No ano 2000, o Ministério Público Federal e a Justiça Federal trouxeram a público um grande caso criminal de corrupção envolvendo o alto escalão da Prefeitura Municipal de Maringá. Tratava-se de um esquema criminoso através do qual uma quadrilha havia desviado mais de 100 milhões de reais dos cofres públicos ao longo de 5 anos. Foram presos o prefeito e o secretário municipal, aquele por poucos dias e este tendo permanecido por quase 5 anos encarcerado. Cerca de 20% dos valores foram devolvidos ao município.
Passados 15 anos, muitos processos conexos ainda não terminaram. Autoridades com prerrogativa de foro sequer foram denunciadas, apesar de indícios veementes de que teriam se beneficiado do esquema. Bens comprados com o dinheiro público desviado estão penhorados em processos trabalhistas e execuções cíveis, prolongando indefinidamente qualquer tentativa de devolução dos valores ao município.
Em 2010, a Associação Paranaense de Juízes Federais (APAJUFE) e a OAB-PR estiveram à frente do movimento “O Paraná que Queremos”, um movimento social contra a corrupção na Assembleia Legislativa do Estado do Paraná. Estimativas tímidas apontam que cerca de 200 milhões de reais foram desviados, principalmente por meio de pagamento de funcionários fantasmas e contratos inexistentes, entre os anos de 1997 e 2010. Em 2014, o principal acusado foi condenado a mais de 18 anos de prisão e se encontra atualmente preso. Curiosamente, as ações de improbidade contra as autoridades públicas que supostamente se beneficiaram do esquema, ajuizadas entre 2010 e 2012, seguem indefinidas até hoje e quase nada do dinheiro desviado retornou aos cofres estaduais.
Nos 10 anos entre os escândalos da Prefeitura de Maringá e da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, centenas, talvez milhares de outros casos igualmente vultosos foram praticados Brasil afora. A semelhança entre ambos os casos, e sua conexão com todos os demais, está no baixo índice de punição e na ineficiência das tentativas de se recuperar o dinheiro desviado. A maior diferença pode ser notada no fato de que, no caso da Assembleia, a sociedade marchou contra a corrupção e desta pressão social surgiu a Lei da Transparência do Estado do Paraná (Lei nº 16.595/2010), muito mais extensa e completa que a Lei federal de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2012).
Paralelamente, entre 2002 e 2014, no âmbito federal dois grandes esquemas de corrupção foram montados. O primeiro, chamado “Mensalão”, foi julgado perante o STF na ação penal nº 470, terminando em 2013 com a condenação de 25 pessoas, inclusive importantes figurões da política, banqueiros e empresários. O segundo, chamado “Petrolão”, vem sendo investigado pela Operação Lava-Jato, corre perante a 13ª Vara Federal de Curitiba e se trata, aparentemente, do maior caso de desvio de dinheiro público do mundo ocidental.
Muitos achavam que o julgamento do “Mensalão” seria um divisor de águas na história da República e que o Brasil, dali em diante, seria um país menos corrupto. Ledo engano. Nada mudou. A história da República continuava a mesma: uma sucessão de escândalos com o dinheiro público, poucas condenações e parca recuperação dos valores desviados. A corrupção na Petrobrás, investigada pela Operação Lava-Jato, continuou sendo praticada antes, durante e depois do julgamento do “Mensalão”, inclusive por alguns dos mesmos protagonistas.
Há razões, entretanto, para se acreditar que a Operação Lava-Jato não será apenas um soluço institucional, tendo potencial para fomentar mudanças concretas no tratamento legal e judiciário da corrupção.
A Lava-Jato, ao contrário de todas as demais operações anteriores, foi beneficiada por uma conjuntura extremamente peculiar.
Em termos institucionais, o processo tem tramitado em mãos de juízes com visões de mundo e do processo muito semelhantes. Todos discretos, rígidos e com imensa disposição para o trabalho.
O fato de o principal doleiro do esquema ser radicado no Paraná, atraiu a competência da Vara Federal Especializada em Lavagem de Dinheiro de Curitiba, titularizada pelo juiz federal Sérgio Moro, reconhecido no meio jurídico pelo seu preparo intelectual, experiência em julgamentos de casos da macro-criminalidade e uma indiscutível capacidade de trabalho. Os recursos contra as decisões da primeira instância têm sido julgados por desembargadores federais do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que compartilham da mesma visão processual e de mérito do juiz federal. As ações envolvendo autoridades com foro privilegiado, e desmembradas da ações que tramitam em Curitiba, foram distribuídas no Supremo Tribunal Federal ao ministro Teori Zavascki, ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. E para dissipar dúvidas sobre como pensa o ministro, basta notar que ordem sua determinou recentemente, e de forma liminar, a busca a apreensão de bens na casa de senadores e deputados – medida inédita na história do STF.
A celeridade imprimida à tramitação processual pelo juiz federal, aliada às dezenas de prisões de pessoas conhecidas e à manutenção das prisões pelos tribunais, chamou a atenção da imprensa e da população em geral. A opinião pública acompanha atenta cada nova fase da Operação Lava-Jato e seus pormenores são conhecidos e discutidos por boa parte da população. Manifestações de apoio correm aos milhares nas redes sociais e a operação foi a principal vedete das marchas populares do dia 16 de agosto.
Tratando-se de um gigantesco e monstruoso caso de corrupção, as falhas legislativas, que levam a dificuldades processuais incomuns na perseguição de criminosos de colarinho branco, foram expostas com toda intensidade na Operação Lava-Jato. A dissecação dos complexos esquemas fraudulentos demonstrou a fragilidade dos mecanismos legais existentes. Essa constatação fez com que o juiz Federal Sérgio Moro e o Ministério Público Federal apresentassem propostas de alterações legislativas para que os mecanismos de prevenção e combate à corrupção fossem aprimorados.
Essa conjuntura, resultante da soma de um processo rumoroso de corrupção, a massificação do apoio popular ao trabalho das instituições envolvidas e as propostas de alteração legislativas apresentadas têm potencial para que mudanças significativas sejam realizadas e o país consiga dar um passo firme para sair do atoleiro da corrupção no qual se encontra paralisado. As propostas apresentadas são a semente da mudança e a chave para o amadurecimento institucional brasileiro. Sem as reformas propostas, a Operação Lava-Jato, por mais importante que tenha sido, será apenas o nome de mais um escândalo de desvio de verbas públicas. Um soluço institucional, esporádico e breve, como forma de lembrar que o Brasil não é um país mais corrupto que os outros; é apenas menos fiscalizado.
*Anderson Furlan, juiz federal, especialista, mestre e doutorando em Ciências Jurídico-Econômicas pela Faculdade de Direito de Lisboa, autor das obras Direito Ambiental (Ed. Forense) e Planejamento Fiscal (Ed. Forense), além de outros livros e artigos publicados no Brasil e no exterior. Presidente da Associação Paranaense dos Juízes Federais - APAJUFE (2010-2012; 2014-2016). Escreve quinzenalmente para o Justiça & Direito.
** As opiniões expressas nas colunas apresentam o ponto de vista de seus autores e não refletem o posicionamento do caderno Justiça & Direito, nem do jornal Gazeta do Povo.
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