1.O desaparecimento
A modelo Eliza Samudio desapareceu no dia 4 de junho de 2010, quando deixou um hotel no Rio e foi ao sítio do goleiro Bruno (Fernandes das Dores de Souza), em Esmeraldas (MG), levando Bruninho, o filho que teria tido com o goleiro. Três semanas depois, policiais foram ao imóvel, mas não encontraram a criança. A mulher do goleiro, Dayane Rodrigues, negou a presença do bebê no sítio. No entanto, o funcionário Wemerson Marques, conhecido por Coxinha, confessou ter recebido a criança de Dayane, tendo-a entregue a um terceiro. Este, por sua vez, deixou a criança com uma mulher em Ribeirão das Neves (MG), onde ele foi encontrado no dia 26 de junho.
2.Vestígios de um crime
Dois dias depois, a polícia fez uma varredura no imóvel atrás de pistas sobre o desaparecimento de Eliza. Encontrou fraldas, roupas femininas e uma passagem aérea com nome ilegível. No carro de Bruno havia manchas de sangue no assoalho e no porta-malas, que a perícia comprovou serem de Eliza. Um par de óculos escuros e sandálias, encontrados no automóvel, foram reconhecidos por testemunhas como sendo da jovem. No dia 1º de julho, o jogador finalmente falou sobre o assunto e disse que estava preocupado com o desaparecimento da modelo.
3.Os crimes de especial gravidade
No dia 6 de julho, em entrevista a uma rádio, o tio de um dos envolvidos contou que o sobrinho, então com 17 anos, confessara que ele e Macarrão, braço-direito de Bruno, teriam levado a jovem para o sítio do goleiro. No trajeto, o adolescente teria dado três coronhadas na cabeça da infeliz vítima. Ao ser preso, na casa do jogador, o garoto afirmou que Bruno mandara matar a modelo e que o ex-policial Marcos Aparecido dos Santos, o Bola, teria ficado encarregado da tarefa. A sinistra ordem foi executada com o estrangulamento da jovem que teve o corpo esquartejado antes de ser transportado para o sítio do goleiro.
4.A ocultação do cadáver e identificação de responsáveis
Apesar das buscas em diversos lugares, o corpo de Eliza nunca foi encontrado. Em 7 de julho, a Justiça decretou a prisão de Bruno, Luiz Henrique Ferreira Romão (vulgo Macarrão) e Dayanne. O Flamengo decidiu suspender o contrato do goleiro. No dia seguinte, foi decretada a prisão de Bola. Ainda no dia 8, Bruno se entregou à polícia. Em 29 de julho, a polícia concluiu o inquérito e indiciou Bruno por homicídio, sequestro e cárcere privado, ocultação de cadáver, formação de quadrilha e corrupção de menores. Também foram indiciados pelos mesmos crimes os demais envolvidos: Luiz Henrique Ferreira Romão (vulgo Macarrão), Coxinha e Dayanne, além Flávio Caetano de Araújo (Flavinho), Elenílson Vitor da Silva, Sérgio Rosa Sales e Fernanda Gomes de Castro, ex-namorada de Bruno. Bola foi indiciado por homicídio qualificado, formação de quadrilha e ocultação de cadáver.
5.Julgamentos e condenações
No seu julgamento, concluído na madrugada do dia 8 de março de 2013, no Fórum de Contagem (MG), o goleiro Bruno recebeu a pena total de 22 anos e 3 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática dos delitos tipificados nos arts. 121, § 2º, incisos I, III e IV (motive torpe, asfixia e uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima); 148, § 1º, inciso IV (sequestro de menor ) e 211 (ocultação de cadáver), todos do Código Penal.
Anteriormente, em 24 de novembro de 2012, Macarrão já havia sido condenado como partícipe no homicídio à pena de reclusão de 15 anos, enquanto Fernanda foi punida com 5 anos. O ex-policial Bola foi condenado a 22 anos, sendo 19 em regime fechado, pelo homicídio qualificado, e 3 em regime aberto.
