Será julgado, em breve, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o Recurso Extraordinário nº. 651.703/PR, que discute a incidência do imposto sobre serviços (ISS) sobre as operações de planos de saúde. A solução dada ao caso deverá repercutir em todas as ações judiciais sobre o tema existentes no país.
Defende-se no recurso, basicamente, que as atividades típicas das operadoras de planos de saúde não configuram prestação serviço, tendo, na verdade, natureza securitária, de modo que a competência para tributá-las é da União, e não dos Municípios, seja em função da previsão do art. 153, V, seja em razão do art. 154, I, da Constituição.
Isso porque, de um lado, a prestação essencial que os usuários de planos de saúde esperam receber, ao contratar as operadoras, não consiste num trabalho, num esforço pessoal intelectual ou físico da operadora, mas na simples cobertura, por ela, de determinados gastos que o usuário venha a ter com assistência à sua saúde.
De fato, todas as demais atividades que a operadora desempenha, tais como criar uma rede credenciada de prestadores de serviços, ou manter uma estrutura para a liberação da cobertura de exames, consultas e procedimentos, existem unicamente para viabilizar financeiramente o cumprimento dessa obrigação central, de arcar com os custos da assistência à saúde. Tais atividades, na verdade, interessam mais à operadora do que ao usuário do plano; são, em rigor, meras prestações-meio, instrumentos para o cumprimento de sua obrigação de cobertura. Não são prestações-fim, que satisfaçam o interesse do usuário do plano. Portanto, não são serviços.
De outro lado, o contrato de plano de saúde, embora tenha regulação própria, tem inegável natureza securitária. Trata-se, afinal, tal como os contratos de seguro, de um contrato de risco, aleatório, em que a operadora tanto pode vir a lucrar, como pode vir a ter prejuízo, tudo na exata medida em que o usuário do plano venha ou não necessitar dos serviços de assistência à saúde (de médicos, laboratórios, hospitais etc.) cujo custo esteja acobertado pelo contrato.
Realmente, o contrato de plano de saúde tem a mesma função de garantia inerente aos contratos de seguro; aliás, em rigor, as únicas diferenças essenciais que ele guarda, para com os contratos de seguro-saúde, residem na inexistência de limite financeiro para a cobertura e na possibilidade de condicionar, a prévio credenciamento, a escolha, pelo usuário, dos profissionais e instituições cuja remuneração será coberta.
Se, diante desses argumentos, a posição defendida pelas operadoras de plano de saúde efetivamente prevalecer, como se espera, é provável que surjam, imediatamente, discussões a respeito da possibilidade de as suas atividades virem a ser tributadas, desde logo, pela União. Entendemos, contudo, que não há espaço para a defesa dessa possibilidade.
Como se sabe, não basta que a União seja competente para tributar essas operações; é necessário, também, que ela efetivamente exerça sua competência tributária, mediante a expedição de lei que preveja os traços fundamentais do tributo que incidirá sobre tais operações. E, até o momento, não há legislação relativa a imposto federal que contemple a tributação direta das operações de planos de saúde.
De fato, a legislação atualmente existente sobre o IOF-seguros decididamente não abarca a tributação dos planos de saúde. A hipótese de incidência desse imposto abarca apenas as operações de seguro “... realizadas por... seguradoras...” (art. 1º da Lei nº. 5.143/66). E, para ser seguradora, é necessário que a pessoa jurídica se constitua sob a forma de cooperativa ou sociedade anônima e, ademais, obtenha autorização do Ministério da Indústria e do Comércio para funcionar (art. 24 do Decreto-Lei nº. 73/66), não podendo atuar em qualquer outro ramo de comércio ou indústria, além de se subordinar à fiscalização e às normas expedidas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP). Nada disso é exigido das operadoras de planos de assistência à saúde, que, no que concerne aos requisitos para sua instituição e funcionamento, estão submetidas à disciplina de lei específica (Lei nº. 9.656/98) e subordinadas à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Ademais, no IOF- seguros, o contribuinte é o segurado, e não o segurador, ainda que este último possa guardar a condição de responsável tributário, quando não houver encarregado alguma instituição financeira da cobrança do prêmio, isto é, da contribuição periódica devida pelo segurado (art. 3º, II, do Decreto-Lei nº. 1.783/80).
Por outro lado, ainda que se entendesse que as operações de planos de saúde poderiam estar enquadradas em alguma das hipóteses de incidência do IOF, a União, que jamais demonstrou ter interpretação nesse sentido, tanto que nunca exigiu o IOF sobre as operações de planos de saúde, somente poderia aplicar esse entendimento para situações futuras, em razão da previsão do art. 146 do Código Tributário Nacional, que veda a aplicação retroativa, para fins de lançamento tributário, de mudança de critério jurídico.
Portanto, se vitoriosas as operadoras no iminente julgamento, a União, para poder tributar as operações de planos de saúde, terá de expedir uma nova norma de incidência tributária, que contemple essa hipótese específica. E mesmo que assim não se entenda, de maneira alguma poderá tributar fatos anteriores a essa decisão.
**Ricardo Hildebrand Seyboth é advogado do escritório Assis Gonçalves, Kloss Neto Advogados Associados. Graduado em Direito pela PUC-PR em 2003 e formado em Administração com habilitação em Administração Financeira pela FAE Business School em 2002. Pós-graduado em Planejamento Estratégico e Gestão de Negócio pela FAE, em Direito Empresarial pela PUC-PR e em Direito Tributário pelas Faculdades Integradas Curitiba. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/PR de 2007 a 2012, do Conselho de Usuários da Brasil Telecom/Oi de 2008 a 2013 e do Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais do Paraná de 2013 a 2015. Coautor da obra “Manual Jurídico da Construção Civil” (capítulo “Regulação Urbanística da Construção Civil”). Curitiba: Editora Íthala, 2012. Coautor do “Código Tributário Nacional Anotado”, Editado pela OAB/PR sob a coordenação de Fábio Artigas Grillo e Roque Sérgio D´Andrea Ribeiro da Silva.
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