Por mais que hoje vivamos num mundo de discordâncias (políticas, jurídicas, econômicas, etc.), existem alguns fatos que podem apresentar consenso. Um deles é a constatação de que o Estado brasileiro necessita de investimentos de infraestrutura. Sem tais aportes, que são elevados, permaneceremos com gargalos impeditivos do desenvolvimento nacional. De igual modo, na medida em que, nos termos da nossa Constituição (sobretudo o seu art. 21), boa parte dos bens relativos à infraestrutura pertence ao domínio público, é pacífico que tais investimentos exigem a participação do Estado (como executor ou contratante). Logo, serão necessários contratos públicos para transpor tais barreiras.
Assim, fato é que precisamos de tais investimentos público-privados para solucionar alguns dos nossos problemas de infraestrutura e, ao mesmo tempo, obter ganhos no curto prazo. Afinal, a celebração de contratos que envolvam muito investimento inicial implica a contratação de pessoas, o desenvolvimento de projetos, o funcionamento de máquinas – enfim, trabalho que gera aquecimento da economia. Em médio prazo, igualmente há vantagens consistentes: a eliminação dos gargalos e a fluidez aos demais setores econômicos. Por fim e não menos importante, em longo prazo a estabilidade de tais contratos atesta que se pode confiar nas instituições, o que é fundamental. A segurança jurídica gera um ciclo virtuoso de longo prazo, em respeito ao Estado de Direito. Quanto menores os riscos para a celebração de um contrato administrativo nos dias de hoje, muitíssimos menores serão os dos contratos futuros: é a virtuosidade a gerar confiança e estabilidade das instituições.
Mas quais seriam os contratos aptos a implementar obras de infraestrutura? Em termos simplistas, são de duas ordens: os de desembolso e os de investimento. Os primeiros dependem do orçamento público e geram uma relação em que o Estado define minuciosamente o que será feito, para depois licitar e contratar o particular para a execução. Exemplo marcante é o tradicional contrato de empreitada, regido pela Lei 8.666/1993 e, mais recentemente, também pelo Regime Diferenciado de Contratações – o RDC. Estes dependem da disponibilidade de receita pública (quem os paga é só o contribuinte). São contratos que envolvem obras de interesse público – o que, por si só, demonstra a necessidade de terem preservada a respectiva segurança jurídica.
Já os contratos de investimento são aqueles que não dependem prioritariamente de verba pública, mas de aportes privados. O empreendedor angaria recursos (empréstimos com instituições financeiras ou acionistas) e banca o investimento. Depois, será remunerado pelo usuário, com ou sem a participação do Estado na contraprestação (ou em alguns dos investimentos iniciais). Estes são regidos pelas Leis 8.987/1995 (Lei Geral de Concessões, que regula as concessões comuns); 11.079/2004 (PPPs, que regula as concessões administrativas e as patrocinadas); 12.815/2013 (Lei Geral dos Portos, que regula as concessões, os arrendamentos e as autorizações portuárias) – dentre outras. Aqui, a racionalidade jurídico-econômica é significativamente diversa daquela da dos contratos de desembolso.
Isso porque os contratos de investimento envolvem projetos com longa maturação (demoram a gerar o retorno previsto). Não são como as empreitadas, em que o contratado recebe o pagamento tão logo a obra seja recebida. São contratos com fluxos de caixa razoavelmente complexos, com décadas de duração, os quais exigem aporte bastante robusto ao início e o pagamento é fragmentado, em parcelas proporcionalmente miúdas, de usual pagas pelos usuários. Aqui, a estabilidade – do contrato e da regulação – é ainda mais essencial. Em outras palavras, a segurança jurídica é decisiva: caso os riscos – contratual e regulatório – sejam elevados demais, só loucos e aventureiros cogitarão de investir. E de loucos e aventureiros estamos cheios, não precisamos mais deles – é melhor manter distância. Por isso que se faz necessário desenvolver alternativas que reforcem a segurança jurídica imprescindível a tais contratos de interesse público.
Porém, quais são alguns dos problemas que hoje existem nas leis e nos projetos de investimento público-privado de longo prazo? Como se pode tentar resolvê-los? A fim de pensar nisso, o Sr. Ministro da Fazenda constituiu um Grupo de Trabalho, formado por Carlos Ari Sundfeld; Fabrício Dantas; Flávio Amaral Garcia; Paulo Farah Correa; Rafael Valim; Valter Shuenquener de Araújo e, mais recentemente, Floriano Marques Neto (além do ora subscritor). O que se constatou, em termos singelos? Que existem três ordens de complicações: aquelas da fase interna da licitação (a definição do objeto do contrato e a elaboração de projetos de qualidade); as da fase externa (o muitas vezes kafkaniano processo de licitação para a escolha do futuro contratado) e aquelas da fase de execução do contrato (a necessária estabilidade do pacto). Não é pouca coisa, mas é necessário se dar o primeiro passo.