6.A demora no julgamento da apelação
Em favor do condenado Bruno, os advogados Lúcio Adolfo da Silva e outros impetraram Habeas Corpus perante o Superior Tribunal de Justiça ( nº 363.990-MG (2016/0193812-1), alegando que a prisão preventiva contra si decretada ainda no início do processo perdurava há mais de 6 anos e que “julgado pelo plenário do júri em 04/03/2013 (documento acostado) até a presente data – três anos e quatro meses após – não se cuidaram de julgar o apelo tempestivamente aviado (fls.2)” [2].
O pedido liminar pretendia a revogação da prisão preventiva ou a sua conversão em outra medida cautelar, nos termos dos arts. 282 e 319 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 12.403/2011, “especificamente a prisão domiciliar, sob monitoramento”.
7.Pedido liminar de HC indeferido
Ao examinar o feito, durante o recesso de julho de 2016, a Ministra Laurita Vaz , vice-Presidente no exercício da Presidência, salientou que, ressalvado o seu entendimento pessoal, a 5ª e a 6ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça firmaram entendimento majoritário de que é inadequado o manejo do remédio excepcional contra decisão do Tribunal a quo que pode ser atacada pela via do Recurso Especial. Embora tratando-se de Habeas Corpus substitutivo do REsp, o writ teve seu processamento admitido frente à hipótese de concessão de ofício. Mas foi negada a liminar com a seguinte justificação: “Na hipótese, porém, não reputo possível o deferimento do provimento urgente para a imediata expedição de alvará de soltura em prol do Paciente. Isso porque, em que pese sua custódia cautelar perdurar por cerca de 06 anos, esta vem sendo renovada por intermédio de sucessivos títulos judiciais, inclusive pela sentença penal condenatória (fls. 27/35). Reservo ao Colegiado, para que no momento oportuno, analise o eventual excesso de prazo para o julgamento do recurso de apelação interposto pelo Paciente, considerando as informações encaminhadas pelo Tribunal de origem. Ante o exposto, INDEFIRO o pedido liminar” [3].
8.Não conhecimento do HC (I)
Na sequência e nos mesmos autos, o Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem, com a seguinte ressalva: “Evidentemente, o julgamento do recurso de apelação está a demandar maior celeridade, visto que o reclamo, protocolado desde 11 de março de 2013, até o momento não foi julgado, não havendo nos autos qualquer informação acerca dos motivos de tal demora” (fls. 92-127). No mesmo parecer o parquet menciona que o Tribunal estadual alegou que a demora na resolução do caso se devia, em parte, aos próprios acusados “a ensejar a aplicação do entendimento prescrito no enunciado nº 64 da súmula dessa Colenda Corte, leia-se: ‘Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa’ ”.
9.Não conhecimento do HC (II)
O ilustre Ministro-relator do feito, após consulta ao sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, pondera que “o recurso de apelação tem sido processado regularmente, devendo ser considerada a complexidade do feito e as diversas intervenções da defesa, sendo necessária a intimação dos advogados então constituídos pelos apelantes para que apresentassem razões recursais e até mesmo para que restituíssem os autos para o regular processamento dos recursos.” (Itálicos meus).
A sua conclusão foi pela negativa da pretensão de liberdade. “Nesse contexto, comungo do mesmo entendimento do Ministério Público Federal ao considerar que a defesa contribuiu para o eventual prolongamento do prazo para o julgamento do recurso de apelação, o que atrai a i ncidência da Súmula 64/STJ) ” (Itálicos e negritos meus).
10.Observações críticas
Sem prejuízo do respeito que o advogado deve prestar ao Tribunal, forçoso é reconhecer que a Súmula STJ 64 era inaplicável porque refere-se, expressamente, ao “excesso de prazo na instrução...”. E o excesso de 3 (três anos) lamentado ocorre a partir da interposição do recurso de apelação. A instrução já estava finda!
