1.A influência do mass media

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Com exceção dos ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, os demais sucumbiram à pressão do mass media e “negaram vigência” ao princípio da presunção de inocência [1], constitucionalmente integrado no repertório dos direitos e das garantias individuais (CF, art. 5º, LVII) e, por via de consequência, “revogaram” os seguintes dispositivos: (a) arts. 50 e 51 do Código Penal e 164 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984), que exigem o trânsito em julgado da sentença condenatória para a execução da pena de multa; (b) arts. 105 e 147 da LEP, que estabelecem a mesma condição para o cumprimento das penas privativa de liberdade e restritiva de direitos; (c) art. 283 do Código de Processo Penal, que taxativamente declara: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença transitada em julgado ou, no curso da investigação p ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.

Trata-se de uma decisão de conjuntura motivada pela exploração sensacionalista dos meios de comunicação social que acusam o sistema criminal pela demora dos processos criminais e, em especial, pela utilização supostamente indevida de recursos em favor de réus já condenados em crimes graves, como homicídio qualificado.

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Em um Estado Democrático de Direito, como é o nosso por declaração expressa do primeiro artigo da Constituição Federal, a liberdade de informação, que corresponde aos direitos de informar, de se informar e de ser informado não pode ser amputada, sob pena de ofensa ao regime político adotado e, mais diretamente, ao texto claro do § 1º do art. 220 da mesma lei fundamental, que reza: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e IV”.

No entanto, em um sistema positivo democrático não há liberdades, direitos e garantias absolutos. Assim sendo, a própria Constituição, ao declarar e garantir a liberdade de informação, inclusive a jornalística, submete esse princípio às restrições indicadas no próprio texto. E, entre elas, estão a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (CF. art. 5º, X).

É evidente que o crime, como o mais grave dos ilícitos sociais, não pode ficar no desconhecimento da população quando suas consequências merecem a reprovação dos cidadãos. Mas uma coisa é noticiar a existência do delito e seu autor quando essa informação é necessária em favor da segurança pública, da paz social, da prevenção da reincidência, de seu controle etc. Outra é a sistemática e ruidosa exploração do fato e seu autor para aumentar níveis de audiência como fator de interesse comercial pela propaganda de programas com matérias policiais. Como todas as profissões, o jornalismo não pode descurar da responsabilidade social da imprensa. A propósito, merece referência a lúcida opinião da Desembargadora do Tribunal Federal da 2ª Região (RJ/ES), Simone Schreiber: “A incompatibilidade entre a verdade midiática e a verdade mediada pela atividade processual (única que pode arrimar um veredicto condenatório válido e justo) já é por si um elemento de tensão entre a imprensa e o judiciário. Ademais, o propósito de influenciar o resultado do julgamento criminal é parente no ‘jornalismo militante no combate ao crime’. É necessário portanto desmistificar a idéia de que eventuais restrições postas à liberdade de expressão para promoção de outros direitos implicam, em última análise em cerceamento indevido da única instituição depositária dos ideais democráticos no país. Contudo, não se quer sustentar que qualquer cobertura jornalística de feitos criminais é espúria, persistindo a necessidade de distinguir as manifestações lícitas das ilícitas, entendidas como ilícitas aquelas que violem o direito do réu ao julgamento justo” [2].

Um aspecto revelador do mass media sobre a decisão do STF, que, na decisão de 17 de fevereiro deste ano (HC 126292), procurou assumir a função de legislador, são as permanentes manifestações de alguns ministros em entrevistas para jornais, rádio e TV sobre temas sociais e políticos de natureza controvertida e que, não raro, desqualificam a imparcialidade inerente ao honroso cargo e a cívica missão institucional. Como é curial, na relação constitucional de direitos e garantias fundamentais existem cláusulas pétreas que não podem ser objeto de emenda tendente a suprimi-las, por expressa disposição do art. 60, § 4º, IV. E uma delas é a presunção de inocência (CF, art. 5º, LVII), Sendo assim, além de assumirem o papel de “legisladores de ocasião”, alguns ministros da mais alta Corte do País foram ao extremo de negar eficácia a uma cláusula consagrada por sistemas estrangeiros a partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Paris, 1786, art.9º), portanto, há quase 300 (trezentos) anos [3]! E outros documentos de igual natureza, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem (Paris, 1948, art. XI, 1) [4]; Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (Bogotá, 1948, art. XXVI); Convenção Europeia dos Direitos do Homem (Roma, 1950, art. 6º, nº 2); Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica (1969, art. 8º, nº 2).

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O princípio, rectius, cláusula pétrea em nosso sistema constitucional é também consagrados em Cartas Políticas modernas, como a de Portugal (artigo 32º, nº 2) e da Espanha (art. 24, nº 2).

Como se pretende demonstrar no próximo artigo, o erro judiciário praticado pelo Supremo Tribunal Federal para atender a mídia sensacionalista e suprir a manifesta falta de critério na distribuição e julgamento dos feitos de matérias sobre direitos e às garantias fundamentais será objeto de inúmeras ações de indenização (CF, art. 5º, LXXV) quando o Superior Tribunal de Justiça e até mesmo o Supremo anularem condenações penais em segunda instância por força de habeas corpus ou recurso especial ou extraordinário. (Segue).

[1] Designado equivocadamente pelo constituinte de 1988 como “presunção de não culpabilidade”.

[2] A publicidade opressiva de julgamentos criminais. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 412 (itálicos meus).

[3] “Como todo homem deve ser presumido inocente até que tenha sido declarado culpado, se se julgar indispensável detê-lo, todo rigor desnecessário para que seja efetuada a sua detenção deve ser severamente reprimido pela lei”.

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[4] “Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.

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* René Ariel Dotti: Advogado; Professor Titular Direito Penal; Vice-Presidente Honorário da AIDP; Comenda do Mérito Judiciário do Paraná; Medalha Mérito Legislativo da Câm. dos Deputados (2007); Corredator do projeto da nova parte geral do CP e da Lei de Execução Penal (Leis 7.209 7.210/84; Membro de comissões de Ref. do Sist. Penal criadas Min. da Justiça (1979 a 2000); Diploma da OAB, Câmara dos Deputados e Comissão da Verdade (1964-1985) Secretário Secretaria de Cultura do Paraná (1987-1991).

** As opiniões expressas nas colunas apresentam o ponto de vista de seus autores e não refletem o posicionamento do caderno Justiça & Direito, nem do jornal Gazeta do Povo.