A Economia, enquanto ciência, deixou de ser apenas um ramo do conhecimento humano para servir como verdadeira lente, através da qual se torna possível analisar os mais diversos fatos da vida em sociedade. Muitas situações jurídicas e concepções comuns podem passar pelo crivo da economia, ou melhor, por uma “abordagem econômica”, na expressão de Gary Becker.
A abordagem econômica de determinados fatos sociais pode contrariar o senso comum, trazendo luz para situações obscuras, muito embora comumente aceitas. Adam Smith, por exemplo, analisando a escravidão sob o prisma econômico no livro A Riqueza das Nações, escreveu: “Segundo acredito, a experiência de todas as épocas e nações demonstra que o trabalho executado por escravos, embora aparentemente custe apenas a própria manutenção dos escravos, ao final é o mais caro de todos. Uma pessoa incapaz de adquirir propriedade não pode ter outro interesse senão comer o máximo e trabalhar o mínimo possível. Se algo ela fizer, além do suficiente para pagar a própria manutenção, só o fará se isso a beneficiar pessoalmente, sendo impossível obrigá-la a fazer esse algo mais senão sob violência. (...) Assim, nas manufacturas produzidas pelos escravos ter-se-á empregado, geralmente, mais trabalho para executar a mesma quantidade de trabalho do que naquelas efectuadas pelos homens livres.”
De igual modo, a política anti-drogas, quando analisada pelo prisma econômico, possui resultados que desafiam as conclusões mais óbvias. Gregory Mankiw, economista americano, tratou desse tema. Consoante suas lições, as drogas tem uma demanda inelástica, ou seja, que não se altera em função do aumento de preço, pois os viciados não abandonam o vício se o preço aumentar. O aumento no preço aumenta a receita total do mercado. Os criminosos que cometiam pequenos furtos para sustentar o vício passarão a praticar crimes mais graves para conseguir mais dinheiro, caso o preço da droga aumente em função da redução da oferta. A conclusão é que uma política anti-drogas eficiente deve ser dirigida principalmente para redução do consumo focada na demanda (consumidores) e não na oferta (vendedores - traficantes). Todavia, ainda que a redução da oferta no curto prazo possa gerar o aumento de crimes pelos viciados, ela pode funcionar no longo prazo, uma vez que o preço alto desencorajaria os novos usuários a entrar no mercado, reduzindo a criminalidade a longo prazo.
Estes exemplos servem para ilustrar a importância de se analisar os problemas a partir de uma abordagem econômica (sem prejuízo de outras) para que os resultados possam ser ótimo ou, ao menos, satisfatórios.
A Economia oferece várias ferramentas teóricas para se analisar os problemas sociais. As mais conhecidas são algumas máximas e conceitos, tais como:
1) As pessoas reagem a incentivos. A alteração no preço faz os consumidores alterarem seu comportamento; 2) os mercados são geralmente uma boa maneira de organizar a atividade econômica; 3) às vezes os Governos podem melhorar os resultados dos mercados, garantindo a propriedade e corrigindo falhas de mercado (externalidade - situação em que o mercado não consegue fazer uma alocação eficiente dos recursos disponíveis); 4) se o preço de um bem aumenta, a demanda cai. Se o preço cai, a demanda sobe; 5) se o preço de um bem aumenta, a quantidade ofertada desse bem também aumenta e, quando o preço de um bem cai, a quantidade ofertada desse bem também cai; 6) elasticidade é a “medida da resposta dos compradores e vendedores às mudanças das condições do mercado, nos permite analisar a oferta e a demanda com maior precisão” (Mankiw), sendo elástica a oferta ou demanda quando se tem grandes variações em relação ao preço, e inelástica quando não variam.
Com esses instrumentos, é possível se analisar, por exemplo, uma política pública anti-tabagista. Assim, se o governo quer diminuir a demanda por cigarros, pode fazer duas coisas: tentar influenciar o consumidor, através de anúncios de doenças nas embalagens e proibição de comerciais de cigarros, ou elevar o preço, por intermédio da tributação. Estudos mostram que 10% de aumento no preço acarreta uma redução de 4% da demanda. Entre os adolescentes, o aumento de 10% acarreta 12% de redução da demanda. (Mankiw)
Certamente o problema ambiental não desafiava a economia, e passou a fazê-lo a partir dos anos 70 do século XX, sendo que a questão ambiental ganhou tamanha importância política que os economistas tiveram que se debruçar sobre ela para analisar os efeitos que impunham ao comércio.
Em matéria de meio ambiente e economia, é muito comum se referir à Tragédia dos Comuns (Garrett Hardin). Como já dizia Aristóteles “O que é comum a muitos é o que recebe menos cuidados, porque todos tem maior preocupação com o que é seu do que com aquilo que possuem em conjunto com os outros” (Mankiw). A tragédia dos recursos comuns está no fato de que seu uso/consumo indiscriminado gera a escassez para que outros ou gerações posteriores também possam usufruí-los.
