necessidade humana de revisão das decisões, mas da forte propensão ao recurso no contexto da justiça gratuita. Para a esmagadora maioria dos sujeitos processuais dos juizados, não há custos para se recorrer. Tampouco existem mecanismos efetivos para desestimular o comportamento inclinado a litigar até quando recursos não mais houver.
De um lado, o cidadão muito provavelmente buscará a realização do direito que persegue em juízo contra o Estado, envidando os esforços necessários. E se, de acordo com pesquisa do IPEA, três quartos das causas dos juizados especiais federais no Brasil relacionam-se com o direito à previdência e à assistência social, a tendência de recursos aumenta, porque essa busca do direito, pelo cidadão, liga-se com a sua própria luta pela subsistência digna.
De outro lado, as entidades públicas federais guardam uma concepção de interesse público que parte da confusão entre o interesse comunitário e geral, que deveria ser digno da mais elevada consideração por parte do Estado, e o interesse meramente econômico ou de intransigente defesa da postura da Administração. Nessa perspectiva, como regra, busca-se discutir o quanto possível, em várias instâncias recursais, as teses que aparecem em múltiplas demandas, e defender os interesses próprios da entidade pública antes do que os interesses genuinamente coletivos.
Com esse ânimo armadas as partes, a grande aposta dos juizados na solução amigável para os litígios ainda parece um objetivo tão fundamental quanto distante. E para o desassossego dos idealizadores de um modelo de justiça acessível, simples e ágil, a aposta das partes e de seus procuradores tem sido, como regra, a exploração do seu sistema recursal, mesmo porque a orientação das turmas de uniformização e dos tribunais superiores, não raro, alteram seu posicionamento e, do que dizem “ser”, podem passar a dizer “não é”.
O conhecimento do organograma do sistema recursal dos juizados especiais federais revela que um mesmo feito pode exigir até seis decisões judiciais entre sentenças e acórdãos, isso sem que se considerem as decisões provocadas por embargos declaratórios.
Por outro lado, o arranjo normativo do sistema recursal não segue apenas as disposições da Lei 10.259/01, mas os regimentos internos dos tribunais e resoluções do Conselho da Justiça Federal. Em junho passado, por exemplo, a Resolução 345/2015 aprovou o novo Regimento Interno da Turma Nacional de Uniformização (TNU). Ali encontramos o detalhamento dos pressupostos dos incidentes de uniformização. Mas também guardam importâncias as dezenas de questões de ordem e súmulas destinadas a disciplinar a matéria recursal no sistema dos Juizados.
Nesse sofisticado sistema recursal, a simplicidade encontra espaço diminuto e a não há lugar para a informalidade. Os juizados especiais foram pensados para terem pouquíssimos recursos. Que os acordos resolveriam boa parte das causas era o que se pensava quando de sua instalação. E que assim venha a ser. Enquanto isso não ocorre, é importante que o sistema se conduza de modo racional, com observação dos precedentes, com a censura de recursos temerários, e com o bom manejo recursal para que o direito não fique nas mãos erradas.