Sob outro aspecto, considerando-se que cabe ao Juiz “prover a regularidade do processo” (CPP, art. 251), carece de razoabilidade a alegação do órgão coator ao imputar à defesa a demora do processo. Com efeito, a autoridade judicante tem à sua disposição os dispositivos legais (CP, CPP) e deontológicos (Código de Ética e Disciplina da OAB) para neutralizar quaisquer expedientes protelatórios, máxime quando possam constituir a infração penal da desobediência (CP, art. 330) pelo descumprimento de determinação judicial para regularizar o feito.
Também é necessário destacar que parte do tempo decorrido depois da condenação não é imputável ao condenado e nem à sua defesa. Em primeiro lugar, porque a interposição do Recurso em Sentido Estrito foi provocada pela decisão judicial em não processar o pedido de apelação. E tanto havia ilegalidade nessa decisão que o RSE foi provido para que o apelo tivesse sequência. Em segundo lugar, porque o requerimento feito para a execução provisória da condenação teve o objetivo de progressão do regime fechado para o semiaberto. Tal iniciativa não descaracteriza, obviamente, o excesso de prazo por se tratar de um direito subjetivo do condenado, atendidos os requisitos legais.
11.A concessão do HC
Contra a decisão que não conheceu do writ foi impetrado um novo writ, agora para o Supremo Tribunal Federal (HC 139.612/MG), com interposição de Medida Cautelar 139.612 (MG). Em razão do falecimento do ministro Teori Zavascki (a quem fora distribuída a súplica) a ministra Cármen Lúcia determinou a redistribuição do feito, sendo novo relator o ministro Marco Aurélio.
A assessora judiciária Mariana Madera Nunes informou que os impetrantes alegam o excesso de prazo porque passaram-se 3 anos desde o julgamento, sem análise da apelação interposta. E que o paciente encontrava-se recolhido, em consequência da prisão temporária e, em seguida, convertida em preventiva, desde 20 de julho de 2010.
A decisão liminar, motivada em termos claros e objetivos, foi assim posta:
3. Os fundamentos da preventiva não resistem a exame. Inexiste, no
arcabouço normativo, a segregação automática tendo em conta o delito
possivelmente cometido, levando à inversão da ordem do processo-crime,
que direciona, presente o princípio da não culpabilidade, a apurar-se
para, selada a culpa, prender-se, em verdadeira execução da pena. O
Juízo, ao negar o direito de recorrer em liberdade, considerou a gravidade
concreta da imputação. Reiterados são os pronunciamentos do Supremo
sobre a impossibilidade de potencializar-se a infração versada no
processo. O clamor social surge como elemento neutro, insuficiente a
respaldar a preventiva. Por fim, colocou-se em segundo plano o fato de o
paciente ser primário e possuir bons antecedentes. Tem-se a
insubsistência das premissas lançadas.
A esta altura, sem culpa formada, o paciente está preso há 6 anos e 7
meses. Nada, absolutamente nada, justifica tal fato. A complexidade do
processo pode conduzir ao atraso na apreciação da apelação, mas jamais à
projeção, no tempo, de custódia que se tem com a natureza de provisória.
3. (Sic) Defiro a liminar pleiteada. Expeçam alvará de soltura a ser
cumprido com as cautelas próprias: caso o paciente não se encontre
recolhido por motivo diverso da preventiva formalizada no processo nº
079.10.035.624-9, do Juízo do Tribunal do Júri da Comarca de
Contagem/MG. Advirtam-no da necessidade de permanecer na
residência indicada ao Juízo, atendendo aos chamamentos judiciais, de
informar eventual transferência e de adotar a postura que se aguarda do
cidadão integrado à sociedade.
4. Colham o parecer da Procuradoria-Geral da República.
5. Publiquem.
Brasília, 21 de fevereiro de 2017.
