Especialmente a partir do período de redemocratização brasileira na década de 80 até o momento atual, discute-se uma estrutura mais adequada do Estado brasileiro e de interação entre a sociedade civil (cidadãos e população) e a sociedade política (agentes estatais eleitos ou não). Apesar dos inegáveis avanços na democracia constitucional brasileira com o advento da Constituição Federal de 1988 (CF), há muito por fazer no Brasil. Dentre os temas centrais a serem enfrentados pelos poderes constituídos e pelos cidadãos brasileiros, a questão do sistema de governo ganha destaque e necessita de debate intenso para, posteriormente, efetivação das modificações necessárias. O Supremo Tribunal Federal analisará no Mandado de Segurança nº. 22972/DF, que começará a ser na quarta-feira (06/04/2016), a possibilidade ou não de alteração do sistema de governo no Brasil, a qual penso que é juridicamente possível (por inexistir vedação no art. 60, §4º da CF) e estruturalmente adequada.
Os poderes atribuídos ao presidente da República brasileiro são extensos, criando a figura do hiperpresidencialismo, reduzindo os poderes de agenda e político do Parlamento
Existem dois sistemas de governo clássicos: parlamentarismo e presidencialismo, sendo exemplos paradigmáticos o Reino Unido e os Estados Unidos da América respectivamente. O modelo de Westminster foi desenhado com o intuito de manter a existência da tradicional família real, mas de gradativamente conceder maior poder aos cidadãos, aos partidos políticos e à Câmara Baixa do Parlamento inglês. Desse modo, há um Primeiro-Ministro responsável pelo governo, sendo a indicação do chefe de governo e do seu gabinete tomada a partir de coalização majoritária parlamentar. No Parlamentarismo, observa-se uma relação necessária, clara e direta entre Parlamento (Poder Legislativo) e Executivo (Primeiro-Ministro e gabinete composto por Ministros de governo).
Duas grandes vantagens e, de outro lado, duas fortes desvantagens encontram-se no Parlamentarismo. Sobre os pontos positivos, registra-se a responsividade dos parlamentares em relação aos cidadãos, pois somente há Executivo na medida em que a maioria dos representantes legislativos apoia o governo. Ainda, inegavelmente esse sistema consegue lidar melhor com crises políticas e econômicas, porque a imprescindível interação entre Parlamento e governo permite maior agilidade e união de esforços para enfrentar os problemas. De outro lado, se a sinergia política não ocorrer, incidem mecanismos institucionais e jurídicos para alteração do gabinete e do Primeiro-Ministro ou para realização de eleição extraordinária do Parlamento. Por sua vez, os pontos negativos residem em um desenho menos nítido da separação de poderes (funções) entre Legislativo e Executivo e na existência de menor pluralidade no Parlamento, já que a maioria dos legisladores possui forte lealdade ao governo e a minoria detém um papel de fiscal e de crítico ao gabinete com pequeno poder em geral e de agenda.
O Semipresidencialismo permite a superação com maior rapidez de crises políticas e econômicas pela atuação conjunta do Parlamento com o governo, mantendo a relevante figura de líder popular do presidente.
Em relação ao Presidencialismo, nascido nos Estados Unidos e adotado no Brasil a partir da Constituição Republicana de 1891, existe uma clara e bem delimitada separação das funções entre Executivo e Legislativo pelo menos no âmbito normativo constitucional, pois os mandatos do presidente (chefe de Estado e governo) e dos legisladores são independentes. Esse desenho institucional possui, em teoria, duas vantagens: eleição pelos cidadãos do presidente e, em razão da independência parlamentar, mecanismos mais efetivos de fiscalização do Legislativo sobre Executivo. Na prática, esse sistema de governo não funciona satisfatoriamente no Brasil, porque o Congresso Nacional, como regra, não atua como fiscal do Executivo e o apoio político do Parlamento ao Governo, no mínimo, é concedido de forma pouco republicana e programática. Ainda, os poderes atribuídos ao presidente da República brasileiro são extensos, criando a figura do Hiperpresidencialismo, reduzindo os poderes de agenda e político do Parlamento.
Assim, há boas razões para, a partir da realidade histórica e social e com objetivo de concretizar os objetivos da nossa República - art. 3º, CF: sociedade justa e livre, desenvolvimentos econômico e humano, erradicação da pobreza e da marginalização e, principalmente, promoção do bem de todos – para construirmos um modelo híbrido entre Presidencialismo e Parlamentarismo: o Semipresidencialismo, o qual pressupõe modificação da Constituição. Em primeiro lugar, este sistema foi institucionalizado pela França na Constituição de 1958 e por Portugal na Constituição de 1976. O presidente partilha com o Primeiro-Ministro e o gabinete o governo da República, sendo aquele eleito pelo voto popular e estes investidos e mantidos em razão do apoio do Parlamento. O Semipresidencialismo permite a superação com maior rapidez de crises políticas e econômicas pela atuação conjunta do Parlamento com o governo, mantendo a relevante figura de líder popular do Presidente. Também, o modelo híbrido estabelece um papel mais ativo do Congresso Nacional, podendo e devendo ampliarseu controle pelos cidadãos e pela sociedade civil.
Ilton Norberto Robl Filho, pós-doutor em Direito (PUCRS) e doutor em Direito (UFPR). Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFPR e da UPF. Coordenador de Pesquisa da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) e Advogado.
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