É imprescindível, nessa quadra em que vivemos, que o ambientalismo seja levado a sério. “O ambientalismo (...) vê a humanidade como uma espécie biológica estreitamente dependente do mundo natural (...). Muitos dos recursos naturais da estão em vias de exaustão, a química de sua atmosfera está a deteriorar-se e as populações humanas já cresceram de forma excessivamente perigosa. Os ecossistemas naturais, as nascentes de um ambiente saudável, estão a ser irreversivelmente degradados.... Sou suficientemente radical para levar a sério a questão ouvida cada vez com mais frequência: é a humanidade suicida?” (E.O. Wilson, biólogo de Harvard)
A tragédia dos comuns atualmente ocorre em escala planetária, pois os impactos da degradação ambiental já ameaçam a própria vida no planeta. E por essa razão o problema ambiental exige soluções e respostas mais rápidas e mais eficientes.
Existem diversos instrumentos jurídicos que podem e devem ser utilizados pelo Estado na formulação de políticas econômicas para regulação do meio ambiente, estimulando comportamentos dos consumidores de bens ambientais. O Estado pode lançar mão de a) Políticas de Comando e Controle (regulamentação, ou seja, o governo torna obrigatórios ou proibidos determinados comportamentos de produtores e consumidores, visando corrigir as externalidades negativas.); b) Políticas baseadas no Mercado (ex. pela tributação e incentivos fiscais o Governo age sobre a formação do preço, orientando economicamente o comportamento de produtores e consumidores. São denominados impostos de Pigou, em homenagem ao economista Arthur Pigou - 1877-1959).
Dois exemplos podem ser utilizados para se entender a forma de atuação dos Estados: a poluição e o uso da água. A questão da poluição geralmente é tratada via regulação e a questão da água pela tributação.
Sobre a poluição, Samuelson ensinava que “Abraham Lincoln disse que o governo tem ‘de fazer pelas pessoas o que é preciso fazer e estas não conseguem fazer através do esforço individual ou não conseguem fazer tão bem.’ O controle da poluição satisfaz este critério uma vez que o mecanismo de mercado não proporciona um adequado controle dos agentes poluidores. As empresas não irão restringir voluntariamente as emissões de químicos nocivos, e nem sempre se abstém de despejar resíduos tóxicos nos terrenos. Portanto, o controle da poluição é geralmente tido como como uma função legítima do governo.”
No que tange à questão da água, parece ser melhor utilizar a tributação, aumentando-se o preço da água de modo a desencorajar o desperdício. Quando se tributa um bem, a tendência é que a quantidade de bem vendida seja diminuída. Dados relativos ao consumo da água endossam esse entendimento: “dados de todo o mundo demonstram que, quando as cidades aumentam o preço da água em 10%, o uso desta cai até 12%. Quando o preço da água para fins agropecuários aumenta 10%, o uso desta cai 20%. (...) Fazendo da água uma mercadoria e rompendo os grilhões das forças de mercado, os formuladores de políticas podem garantir que haja oferta de água em abundância para todos. Novas políticas não acabarão com as secas, mas diminuirão a pena que elas impõem ativando o poço invisível dos mercados de água” (The Wall Street Journal, 23.08.1999, p. A14, citado por Mankiw).
A regulação econômica do meio ambiente é a matriz do moderno Direito Ambiental, servindo para funcionalizar os mais importantes princípios ambientais.
Tome-se o caso do princípio do desenvolvimento sustentável – extraído do art. 225, caput, da Constituição Federal –, segundo o qual deve haver uma conciliação adequada entre a preservação do meio ambiente e a exploração econômica do mesmo. A ele se junta o art. 170, VI, que expressa que a ordem econômica tem como um de seus princípios a defesa do meio ambiente. Estas normas apenas adquirirão plena eficácia se os instrumentos de regulação econômica forem colocados em prática, para, entre outras coisas, impedir um crescimento que coloque em risco o meio ambiente.
Vários outros dispositivos constitucionais dão lastro à regulação econômica do meio ambiente (ex. art. 225, §§ 1º, inciso V, 2º e 3º), assim como várias leis utilizam instrumentos regulatórios para diminuir danos ao meio ambiente.
O art. 19 da Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos), por exemplo, trata da cobrança pelo uso de recursos hídricos, tendo como objetivo: (i) reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor; (ii) incentivar a racionalização do uso da água; (iii) obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos.
Outras políticas nacionais seguem a mesma trilha, como a: Política Nacional de Educação Ambiental - Lei nº 9.795/99; Política Nacional Urbana - Lei nº 10.257/01 (Estatuto da Cidade); Política Nacional da Biodiversidade - Decreto nº 4.339/02; Política Nacional de Saneamento Básico - Lei nº 11.445/07; Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais - Decreto nº 6.040/07; Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e Pesca – Lei 11.959/2009; Política Nacional sobre Mudança do Clima – Lei 12.187/2009; Política Nacional de Resíduos Sólidos – Lei nº 12.305/2010.
Apesar de soar utópico, o Brasil e os demais países do mundo tem o dever indeclinável de promover todos os esforços para minorar os efeitos deletérios da busca desenfreada pelo crescimento econômico à custa de danos ambientais, cada dia mais irreparáveis. Afinal, como disse certa vez Edward Abbey, “o crescimento, por amor ao crescimento, é a ideologia das células cancerígenas.”
*Anderson Furlan, juiz federal, presidente da APAJUFE - Associação Paranaense dos Juízes Federais.
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