12.A razoável duração do processo
Em sua antológica Oração aos Moços, redigida na condição de paraninfo da Turma de 1920 da Faculdade de Direito de São Paulo [4], aconselhando os jovens que, entre as carreiras do Direito poderiam optar pela magistratura, o sublime Ruy Barbosa (1849-1923), salientou ser essa “ a mais eminente das profissões a que um homem se pode entregar neste mundo” e, após tecer outras considerações elogiosas, deixou para a posteridade a seguinte advertência: “Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contaria o direito escrito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade. Os juízes tardinheiros são culpados, que a lassidão comum vai tolerando. (...) Não sejais, pois, desses magistrados, nas mãos de quem os autos penam como as almas do purgatório ou arrastam sonos esquecidos como as preguiças do mato”. (Itálicos meus).
Na causa em exame e sob o aspecto constitucional-processual não há como discordar da singela conclusão do ministro Marco Aurélio. É certo que, embora o paciente estivesse preso há seis anos, houve a intercorrência da condenação que, uma vez publicada, interrompe a prescrição (CP, art. 117,IV). Mas, na interpretação lógico-sistemática dos prazos para o julgamento da apelação e do princípio constitucional que lhes é inerente, haveria abuso de poder omissivo se outra fosse a solução do writ. Com efeito, dispõe o art. 613 do Código de Processo Penal: “As apelações interpostas das sentenças proferidas em processos por crime a que a lei comine a pena de reclusão, deverão ser processadas e julgadas pela forma estabelecida no art. 610, com as seguintes modificações: I - exarado o relatório nos autos, passarão estes ao revisor, que terá igual prazo para o exame do processo e pedirá designação de dia para o julgamento; II - os prazos serão ampliados ao dobro; III - (...)”. E quais são esses prazos? A resposta está na conjugação desses dois dispositivos. Reza o art. 610: “Nos recursos em sentido estrito, com exceção do de habeas corpus e nas apelações interpostas em sentenças em processo de contravenção ou de crime a que a lei comine pena de detenção, os autos irão imediatamente com vista ao procurador-geral pelo prazo de cinco dias, em, seguida, passarão, por igual prazo, ao relator, que pedirá designação de dia para o julgamento”.
Assim, com as razões e as contrarrazões do apelo, o processo deve ser encaminhado imediatamente ao Ministério Público com o prazo de 10 (dez) dias para emitir parecer. Em seguida, o relator, com o mesmo prazo, estudará a causa e emitirá o relatório, seguindo-se o revisor que, examinando o feito - também nos 10 (dez dias) - pedirá a inclusão do feito conforme agenda do órgão julgador.
Portanto, no rigor da lei, a apelação deverá ser pautada para decisão da Câmara, dentro de 30 (trinta) dias. Fica em aberto o tempo do dia e da hora do julgamento.
Obviamente que, sendo o Código de Processo Penal decretado em 1941 (Dec.-lei 3.689, de 3 de outubro), não é possível que nos dias correntes, com as cargas oceânicas de feitos nas cortes estaduais e federais de Justiça, aqueles prazos sejam fielmente atendidos. Mas, é elementar que o tempo de 3 (três) anos, ou sejam, 1.080 (mil e oitenta) dias, é evidentemente, excessivo. Não poderia, assim, o Supremo Tribunal Federal, representado por um de seus mais ilustres membros, deixar de zelar pela Constituição - da qual é seu guardião - que, no inciso LXXVIII (78º), declara: “a todos ”, [bons ou maus litigantes; autores de menores ou maiores crimes] “no âmbito judicial ou administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Este é um princípio incluído entre os Direitos e as Garantias Fundamentais de nossa Carta Magna. Que os magistrados - sem distinção de hierarquia - prometem cumprir ao assumirem seus cargos.
--
[1] O julgamento teve início no dia 4 e foi concluído no dia 8 (março de 2013).
[2] Trecho do Relatório que antecedeu a decisão do writ
[3] Página 2. (Os destaques em itálico são meus. O destaque em versal é do original).
[4] Em face da impossibilidade de comparecimento do Águia de Haia à respectiva cerimônia, realizada no dia 29 de março de 1921, o texto do discurso foi lido pelo notável Professor Reinaldo Porchat (1868,1953), catedrático de Direito Romano da então chamada Academia de Direito de São Paulo, hoje Faculdade de Direito da USP.
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