Daí os projetos legislativos em elaboração, que tratam do acréscimo de alguns artigos na Lei de Instrução às Normas do Direito Brasileiro (com o intuito de conferir segurança jurídica a atos, regulamentos e contratos de direito público); a modificação de outros tantos na Lei 8.666/1993 e, sobretudo, no assim denominado PPPMAIS (justiça seja feita: quem teve as ideias primais e fez a parte substancial foi o Carlos Ari) O PPPMAIS pretende instalar contratos público-privados avançados, que são muito mais do que as PPPs da 11.079, ao lado da definição normativa de contratações de fomento. O PPPMAIS se destina a definir empreendimentos de prioridade estratégica nacional e disciplinar desde a sua regulação e estruturação até a respectiva execução, passando pela liberação de licenças, licitações e contratações. É um modelo que inicialmente será posto em prática em número limitado de projetos, para depois ser expandido.
Mas quais seriam os seus pontos-chave? Vou rapidamente elencar apenas seis deles. Há muito mais do que isso em discussão, mas estes seis permitem que se tenha uma visão geral a respeito do que se pretende consolidar.
O primeiro é a criação do Conselho Nacional do PPPMAIS, que deteria competências para definir e gerenciar os contratos avançados. Este conselho, à semelhança do CNJ e do CNMP, funcionaria com composição público-privada (agentes públicos em número certo e pessoas de notória reputação e idoneidade, com dedicação exclusiva). Haveria centralização estratégica e transparente, com o mínimo de burocracia, a conferir agilidade aos projetos. O Conselho poderá ter sua atuação instalada de ofício – ou através de iniciativa de quaisquer pessoas, públicas ou privadas, que demonstrem a utilidade nacional de determinado projeto de infraestrutura.
O segundo ponto-chave é a estruturação e a seleção especial de projetos de interesse nacional prioritário. A proposta é a de ampliar o interesse de investidores, por meio da definição de empreendimentos estratégicos, de molde a unificar e conferir eficiência à atuação de todos os órgãos e entidades que deles participarão. O escopo desse item é o de permitir que determinados projetos contemplem um rito acelerado e bem mais estável. Isso numa perspectiva de ampla publicidade e participação cidadã aberta.
O terceiro é a contratação diferenciada de projetos, seja por meio de Procedimento de Manifestação de Interesse (e também de Procedimento Preliminar de Manifestação de Interesse), seja atenuando as exigências burocrático-formais para a seleção do contratado (com a respectiva compensação pelo incremento de exigências e garantias na fase de execução). Aqui, a abertura para investidores internacionais é marcante. De igual modo, pretende-se instalar o dever de interação com o CADE caso haja indício de situações que possam configurar condutas anticoncorrenciais.
O quarto é a criação de contratos público-privados avançados, qualificados pela mínima intervenção do Poder Público em sua execução, ao lado de garantias para a aplicabilidade dos preços e tarifas contratualmente definidos. O recurso a tribunais arbitrais será cogente em qualquer hipótese de conflito. As regras de eventual alteração contratual serão explícitas e limitadas, com restrição à celebração de termos aditivos (além da prévia divulgação pública dos documentos, com acesso irrestrito). Será também importante a constituição de Sociedades de Propósito Específico para a celebração de contratos, conferindo segregação e autonomia ao respectivo projeto.
O quinto é a criação de uma sociedade anônima estatal, com o escopo de estruturar projetos nacionais, detentora de competência para desenvolver todos os estudos necessários aos empreendimentos. Com quadro enxuto ao máximo, o seu objetivo é o de congregar capacidades que permitam a criação de modelagens – jurídica, de engenharia e econômica – consistentes para contratos público-privados avançados. Esta sociedade estatal poderá ser contratada com dispensa de licitação pelos respectivos poderes públicos.
O sexto ponto-chave – um dos mais importantes – é a diretriz de convivência e interação cooperativa entre os órgãos e entidades que desenvolverão as PPPMAIS. O trabalho será desenvolvido de modo republicano e transparente, integrando os órgãos e entidades federais, estaduais, distritais e federais (desde que conjuguem dos efeitos do projeto), lado a lado com os órgãos regulatórios e de proteção à concorrência. Aqui, haverá a imputação de deveres aos agentes competentes, que deverão priorizar o respectivo processo de contratação estratégica. De igual modo, o processo terá tempo certo, com prazos prescricionais fechados. Isso com acesso irrestrito de todas as informações aos órgãos de controle, com a possibilidade de interação imediata na hipótese de surgimento de quaisquer dúvidas (antes que elas possam se transformar em problemas).
Enfim e como acima mencionado, estes são apenas alguns pontos-chave que permitem a compreensão do objetivo visado pelo projeto de lei da PPPMAIS: estabelecer eficiência nas contratações públicas, conjugada com a imprescindível segurança jurídica na execução dos contratos. A toda evidência, este artigo reflete a compreensão exclusiva de seu autor, relativamente a assunto que ainda está em debate no Grupo de Trabalho.
*Egon Bockmann Moreira: Advogado. Doutor em Direito. Professor da Faculdade de Direito da UFPR. Professor visitante da Faculdade de Direito de Lisboa (2011) e do Centro de Estudos de Direito Público e Regulação - CEDIPRE, da Faculdade de Direito de Coimbra (2012). Conferencista nas Universidades de Nankai e de JiLin, ambas na China (2012). Palestrante nos cursos de MBA, LLM e Educação Continuada na FGV/RJ. Escreve às segundas-feiras, quinzenalmente, para o Justiça & Direito.
** As opiniões expressas nas colunas apresentam o ponto de vista de seus autores e não refletem o posicionamento do caderno Justiça & Direito, nem do jornal Gazeta do Povo.
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