A decisão judicial que proibiu a publicação de reportagens com o conteúdo de conversas do celular da primeira-dama Marcela Temer desperta o debate sobre o conflito entre o direito à privacidade e a liberdade imprensa. Na última sexta-feira (10) o juiz Hilmar Castelo Branco Raposo Filho, da 21ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, proibiu que o jornal Folha de São Paulo e outros veículos publicassem informações obtidas do celular da primeira-dama por um hacker.
Marcela foi chantageada, quando Temer ainda estava na vice-presidência, pelo hacker Silvonei José de Jesus Souza, que acabou condenado a cinco anos e 10 meses de prisão. Na reportagem da Folha foi divulgado o diálogo entre a agora primeira-dama e o hacker, que prometia “jogar na lama” o nome de Temer. Além disso, também é citado na matéria o conteúdo que ele ameaçou divulgar: uma conversa de Marcela com seu irmão em que ela teria afirmado que um marqueteiro seria o responsável por negociações “baixo nível” para Temer.
Ao conceder o pedido liminar dos advogados da primeira-dama, o juiz considerou que a “inviolabilidade da intimidade de Marcela tem resguardo legal claro”.
O artigo 5º da Constituição Federal define que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Por outro lado, o mesmo artigo da Constituição prevê a livre manifestação do pensamento e a liberdade de expressão de comunicação. E o artigo 220, também da CF, determina que a informação não sofrerá qualquer restrição.
Para o professor de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Rodrigo Xavier Leonardo conteúdos da esfera íntima, como fotos de família, não poderiam ser divulgados, mas tanto a conversa com o hacker quanto a que a primeira-dama teve com o irmão são de interesse público. No primeiro caso, a possível existência de uma ameaça contra a ela e o presidente interessariam a todos os brasileiros. “A divulgação é necessária pois é um crime que agride a sociedade como um todo”, diz Leonardo.
E, na segunda situação, em que pode haver indício de um desvio de conduta por parte de Temer em relação às suas atividades públicas, também seria razoável que o público em geral tivesse acesso, explica o jurista. “Não deveria sequer se cogitar um pedido de censura a cerca desse tipo manifestação. Tentar coibir é assustador”, lamenta o advogado. “No Brasil, há uma postura em geral de insuportabilidade dos agentes públicos de acesso a informações que digam respeito ao exercício de suas funções”, completa.
Para a professora de direito da Universidade de São Paulo (USP) Maristela Basso, ao divulgar o conteúdo dos áudios, o jornalista cumpre seu papel social de avaliar o que é relevante e divulgar para o público. “O jornalista publicou porque essa é a função dele e considerou que a conversa tem uma atmosfera que possa ser interessante para o público”.
Na opinião de Maristela, o hacker precisa responder cível e penalmente se conseguiu acesso às informações de forma ilícita, mas, ao jornalista, cabe divulgar, e à polícia investigar se os indícios que conversa aponta realmente se tratam de atos ilícitos. Tentar impedir a publicação “é cerceamento da liberdade de imprensa”, conclui a jurista.
Xavier Leonardo complementa: “Informação se combate com informação” e destaca que caberia ao presidente da República dar explicações e não tentar esconder o conteúdo que veio à tona
Privacidade
Para professor de Direito Público da UFPR Egon Bockmann Moreira, não seria o caso de se divulgar conversas privadas e o fato de Marcela não exercer cargo público faz com que pese mais ainda o resguardo sobre seu direito à privacidade. Além disso, sua conversa com o irmão, uma pessoa extremamente íntima, não seria de interesse público.
“A conversa dela não foi feita por um funcionário público no exercício da função, mas ocorreu no campo mais nuclear da intimidade. Nesse caso, é bastante relevante o juiz do caso chegar à conclusão de que se trata de alguma coisa que pode gerar um prejuízo à imagem que pode ser irreparável”, avalia Moreira.
Na opinião do professor da UFPR, se o conteúdo da gravação apresentar informações que despertem suspeitas sobre o presidente da República, isso deve ser repassado com sigilo ao Ministério Público, a quem caberá avaliar se é preciso ou não apresentar denúncia.